Uma década depois, cotas raciais mudam a cara das faculdades brasileiras
De 2001 a 2020 o número de pretos, pardos e indígenas matriculados em universidades públicas no Brasil passou de 31% para 52% do total de estudantes
Por Mauro Utida
A Lei Federal de Cotas completa dez anos em 2022 e neste ano está previsto uma reavaliação do programa pelo Governo Federal. No que depender dos estudos produzidos desde 2012, fica claro que a Lei das Cotas mudou a cara do ensino superior brasileiro para melhor com o aumento da diversificação racial e socioeconômica, além de ter aumentado a disseminação de valores antirracistas.
Levantamento realizado pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas em 980 publicações sobre políticas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro aponta que, de 2001 a 2020, o número de pretos, pardos e indígenas matriculados em universidades públicas no Brasil passou de 31% para 52% do total de estudantes. E os de classe C, D e E de 19% para 52%.
Os dados do Consórcio foram coletados a partir de informações incluídas na PNAD Contínua com alunos de todos os cursos universitários de instituições federais, estaduais e municipais, de 18 a 34 anos, e não incluem apenas os que entraram nas faculdades através da Lei Federal de Cotas e de outras políticas afirmativas.
Apesar da Lei das Cotas completar dez anos neste ano, houve, no entanto, uma fase experimental que durou de 2002 a 2007, a maior parte no governo de Lula (PT), quando a política chegou a 40 instituições de ensino superior públicas brasileiras. Depois disso, entre 2008 e 2011 o país viveu uma fase em que o Reuni, programa de expansão das universidades federais, garantia incentivos para quem implementasse as cotas. Só em 2012 foi aprovada a lei federal pela presidenta Dilma Rousseff (PT).
Avaliação positiva
O levantamento realizado pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas aponta que 71% dessas pesquisas nas instituições de ensino superior brasileiro avaliaram positivamente as cotas raciais e 62% as cotas sociais. Os estudos analisados foram publicados entre 2006 e 2021.
Sobre as cotas raciais, 53% dos estudos avaliaram a política como “bastante positiva”, 18% como “levemente positiva” e 12% como negativas (com 16% sem identificação clara). Já em relação às cotas sociais, 43% foram “bastante positivas”, 19% “levemente positivas” e 12% negativas (25% sem identificação).
Contraponto ao governo Bolsonaro
O Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas foi criado no final de 2021 em contraponto à “ausência de propostas do governo federal para a revisão da Lei de Cotas, prevista para este ano”. O grupo inclui especialistas da UFRJ, UnB, UFBA, UFMG, UFSC, USP, Unicamp e Uerj e tem, entre seus objetivos principais, entender as consequências de uma década com a legislação em vigor no ensino superior.
Amparado por pareceres de diversos juristas e da ONG Conectas Direitos Humanos, o Consórcio defende que a Lei de Cotas, não pode, de forma alguma, ser suspensa se a revisão prevista para este ano for adiada para 2023. Na avaliação de especialistas em ensino superior, a lei em vigor não prevê sua revogação após dez anos, mas sim uma reavaliação. Hoje, 109 universidades públicas adotam algum tipo de ação afirmativa, contra 79 em 2012 e apenas 6 em 2003.
O plano de trabalho do Consóricio visa entender se os beneficiários conseguiram concluir suas graduações e adentrar no mercado de trabalho, analisar trabalhos acadêmicos sobre o tema e comparar o desempenho entre cotistas e não-cotistas no momento em que entram nas universidades e durante a graduação. Nesta quinta-feira (11), o Consórcio apresentou o relatório “Dez anos da Lei de Cotas: resultados e desafios”, no Museu Afro-Brasil, no Parque Ibirapuera, em São Paulo.
O jornal O Globo destacou uma destaspesquisas no encontro desta quinta-feira, comandada pelas professoras de ciência política da UFMG Ana Paula Karuz e Flora de Paula Maia compara justamente o desempenho médio de cotistas e não-cotistas no Enem por ingressantes em todos os cursos da universidade (admitidos entre o primeiro semestre de 2016 e o segundo semestre de 2020), com o desempenho acadêmico no mesmo período.
O resultado destoa a ideia de que alunos cotistas pretos, pardos e indígenas de baixa renda não acompanhariam os não-cotistas no ensino superior, e retardaria o ensino dos mesmos. “Fica claro que a desvantagem destes alunos (cotistas) nas etapas anteriores do ensino não influeciam no desempenho durante o curso superior. E não se trata de uma especificidade da UFMG. A UFBA está em processo final de pesquisa comparativa de desempenho e os resultados são semelhantes”, diz Luiz o professor Augusto Campos, coordenador do Observatório das Ciências Sociais (OCS) e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) da Uerj, pioneira na implantação de políticas afirmativas no ensino superior, uma década antes da implementação da Lei Federal de Cotas.
“Há mais pessoas negras e pobres na universidade pública? Sim. Diferentes pesquisas mostram que houve uma grande diversificação racial e socioeconômica. Nossa avaliação é a de que o saldo é claramente positivo e que melhorias pontuais podem ser propostas e feitas a partir de dados e pesquisas” declarou Campos, professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-Uerj).
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