Um país chamado desastre
Por Renato Cortez O mundo está assombrado com o Brasil. Pelo menos esta é a conclusão após a leitura de um pesado artigo publicado no portal The Conversation. O título, em tom grave, dá a medida do assombro: Brasil, desastre à vista. Os motivos? Uma perversa aliança entre o neoliberalismo, a direita religiosa e o […]
Por Renato Cortez
O mundo está assombrado com o Brasil. Pelo menos esta é a conclusão após a leitura de um pesado artigo publicado no portal The Conversation. O título, em tom grave, dá a medida do assombro: Brasil, desastre à vista. Os motivos? Uma perversa aliança entre o neoliberalismo, a direita religiosa e o Macartismo tropical com a sua surreal paranoia anticomunista visando eleger um presidente em 2018 para terminar de retroceder nos tímidos avanços experimentados pela população brasileira nos últimos 13 anos.
Sustentado pelas afirmações do ex-Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, o artigo diz que o Brasil é atualmente administrado por uma quadrilha criminosa responsável pela deposição de uma presidente eleita de forma legítima em eleições livres e plurais, afirmando categoricamente que Michel Temer participou ativamente da conspiração que resultou no golpe de Estado de 2016. Completa dizendo que este grupo criminoso está disposto a qualquer coisa para se manter no poder.
Um breve inventário dos crimes de Temer e seu grupo político ilustram as afirmações, com destaque para as duas recentes denúncias enviadas pela PGR solicitando autorização da Câmara dos Deputados para dar início às investigações da quadrilha. Os R$ 51 milhões de Geddel e os R$ 500 mil na mala de Rocha Loures, bem como a promiscuidade na liberação de verbas para aliados em troca de proteção, terminam de desenhar a situação.
Em tom irônico, o artigo afirma que Michel Temer não terá a oportunidade de se defender das acusações, visto que literalmente comprou a sua proteção via recursos públicos transferidos para aliados na forma de emendas parlamentares. Aqui, citam 8 bilhões de Euros gastos na operação, aproximadamente R$ 30 bilhões. O afrouxamento na fiscalização do trabalho escravo e a tentativa de entregar as riquezas do nosso subsolo para os estrangeiros completam a saída encontrada pela organização criminosa para fugir da justiça.
Perseguição política
A miopia da imprensa corporativa e de setores do Poder Judiciário não ficaram de fora da análise. Causa espanto aos gringos a desenvoltura com que Aécio Neves desfila pelos espaços, mesmo sendo acusado – com provas – de diversos atos ilícitos praticados ao longo da vida, incluindo os pedidos de propinas a Joesley Batista flagrados em áudios. Em contraste, citam a implacável perseguição ao ex-presidente Lula e a condenação referente ao “triplex do Guarujá”, apontado no artigo como mera denúncia que carece de comprovação.
Assim com foi feito um histórico dos crimes de Temer, o artigo também procura situar quem foi Luis Inácio Lula da Silva para o povo brasileiro. Citam a sua saída da presidência com a aprovação recorde de 87% da população, as mais de 30 milhões de pessoas que deixaram a pobreza absoluta durante os seus governos, o pleno emprego e a inserção do Brasil como player importante nas relações internacionais.
Embora seja alvo de uma sistemática campanha de difamação, o artigo afirma que Lula segue firme como um forte candidato para as eleições de 2018 e que, até o momento, não foi viabilizado um opositor com chances de derrotá-lo. Entretanto, o artigo também afirma que dificilmente Lula terá condições de se candidatar em virtude desta sistemática perseguição política.
Desfile do arbítrio
O vale-tudo proporcionado pela direita conservadora para garantir sucesso nas eleições de 2018 e seus reflexos na sociedade mereceram destaque no artigo. Tendo PSDB e DEM à frente, a composição política acabou por fortalecer a ultradireita com a ascensão de Jair Bolsonaro e seu elogio à tortura, ao racismo, à homofobia e misoginia. O pouco apreço aos preceitos democráticos e a defesa do assassinato sumário contra pessoas acusadas de crimes completam o perfil daquele que materializou o ódio patrocinado por partidos que, incapazes de derrotarem os adversários nas urnas, militam pela sua extinção.
A aceitação deste discurso preconceituoso e assassínio é vista com preocupação, especialmente em face de um temor irracional do “comunismo” manifestado pelos simpáticos aos ideais fascis
tas propagados por Bolsonaro. Movimentos como o MBL são apontados como responsáveis por instigar no seio da sociedade tais ideais extremistas fazendo uso de uma agenda ultra neoliberal e um moralismo ultra conservador, dialogando diretamente com os medos e preconceitos enraizados no senso comum da população. A recente investida contra artistas e obras de arte, arrogando a defesa dos valores da “família tradicional”, seria um exemplo desta conduta.
O avanço do conservadorismo é articulado. Além de ideais extremistas e uma pueril defesa dos bons costumes, iniciativas que visam cercear o pensamento e a sua manifestação seguem avançando dentro da sociedade. A mordaça conhecida como “Escola Sem Partido”, que visa abolir a crítica e a contextualização do conhecimento produzido e propagado nas salas de aula, é uma realidade em muitos municípios. Com o objetivo declarado de impedir a “doutrinação” de nossa juventude, o que de fato está por trás é impedir o debate de temas fundamentais que constituem a vida em sociedade, criando adultos acríticos docilmente adestrados para exploração sistemática do tal “mercado”.
Dando suporte a este cordel de retrocessos, a direita religiosa abarcada sob o nome genérico de “Igrejas Evangélicas”. Com uma pauta muito bem definida, não escondem o que desejam: restringir liberdades, retirar direitos das mulheres e minorias e a destruição do que resta de secularismo no Brasil (se um dia existiu). Ataques às religiões de matriz africana ou o vago combate à “cultura pagã” foram utilizados como balão de ensaio durante as eleições municipais de 2016 no Rio de Janeiro, quando um membro da Igreja Universal do Reino de Deus venceu a disputa para a prefeitura.
Desde então, cresce o movimento que prega trocar a Constituição Federal pela Bíblia. Pasmem, mas pelas ruas da capital carioca podem ser vistos carros ostentado adesivos com esta ideia! Tal situação é ainda mais bizarra se lembrarmos que os funcionários públicos do Rio de Janeiro há meses não recebem seus salários em dia.
Desastre iminente
O artigo finaliza com um panorama nada animador para o Brasil. Cita a fragmentação da esquerda e as manobras empreendidas pela organização criminosa instalada no Palácio do Planalto e os partidos políticos que a sustentam no Congresso Nacional para se perpetuarem no poder e fugirem das investigações de seus crimes.
A operação Lava-Jato, em curso desde 2014, já deu sinais de que tem como única preocupação criminalizar a Esquerda e lideranças políticas do campo progressista. O pouco apreço do povo brasileiro à Democracia e a inclinação por soluções fáceis empreendidas pelo herói nacional da vez, somadas às sucessivas revelações de escândalos e a seletividade na punição de corruptos e corruptores, podem levar a população brasileira a ser seduzida pelo discurso vazio e moralista que toma força na sociedade.
Mas ao contrário da Itália, que serve de inspiração para a inquisição irradiada desde Curitiba e que resultou em uma figura controversa como Berlusconi, para dizer o mínimo, por aqui esta política do vale-tudo empreendida pelos derrotados de 2014 pode gerar como resultado uma aliança entre o neoliberalismo mais agressivo e o evangelismo mais hipócrita que poderiam existir.
Que as deusas tenham piedade do Brasil.