Igreja em São Paulo acolhe LGBTs e questiona contradições da bancada fundamentalista
Igreja em São Paulo acolhe LGBTs e questiona contradições da bancada fundamentalista.
As Igrejas da Comunidade Metropolitanas (ICM) foram fundadas no ano de 1968 em Los Angeles pelo Reverendo Bispo Troy Perry, após ter sido expulso do Midwest Bible College por ser homossexual.
No Brasil a primeira sede do movimento foi fundado no Rio de Janeiro, em 1994. Sua inauguração contou com a presença do reverendo americano. A igreja de vertente protestante tem como pilares de sua criação a defesa dos direitos humanos e o progressismo radical. Hoje, são 52 igrejas no mundo sendo 14 no Brasil. Na contramão das igrejas cristãs tradicionais, tem por princípios acolher minorias e lutam pelos seus direitos civis.
Debaixo de um tempo frio, seco e cinza do bairro de Santa Cecília, uma pequena porta emana um arco-íris. É quinta-feira. De um lado temos um banco privado cheio de grades e ferros, do outro o morador de rua Fábio, que, sentado com sua mochila, nos disse “Sei muito bem quem são eles, tem até homem de salto, mas respeito todos, eles me dão comida e me ajudam”.
Reverendo Cristiano Valério abre a pequena porta da igreja, uma estreita escada nos leva para o salão arejado contendo imagens de Jesus Cristo, bandeiras da Comunidade Metropolitana e do movimento LGBTQI+. “O espaço é pequeno, mas nós conseguimos guardar as doações de roupa e até mesmo os cobertores dos moradores de rua da região.”
O local funciona às quintas-feiras com um plantão de atendimento pastoral, onde pessoas agendam conversas com membros da comunidade para um aconselhamento ou palavra de fé. No final do dia membros da comunidade se reúnem para a distribuição da sopa comunitária para pessoas em situação de vulnerabilidade social nas ruas da capital paulista. Fábio aguarda na porta a preparação da sopa.
Culto de domingo
O evangelho escolhido para o culto foi João, versículo seis, capítulos do um ao quinze. “Essa é uma reflexão sobre o cuidado de Deus nas nossas vidas, esse Deus que pouco sabemos sobre seus cabelos, sobre sua sexualidade, sobre sua identidade de gênero.” A analogia da pastora Alexya relata o episódio conhecido como milagre dos cinco pães e dois peixes, no qual Jesus sustenta uma grande população multiplicando poucos alimentos. “Quantas lésbicas não puderam ver essa multiplicação?”.
“Jesus foi um homem político”, afirma.
Alexya Salvador além de pastora é professora da rede pública e este ano disputará as eleições para deputada estadual pelo PSOL de São Paulo. É casada com Roberto e mãe de Ana Maria, menina transgênera, e Gabriel, menino com necessidades especiais.
Em abril deste ano, em decisão inédita, o Tribunal Superior Eleitoral garantiu o uso do nome social por Travestis e Transexuais em seu título de eleitor. De acordo com o Centro de Divulgação das Eleições do TSE, 6280 pessoas puderam optar pelo nome social na inscrição ao atualizarem seus cadastros. Para Alexya, a importância de sua candidatura em um momento como esse é imensa. “A minha candidatura, nesse espaço de campanha, representa para eles o novo, uma sede de coisa nova, de mudança e de representatividade. Eu como candidata quero poder representar lá dentro cada travesti que foi assassinada, cada pessoa trans que foi brutalmente morta, cada gay que foi assassinado, cada lésbica. A minha candidatura representa a diversidade.”
O marido de Alexya, Roberto Salvador, também participa dos cultos. Faz traduções simultâneas das falas para libras, já que muitos dos fiéis são surdos. “Não somos uma Igreja que acolhe surdos” diz Valério. “Somos uma igreja de surdos”. Ao final de cada culto a comunidade aprende junto uma expressão do evangelho na linguagem brasileira de sinais. Agosto, mês de aniversário da comunidade, promete uma série de cultos especiais, incluindo um inteiramente ministrado por surdos.
A reflexão sobre o evangelho também transmite a ideia de que o cristianismo fundamentalista, de homens e mulheres que deixam-se levar pelo poder, reivindicando a vida e a morte de minorias, não satisfaz mais. Segundo ela, é pão embolorado.
Mikelly, que frequenta a ICM há dez anos, encontrou o espaço após começar a se relacionar com outra mulher. Batista de berço, foi assediada pelo pastor da igreja que frequentava por causa do relacionamento. Encontrou a comunidade metropolitana pela internet. “Mas na concepção que tínhamos era coisa de outro mundo que uma igreja pudesse aceitar nossa sexualidade”. A mesma acabou se casando com sua esposa na igreja, onde são realizadas cerimônias homoafetivas.
Aos sábados são celebradas cerimônias especiais, como casamentos e festas da comunidade. “A partir de 2006, a ICM de São Paulo elegeu como bandeira prioritária o casamento igualitário e todos os direitos negados a população LGBT. Entendemos que naquele momento essa era uma bandeira importante de luta. Fazemos dessas cerimônias de casamento uma oportunidade de marcar uma posição corajosa de um grupo religioso a favor do casamento igualitário.” diz o Reverendo Cristiano sobre a luta que travaram para essa conquista.
No dia 05 de maio de 2011 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável entre casais homoafetivos, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 (ADPF). Cristiano vê o atual momento político como uma reação aos movimentos progressistas “Há uma crescente de conquistas sólidas da população LGBT, logo, um discurso religioso fascista é uma resposta natural ao avanço de nossa sociedade”.
A Liturgia de 2 horas chega ao fim com abraços fraternos de cada um presente.
“Oremos todos pela saúde de quem não pode estar aqui”, diz a pastora ao se dirigir ao fundo do salão.
A representatividade de pessoas no local traz o ar de uma grande família. Alexya senta conosco no centro da ICM, com a voz firme e um pouco cansada pelas atividades do dia, que incluíram um encontro com seu partido, o culto e um velório que aconteceria dali a pouco “Eu sou a contradição da bancada fundamentalista dentro da assembleia aqui em São Paulo. Sou Trans, sou pastora, sou mãe, sou professora. Eu ousei quebrar paradigmas.”
Reportagem: Caio Chagas, Emily Martins e Manu Ferraro.