‘Twinless – Um Gêmeo a Menos’ revisita o luto como espelho da identidade
Filme explora solidão e afeto com humor desconfortável, performances brilhantes e direção sensível de James Sweeney
Por Lilianna Bernartt
Uma das melhores sensações que existem é quando um filme te pega de surpresa e, quando você percebe, foi guiado para lugares inesperados. “Twinless – Um gêmeo a menos” é um desses — estranho, íntimo, desconcertante. De cara, parece mais um drama independente sobre perda e luto. Mas, conforme avança, se revela uma investigação muito mais profunda sobre solidão, desejo, empatia e os limites sobre tudo isso. É o tipo de produção que provoca riso, desconforto e ternura, tudo junto e misturado e, no fim, se condensa no humano em sua forma crua.
James Sweeney, que escreve, atua e dirige o filme, parte de uma premissa simples: após Roman (Dylan O’Brien) perder seu irmão gêmeo, Rocky, tenta encontrar algum sentido ao frequentar um grupo de apoio. Lá, conhece Dennis (o próprio Sweeney), também enlutado pela perda do irmão. A partir daí, a relação entre os dois cresce num terreno indefinido em que o afeto se mistura à necessidade e a carência se confunde com amor.
A partir do luto, o filme investiga a vida, quem de fato somos quando estamos sozinhos e quanto de nós e de nossas atitudes se pautam pela existência alheia e quanto é nosso mesmo e ponto. O filme não tem medo de mostrar o pior de seus personagens — e é aí que ganha força — ao mostrar a complexidade humana, que pessoas que amamos podem agir de forma egoísta, bem como pessoas que julgamos superficiais podem ser as únicas capazes de compaixão. Essa inversão constante de pré-concepções mantém “Twinless” inquieto e pulsante.
Sweeney entende o ritmo e o valor das pausas e do silêncio. O filme não se apressa em explicar nada, e isso automaticamente nos coloca em estado de escuta. O roteiro transita bem na dicotomia entre humor e drama, que surge nos momentos de constrangimento e vulnerabilidade dos personagens, e a mise-en-scène acompanha essa sensibilidade — sempre próxima, mas nunca invasiva.
Um dos pontos altos do filme é, sem dúvida, Dylan O’Brien, que faz o melhor trabalho de sua carreira até o momento, transitando de forma íntegra e segura entre dois registros completamente diferentes: como Rocky, ele é leve, expansivo, sedutor; como Roman, carrega o peso, o medo e a insegurança de ter de lidar com o que sobrou. É uma performance dupla e completa, sustentada com precisão e sensibilidade.
Sweeney, como Dennis, trabalha na ambiguidade. Seu personagem está o tempo todo em conflito entre o que quer e o que tem medo; o que faz e o que se arrepende.
E a direção de Sweeney acentua as características de seus personagens, com escolhas que ampliam o sentido do roteiro, como o uso de split screen para duplicar a solidão dos personagens, planos longos que insistem no silêncio e uma mise-en-scène instigante, sempre à beira do colapso. A fotografia é suave, quase translúcida, como se a imagem também fosse atravessada pelo luto. E a trilha sustenta a melancolia e o estranhamento que definem o tom do filme — “Twinless” não quer ser agradável, quer ser verdadeiro. Os personagens erram, cruzam limites e nos obrigam a nos reconhecer neles, com uma familiaridade desconcertante.
Por fim, Sweeney entrega uma obra honesta e imperfeita como a vida, mas precisa em emoção, daquelas que você sai com a sensação de que compartilhou algo íntimo. Filme para ver no cinema sem medo de ser feliz.



