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Compreender a Argentina requer trabalhar com premissas nas quais um governo neoliberal ao aplicar um modelo clássico de desregulamentação da economia e destruição das políticas sociais, colapsou o país hipotecando o futuro ao subdesenvolvimento.

Assimilar o contexto do confronto entre o presidente Maurício Macri e a senadora Cristina Fernandez Kirchner é visualizar uma economia em frangalhos, desnacionalizada e uma inviabilidade política do atual governo, deste modo o Partido Cambiemos recorre a ‘franquia’ da judicialização da política com o objetivo de impedir a vitória de CFK em 2019.

O país que é tutelado pelo FMI depois de décadas, se encontra com 60% de taxa de juros básica, um dólar a 30 pesos em Buenos Aires e 40 fora do país, para uma inflação de 35%, onde a pobreza cresceu 33% nesta gestão.O risco país subindo a 745 pontos e as companhias nacionais valendo 40% menos que em abril deste ano. Se é na economia que o trabalhador enfrenta os reflexos mais duros como desemprego, fome e incapacidade de pagar até pelo gás, medicamentos e energia, é na política que está a origem desta situação. Macri prometeu em 2015 desenvolvimento e transparência, entregou a maior recessão de 30 anos e uma cadeia doações do empresariado com favores do governo.

Debruçado numa impopularidade crescente, o partido de Macri se encontra num processo que pode destruí-lo. Comprovaram que no quesito arrecadação financeira, os depósitos de doações milionárias usaram pessoas humildes ,sem condição alguma de colaborar, a investigação trouxe a luz indivíduos que negaram qualquer relação com “Cambiemos”. A fraude desnudou escritórios onde circulavam grandes montes de dinheiro, que envolve a governadora de Buenos Aires, Maria Eugenia Vidal e o senador Esteban Bulricch. Corroboram com a enorme farsa o depoimento “arrependido” do primo do presidente, Ángelo Calcaterra que confirmou ter pago suborno ao governo.

Em verdade as famílias Macri e Calcaterra são uma só! Sócias e envolvidas em fraudes de remessas de dólares para o Panamá, Ángelo é laranja de Macri em diversos negócios.

A estratégia das grandes empresas em financiar a política é como um seguro sistêmico de impedir que campos políticos possam chegar ao executivo governando contra o capital. Por conseguinte, preferem financiar os potenciais condutores de políticas que lhes são favoráveis num grande acordo sem registros contábeis. Neste modelo, Macri e Cambiemos estão nas duas pontas, sendo parte do empresariado bem como titular no governo, que por nenhuma coincidência está repleto de executivos e endinheirados.

Questionado sobre este submundo de fantasmas doadores que capitalizaram o partido desde a sua formação em 2015, o senador Bulricch respondeu: ‘Não sei explicar, mas não chantageamos, eles apareceram’. Bulricch, assim como Vidal e Macri, são os principais interessados no encarceramento de CFK, pois perdem nas pesquisas para senadora.

Envolto na decadência política, o governo resolveu sair do problema por cima. Viabilizou um ‘macartismo tropical’, exportado para América Latina pelos EUA para perseguir líderes progressistas, que oficialmente na Argentina é uma denúncia geral sobre o financiamento político.

Os axiomas na Argentina são uma cópia de um caderno escrito acéfalo onde narra estória de transferência física de valores na época de Néstor Kirchner, um motorista chamado Oscar Centeno que buscava valores, e o empresário Óscar Lóson doador de Macri que inclusive empresta seu helicóptero ao presidente. Em que pese todas estas convicções com controle do Cambiemos já que os empresários são do raio de relacionamento do macrismo, foi escalado o dublê de Juiz e militante liberal, Claudio Bonadio. O magistrado é conhecido como o juiz do guardanapo. Este título se remete ao governo Carlos Menem (1989-95/95-99) quando o ministro da justiça entregava a relação dos juízes protegidos num papel de restaurante. Bonadio, inimigo dos Kirchner, era um dos onze da relação. O togado foi rápido e determinou a prisão de 15 empresários, mas o objetivo é CFK que fez depoimento por escrito e ainda teve seu apartamento no bairro da Ricoleta invadido e vasculhado sem autorização do senado.

Se Cristina foi convocada, por quê Macri, estando suas empresas no vicioso caderno, não? A constituição virou pura interpretação particular de um juiz de primeiro piso.

Mesmo com reduzidos indícios, como Néstor é falecido, o processo precisaria chegar a sua viúva. Neste sentido o motorista recordou que ouviu alguém dizer que era para continuar arrecadando para Cristina. Centeno, de lembranças rupantes, diz ter contado 150 mil dólares em plena avenida Uruguai, uma via de grande movimentação da capital. Declarou também que sabia de valores pelo peso do pacote, sequestrando o direito de apontar qualquer montante ao processo. Não existe qualquer exame grafotécnico, nem comprovação de quem é o autor do caderno entregue pelo chofer.

O objetivo na Argentina não é punir o sistema antigo de beneficiários destas doações. O calapso da economia com Macri e a cogestão com FMI, entrou num estágio de aceleração de efeitos sociais negativos. Em dezembro de 2015 ainda se podia justificar a distribuição regressiva da renda a herança passada, mas em 2018 seria a hora de mostrar as “conquistas ” do Cambiemos. Mas com o projeto econômico fracassado, o governo foi obrigado retomar a demonização da oposição através do discurso anticorrupção. Um jogo difícil de se praticar, já que ao contrário de 2016, seus atos de corrupção inviabilizam culpar terceiros. Quando se ‘falta os pães, damos o circo!’ Uma frase portenha para desviar atenção com a mentira.

Assim, o objetivo do governo é reverberar antecipadamente que o problema do país não é a eminência de insolvência, nem a taxa básica de juros básica de 60% ou o dólar que beira os 30 (era 9,5 no final governo CFK/2015) pesos em Buenos Aires e 40 pesos nas nações vizinhas. Nem mesmo o crescimento da pobreza em 33%, e sim a corrução do adversário. Por isto se avança o Estado totalitário, levam a líder social doente Milagro Sala presa sem provas . Grampeiam-se até os telefones da família de Maldonado, morto pela polícia por defender o povo mapuche.

Mas ao contrário de outras cassadas no continente, a perseguição contra Cristina enfrentará outras premissas. CFK é senadora e lidera as pesquisas, no mesmo campo de análise, o ex-presidente Menem envolvidos em décadas de falcatruas inclusive em beneficiar o juiz Bonadio, está também no senado e envolveria maioria da classe política de direita. Desvincular a família do presidente dos maiores escândalos é uma difícil tarefa. Isto posto, as pesquisas retratam a razão. Kirchner, segundo o Grupo de Opinião Pública (GOP) possui 43,5% de imagem positiva, na frente a governadora Vidal com 42,3%, de Sergio Massa (peronista) com 38,11% e o desgastado Macri com 29,11%. A população ainda aponta preferência ao total da oposição,59% , do que o oficialismo que tem 25%.

O problema da Argentina é que concentraram a renda, depois via sonegação remeteram para o exterior gerando crise cambial, endividaram o país, destruíram a economia produtiva nacional, entregaram a soberania ao FMI e brevemente o país será insolvente. Dentro deste contexto se aclara não retornar ao passado em curto prazo, mas semear algum futuro, aprendendo com a experiência devastadora do liberalismo clássico de Macri que tenta ser o primeiro presidente da história em não ser destituído depois do default.

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