Por Daryl Hannah

A noite da última quinta-feira (20) foi marcada por emoção, memória e afirmação política durante a entrega do XXII Troféu ITA Zumbi, na sede da AFAIA (Associação dos Filhos e Amigos do Ilê Iyá Omi Àsé Òfa Kare), em Ananindeua. Em pleno Dia da Consciência Negra, a cerimônia celebrou resistência, beleza e orgulho do povo negro paraense, homenageando pessoas, instituições e segmentos que se destacam no combate ao racismo no Estado do Pará.

Este ano, a premiação ganhou um peso ainda maior: enquanto o Brasil encerrava as atividades da COP30, em Belém, o evento reforçou um recado essencial: não há justiça climática sem justiça racial, e quem constrói, quem luta e quem sonha com um mundo sem racismo precisa estar no centro desse debate.

Ancestralidade, clima e celebração: um encontro de lutas

Com o encerramento da COP30, Belém se tornou novamente palco de debates globais sobre o futuro climático do planeta — e o XXII Troféu ITA Zumbi reforçou que nenhuma discussão ambiental pode ignorar as vozes dos territórios negros, quilombolas e de matriz africana, que há séculos preservam modos de vida sustentáveis na Amazônia. Quilombos, terreiros e comunidades negras são guardiões de saberes ancestrais que dialogam diretamente com a terra, o rio e a floresta, e carregam práticas que o mundo tenta, agora, compreender.

“O prêmio ITA Zumbi existe para lembrar que a nossa luta não começou hoje. Ela vem dos nossos ancestrais, dos quilombos, dos terreiros e das comunidades que sempre resistiram. Este prêmio reconhece quem continua essa caminhada e reforça que não dá para falar de futuro ou de justiça climática sem ouvir as nossas vozes. As comunidades tradicionais sempre cuidaram da terra, da água e da floresta. Então, quando a COP30 discute o amanhã, nós mostramos que o amanhã começa aqui, na ancestralidade que sustenta a nossa existência”, defende Babá Edson Catendê, advogado e liderança da Afaia.

Durante a cerimônia, artistas, educadores, ativistas, trabalhadores, mães e pais de santo foram homenageados por suas contribuições à luta antirracista e à construção da região. A noite se transformou em um chamado à reflexão sobre quem constrói — e quem continua construindo — a Amazônia: não apenas a floresta, mas a cidade, os territórios, a cultura e os movimentos que mantêm viva a resistência negra.

Consciência Negra: passado e presente que se encontram

No espaço lotado, homenageados e público relembraram a trajetória de Zumbi dos Palmares e de todas as lideranças negras que construíram a história do país muitas vezes longe dos livros oficiais, mas presentes no cotidiano da Amazônia. Entre os premiados, a emoção tomou conta de quem vive a resistência no dia a dia.

Foto: Bruna Suelen

“Receber essa premiação é profundamente emocionante para mim. Acompanhei cada etapa da construção do evento nos últimos quatro anos, como filha de terreiro e colaboradora da Afaia, e achava que estaria preparada para este momento por estar tão envolvida. Mas não estava. Ser reconhecida pela minha própria comunidade tem um peso muito maior, porque é um povo que há décadas luta na militância combativa, na resistência feita na garra. Quando meu nome foi chamado, vieram todas as memórias da minha trajetória: são 20 anos trabalhando com produção, e perceber que estou no caminho certo, sendo abençoada pelos meus, me atravessa de um jeito que é impossível colocar em palavras”, afirma Bruna Suelen, produtora cultural e uma das homenageadas.

Entre performances culturais, cânticos e discursos, o ITA Zumbi reafirmou que resistir e existir seguem sendo atos políticos. Para muitos dos premiados, o troféu simboliza não apenas reconhecimento, mas também responsabilidade coletiva com as gerações que virão.

O legado que fica

Ao unir ancestralidade, resistência, fé e pauta climática, o Troféu ITA Zumbi se consolidou como um evento que vai além da celebração. Ele aponta caminhos: os do reconhecimento, da memória e da urgência por inclusão e representatividade nos debates que definem o futuro do planeta.

“Queremos agradecer pela força que recebemos dos nossos parentes. É com o apoio de vocês que a nossa luta se torna ainda mais forte. Se hoje colhemos bons frutos, é porque este tem sido um ano de colheita — e somos profundamente gratas por isso. Mas sabemos que nada termina aqui: a nossa luta é contínua. Existimos, resistimos e lutamos para garantir nossos direitos. Receber este prêmio é também um reconhecimento de que precisamos seguir firmes, buscando respeito às nossas decisões, ao nosso território e ao nosso modo de vida. Vamos continuar caminhando com resistência, sabedoria e proteção, como nossos ancestrais nos ensinaram”, defende Raquel Kumaruara, representante do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA).

A mensagem ecoada pela noite do ITA Zumbi é clara: o futuro é ancestral, e a construção de um mundo sustentável passa pelas mãos e vozes das comunidades tradicionais.