No imaginário coletivo, a Páscoa costuma ser associada a coelhos, ovos de chocolate e um ideal de pureza quase inatingível — símbolos embranquecidos e esvaziados que ignoram as múltiplas realidades sociais do país. Mas neste domingo (20), em uma comunidade periférica de São Gonçalo (RJ), esse enredo tradicional será reescrito por mãos que resistem. 

A professora e travesti Ariela Nascimento, fundadora do projeto Favela Kids, lidera uma ação que propõe outra narrativa para a Páscoa. Em vez de consumir, ela oferece; em vez de excluir, ela acolhe. Com recursos próprios e doações, Ariela irá distribuir chocolates para crianças em situação de vulnerabilidade, em um gesto simbólico que resgata o verdadeiro espírito da data: compaixão, partilha e transformação. 

“A gente cresce ouvindo que a Páscoa é tempo de renascimento, mas quase ninguém se pergunta: renascer pra quem? Quando você nasce excluído, quando você cresce sendo rejeitado, você precisa criar os seus próprios rituais de afeto e presença”, afirma Ariela. 

Mas o momento mais potente da ação virá com a contação de histórias infantis com foco no combate à discriminação e aos preconceitos estruturais. Ali, no chão da comunidade, uma travesti vai olhar nos olhos de crianças e contar narrativas que falam de empatia, respeito e diversidade — valores raramente celebrados nas datas comerciais. 

Essa ação — simples, mas profundamente subversiva — confronta diretamente a normatividade que estrutura o modo como o Brasil celebra suas festas. Enquanto o mercado lucra com a fantasia, Ariela planta humanidade onde o Estado não chega. “É preciso disputar o imaginário desde cedo. Uma criança que é ensinada a respeitar o outro, mesmo que diferente, é uma chance de futuro que não repita o ódio que nos atinge”, completa ela. 

A presença de uma travesti em um espaço historicamente voltado à infância ainda causa desconforto em setores conservadores. E é exatamente aí que reside o poder do gesto. Ao assumir com coragem esse papel, Ariela mostra que inclusão não é ameaça — é caminho.