Torturadores da ditadura são condenados a pagar R$ 1 milhão para sociedade brasileira
Aparecido Calandra, David dos Santos Araújo e Dirceu Gravina foram condenados em ação inédita na Justiça brasileira
A Justiça Federal determinou que três ex-delegados da sede paulista do antigo Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) terão de pagar R$ 1 milhão, cada um, à sociedade brasileira por mortes e torturas realizadas durante a ditadura militar.
A decisão é da juíza Diana Brunstein, da 7ª Vara Cível Federal de São Paulo, proferida na última quarta-feira (18). Nela, são condenoados Aparecido Calandra, David dos Santos Araújo e Dirceu Gravina a partir de uma denúncia do Ministério Público Federal.
Ao menos 25 pessoas foram torturadas pelo trio dentro das instalações do DOI-Codi, em São Paulo, na década de 1970. Entre os crimes cometidos, o processo cita a tortura e o homicídio do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, e a tortura da escritora e também jornalista Amélia Teles, a Amelinha, em 1972, junto com seus filhos pequenos. O DOI-Codi era subordinado ao Exército, e a unidade localizada de São Paulo, uma das mais atuantes e um centro de tortura e assassinatos de presos políticos na década de 1970.
Segundo a juíza, o dinheiro deve ser destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e criado em 1985. A condenação acontece após 13 anos. Na época, o MPF propôs uma ação civil pública contra esses delegados.
A juíza explicou, no despacho, que das 25 pessoas que foram torturadas e mortas, 15 foram vítimas de Aparecido Calandra. Dirceu Gravina e David Araújo vitimaram seis pessoas. Ainda afirmou que os três fascistas “causaram danos psíquicos/morais à sociedade brasileira como um todo”, em razão dos assassinatos e torturas perpetuados.
Por Memória, Verdade e Justiça
Através da apuração da Comissão Nacional da Verdade, que foi desestruturada durante a gestão Bolsonaro, sobre as violações aos direitos humanos praticadas durante a ditadura, é possível verificar, hoje, que os generais assassinaram um grande número de militantes e, inclusive, pessoas que não faziam parte de nenhum grupo político, mas eram classificadas como ‘perigosos’ pelo regime que durou 21 anos no Brasil.
A decisão contra o trio de delegados é uma das primeiras decisões judiciais que interpreta a Lei de Anistia considerando que crimes contra a humanidade não podem ser esquecidos.
Ao contrário dos países da América Latina, como Argentina e Chile, que viveram longos períodos de ditaduras militares semelhantes, O Brasil não adotou uma verdadeira justiça de transição, avalia a jurista Eneá Stutz e Almeida, atual presidente da Comissão de Anistia.
“Nossa história é razoavelmente deprimente no Brasil. Demoramos muito a começar a fazer alguma coisa. A Constituição é de 1988, mas a primeira iniciativa, se não considerarmos a Lei da Anistia, de 1979, é só em 1995, com a criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. E assim mesmo, naquele momento, tímida”, disse Eneá em entrevista para Marie Claire.
A advogada é a primeira mulher a assumir a presidência do órgão, responsável por deliberar sobre pedidos de reparação a vítimas de violência do Estado durante a ditadura militar
A condenação, todavia, ainda cabe recurso, o que poderá ser usado por ambas as partes, visto que o Ministério Público Federal teve outros pedidos negados, como para os delegados terem a perda de cargos públicos (caso exista) e também ao pagamento a família das vítimas, como apurou o Aventuras na História.
Morte de Herzog e tortura contra Amelinha
O jornalista Vladimir Herzog, Vlado, como era conhecido, foi assassinado pela ditadura militar no Brasil (1964 a 1985) no dia 25 de outubro de 1975. O crime aconteceu após ele ter se apresentado, de forma voluntária, a depor no DOI- Codi.
No ano de sua morte, Vladimir Herzog ocupava um cargo de grande relevância na TV Cultura. O diretor executivo do Instituto que leva o nome do jornalista, Rogério Sotilli pontua: “Vlado trabalhou em grandes veículos da imprensa, como o jornal O Estado de São Paulo, a BBC de Londres e a Revista Visão”. Na época, houve muita comoção social, principalmente entre os profissionais da área, que buscavam desmentir a farsa da ideia de suicídio criada pelos militares.
Em 28 de dezembro de 1972, a jornalista Maria Amélia de Almeida Teles, seu marido César Teles e Carlos Nicolau Danielli foram presos por agentes da ditadura. Levada ao DOI-Codi junto aos seus dois filhos: Janaína e Edson (que tinha apenas 4 anos), Amelinha Teles — como é popularmente conhecida — foi ‘recebida’ pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Os três eram membros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e atuavam em um jornal que denunciava os crimes cometidos nos chamados ‘Anos de Chumbo’.