Por: Carles Solís
Tradução: Lívia Amorim

No último dia 15 de julho falecia no Centro de Internamento para Estrangeiros (CIE) de Valência (Espanha) o jovem marroquino Marouane Abouabaida de 23 anos, que se encontrava recluso em uma cela de isolamento, apesar de ter sofrido graves lesões. Segundo as autoridades do Centro, se trata de um suicídio por asfixia. Essa morte aconteceu depois que a direção do CIE restringiu as visitas das ONGs que promovem assistência legal, sanitária e psicológica aos internos e zelam por seus direitos.

Adrián Vives, porta-voz da plataforma de associações que impulsionam a campanha CIES NO, informou à imprensa que apenas dois dias antes do ocorrido, havia acontecido também uma outra tentativa de suicídio. Essa mesma organização emitiu um comunicado exigindo “a exoneração imediata” do diretor do centro, Carlos Llorca Ponce.

Na noite de 19 de julho, a plataforma informava através das redes sociais que mais dois internos haviam se autolesionado e que um deles estava sendo levado ao hospital em estado grave.

Por outra parte, no dia 9 de julho, diversos meios de comunicação do Estado espanhol publicaram a notícia de que mais de 150 associações enviaram uma carta ao ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska, solicitando a demissão do director do CIE de Aluche (Madri), Antonio Montes Rodríguez.

“A grave situação de vulneração de direitos das pessoas internadas no CIE de Madrid sob a direção atual não é uma apreciação subjetiva das entidades que fazem a petição. É uma realidade refletida em numerosas resoluções judiciais ditadas por diferentes juizados responsáveis do controle legal da estadia dos estrangeiros neste CIE”, afirma o texto dirigido ao ministro, onde também se fazia menção ao uso desmedido e desnecessário de medidas de segurança, ao clima intimidatório, ao trato degradante e casos de torturas. O senhor Montes Rodríguez ganhou o apelido de “o sádico” entre os internos e nos corredores dos juizados.

Este contexto de violência institucional que caracteriza os CIEs não é algo recente. Desde que, durante o governo de Felipe González, foi aberto o primeiro centro em 1987 e começaram as deportações, já foram nove mortes de pessoas que se encontravam reclusas ou eram transferidas de maneira forçada a seus países de origem. A primeira delas aconteceu em 2007, quando o cidadão nigeriano Osamuyi Aikpitanyi estava sendo deportado em um voo da companhia Ibéria de Madri a Lagos. Ao que parece, morreu asfixiado por uma mordaça que os agentes lhe colocaram na boca.

Das nove mortes, quatro aconteceram em Barcelona e duas em Valencia. Idrissa Diallo, um jovem guineano de 21 anos, morreu sem atenção médica em janeiro de 2012, no CIE de Barcelona, por causa de uma insuficiência cardíaca. Ainda que essa morte tenha sido denunciada, as testemunhas foram deportadas dias depois e o caso foi arquivado. O corpo do Idrissa foi enterrado em um local anônimo e sem que sua família fosse informada. Em dezembro de 2016, seus restos foram finalmente localizados no cemitério de Montjuic em Barcelona.

A mulher congolesa Samba Martine faleceu no CIE de Madrid em 2011 sem ter recebido assistência sanitária requerida por ser portadora de HIV. Depois de passar 38 dias presa, faleceu de uma infecção pulmonar, após solicitar em pelo menos 11 ocasiões a atenção dos serviços de saúde, e sem nenhum exame diagnóstico para detectar a causa da sua doença. Ela havia sido diagnosticada no Centro de Estância Temporal de Imigrantes (CETI) de Melilla, onde havia passado uma temporada, mas o expediente médico nunca chegou a Madri.

Mulheres muçulmanas participam de protesto contra as leis de imigração e a favor do fechamento dos Centros de Internamento para Estrangeiros. Valencia (Espanha), fevereiro de 2017. Foto: Carles Solís.

Os CIEs são lugares onde o Estado espanhol interna pessoas que não tem permissão de residência e que estão submetidas a um expediente de expulsão ou devolução ao seu país de origem. Os internos podem chegar a estar detidos até 60 dias. Atualmente, existem no território espanhol oito estabelecimentos de reclusão de estrangeiros inscritos no contexto das políticas migratórias desenhadas para o controle de fronteiras, fluxos migratórios e a repressão da imigração clandestina.

Repressão que atua sobre a base da identificação racista, privação de liberdade e expulsão daquelas pessoas que não são úteis ao mercado de mão-de-obra. Os CIEs também formam parte da estratégia migratória da União Europeia, onde existem mais de 220 centros de detenção. Segundo dados fornecidos pelos informes anuais do Serviço Jesuíta a Migrantes (SJM), no Estado espanhol foram internados nestes estabelecimentos desde 2009 mais de 100 mil pessoas, sendo a maioria delas de origem africana, sobretudo de Marrocos, Argélia e dos países subsaarianos.

Ramiro García de Dios, magistrado juiz de controle do CIE de Aluche em Madrid entre 2009 e 2018 e portanto um profundo conhecedor desta problemática, define estes lugares de detenção como “centros de sofrimento e espaço de opacidade e impunidade policial”. No informe elaborado em 2012 pelas associações que promovem a Campanha pelo fechamento dos CIEs e pelo fim das deportações, cujo título é QUAL É O DELITO? se denuncia que ante uma simples falta administrativa, como é o feito de carecer de permissão de residência, equivalente a não pagar uma multa de trânsito, os imigrantes são privados de liberdade e de outros direitos fundamentais, como o direito à dignidade e à integridade física.

Em numerosas ocasiões, pessoas internadas nos centros manifestam haver sofrido violência por parte da polícia. Em seus testemunhos, se referem a agressões que incluem insultos, ameaças, castigos coletivos, maus tratos físicos, golpes, surras, tortura e inclusive abusos sexuais.

Como mostra destas violações de direitos à integridade física, podem-se citar dois casos, entre muitos outros. Em julho de 2010, Noura, uma marroquina que residia em Orihuela (Alicante), foi detida pela Polícia Nacional na rua e levada à delegacia, onde passou uma noite. Noura denunciou abusos sexuais por um policial durante essas horas. Apesar de se abrir um procedimento penal por este motivo, Noura passou mais de 40 dias detida no CIE de Valência e depois foi expulsa ao Marrocos. A expulsão foi executada, apesar da exigência de que permanecesse na Espanha manifestada pelo advogado, pelo promotor e pelo Consulado do Marrocos na Espanha, para que ela pudesse comparecer como vítima no julgamento.

Concentração em frente ao Centro de Internamento para Estrangeiros para exigir seu fechamento. Valencia (Espanha), dezembro de 2017. Foto: Carles Solís.

Em abril de 2012 quatro menores argelinos se aventuraram em uma travessia até a costa espanhola em uma embarcação com outras pessoas. Ao chegar foram detidos e transferidos ao CIE de Valencia, onde foram internados. Os protestos por estarem presos, mesmo sendo menores de idade, provocou agressões por parte de um policial que estava de guarda.

O agente bateu repetidamente com um cassetete nos menores e em outra pessoa que se encontrava na mesma cela, provocando graves lesões de até 15 cm no rosto, no pescoço, no torso e nos braços. Depois de comparecer ao juizado, os garotos sofreram represálias: foram proibidos de beber água com a comida, negados artigos de higiene, permaneciam presos na cela por horas excessivas e não lhes davam os remédios para dor dos ferimentos.

No Canto III da primeira parte da DIVINA COMÉDIA, Dante nos diz que na porta do Inferno tem uma inscrição: “Ó, vós que entráis, abandonai toda a esperança”. Os CIEs espanhóis parecem criados efetivamente para se constituir em espaços de não-esperança e enterrar definitivamente qualquer ilusão de quem aspira ter uma vida melhor, mas a realidade dos fatos nos demonstra que a imigração até Espanha e Europa, legal e ilegal, clandestina ou não, é um fenômeno que já alguns qualificam de sistêmico e “imparável”. Estes lugares se configuram, portanto, como centros de sofrimento que o futuro nos mostrará como absolutamente inúteis.

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