Torcidas marroquinas: política e festa nas arquibancadas
Torcidas organizadas e posicionamentos políticos nas arquibancadas são comuns nas partidas marroquinas
Por Monike Lourinho
A seleção de Marrocos é a primeira africana a chegar em uma semifinal de Copa do Mundo nesta edição do Catar, algo que muitos chamam de “zebra” Mas será mesmo? Até o jogo contra a França, é a única seleção invicta e a defesa menos vazada (apenas um gol).
Marrocos tem tradição no futebol. O torneio feminino, em julho de 2022, teve um público recorde em Marrocos com 45.562 torcedores presentes para assistir à seleção feminina se classificar pela primeira vez para Copa do Mundo Feminina.
As primeiras torcidas organizadas de Marrocos foram criadas em 2005 e logo surgiram outras organizadas para todos os grandes times marroquinos. As rincipais torcidas são Raja Casablanca, Wydad e Kénitra, onde existe uma grande rivalidade entre Raja x Wydad, como se fosse um FLA x FLU.
Em 2011, houve ondas de protestos em diversos países de língua árabe, inclusive no Marrocos. Foi a chamada Primavera Árabe. Ali, as torcidas começaram a criar cânticos políticos e bater de frente com o governo. Os estádios são lugares onde os marroquinos ainda podem se expressar livremente.
Os “Ultras” Raja Casablanca, Wydad e Kénitra
Através de sua paixão pelo futebol, os marroquinos usam a voz na arquibancada para mostrar suas insatisfações políticas. Uma das mais populares é a “No meu país eu sou injustiçado”. A letra ataca os corruptos por acabarem com as oportunidades dos jovens no Marrocos. Cantada pelos Raja.
Do Wydad, grande rival do Raja, tem uma chamada “Livre e rebelde”. A letra fala do desemprego entre os jovens e de corrupção. Os halala boys do Kénitra têm um cântico contra a polícia e contra o governo: “De suas injustiças estamos fartos, nós odiamos todos vocês”.
Raja Casablanca: “Vocês mataram a paixão”
Torcida no Marrocos cantando as agruras e o sofrimento do povo!!! Emocionante!!! pic.twitter.com/zenUnEewP9
— Sonia Palhares (@SoniaPalhares) December 11, 2022
Wydad: “Livre e Rebelde”
Como vocês já cansaram de ver por aqui, os semifinalistas da Copa são apaixonados por futebol e isso se reflete nas torcidas dos clubes marroquinos.
— O Canto das Torcidas (@OCantoOficial) December 10, 2022
Se liga aí nesse espetáculo dos Winners, os ultras do Wydad: pic.twitter.com/SmQUWHrOIf
Helala Boys: Kénitra
MARROCOS NAS QUARTAS!!!
— O Canto das Torcidas (@OCantoOficial) December 6, 2022
Se liga nesse vídeo foda onde os ultras Helala Boys, do Kénitra, mandam um recado para as autoridades!!#MoroccoSpain #Morocco #WorldCup2022 pic.twitter.com/8PM5DQP8d1
Apoio a Palestina
Além das posições contra seu governo, as “Ultras” demonstram apoio à Palestina livre durante seus jogos. Mesmo com territórios distantes, os marroquinos apoiam a representatividade árabe, além da conquista do Estado Palestino, laico, democrático, sobre seu solo pátrio histórico, com Jerusalém capital. Ou seja, apoiam a busca da independência palestina de Israel.
E podemos ver isso também com a própria seleção de Marrocos levando bandeiras da Palestina nos finais dos jogos.
Governo x torcidas organizadas
É indiscutível o quão fortes são as letras e como é a grande festa que fazem na arquibancada. Porém, a mídia estatal as rotulam como violentas e a polícia age de forma agressiva nos estádios. O governo encontra empecilhos para interferir na postura política das torcidas organizadas. Tentou a proibi-las em 2016, após uma briga que resultou na morte de três pessoas.
Depois desse episódio, houve uma união das organizadas, que fizeram diversas manifestações em conjunto e em 2018 o governo desistiu da proibição.
Também em 2018 ocorreu um incidente, quando Hayat Belkacem, estudante de 19 anos, morreu ao tentar atravessar a fronteira, por uma enclave espanhol no território de Marrocos. A torcida de Moghreb Tetouan começou a ecoar uma música que dizia que iriam se vingar da morte de Hayat. Protestantes vaiaram o hino do país com críticas ao policiamento nos estádios. E Raja, Wydad e outros começaram a cantar a música em apoio ao protesto a morte de Hayat.
Outro posicionamento político da torcida Raja foi quando criaram campanhas de estádios mais seguros para as mulheres depois de crimes sexuais.
Podemos ser contra as divergências políticas existentes em Marrocos, mas devemos destacar a importância das torcidas organizadas no cenário político e a coragem por lutar contra o governo. Futebol é política, futebol é luta de classes e direitos, futebol é cultura e festa popular e jamais deverá ser calada. O que essas torcidas fazem nos jogos vai além de torcer, fazer mosaicos impecáveis e cânticos sincronizados. Eles dão aula de política e história ao mundo, sem deixar o amor de futebol de lado.
Marrocos não é a zebra desta Copa, pode ser uma pequena surpresa…
Quando as pessoas começarem a olhar para o futebol sem endeusar os clubes europeus, vão valorizar o quão incríveis são os diversos times africanos, asiáticos, sul-americanos e etc. Marrocos está escrevendo sua história na Copa. Raja, Wydad e outras fazem a delas a cada jogo.
Uma pequena curiosidade. No dia 18 de dezembro de 2013, Raja venceu o Atlético MG na estreia do Mundial de Clubes da Fifa. Acabaram com as expectativas do clube mineiro de enfrentar o Bayern de Munique na final. Com isso torcedores do Cruzeiro criaram o #Rajaday e todo dia 18 de dezembro eles sobem essa tag para “zoar” e exaltar a rivalidade entre os times.
Porém Raja é contra comemorar conquistas passadas, pois nos últimos anos estão passando por crises sem títulos e seu maior rival wydad iriam ridicularizá los se comemorassem o #Rajaday
O interessante é que a final da Copa cai nesse dia. Será que teremos a alegria de ambas as torcidas? E subir #Marrocosday
Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube