Por Guilherme Veiga

Fernanda Torres bem que tentou, mas não tem como: é clima de festa e final de Copa do Mundo. Deus mais uma vez se provou brasileiro e, em um alinhamento estelar, a chance mais clara que o país tem de conquistar um Oscar como os de Melhor Filme Internacional ou Melhor Atriz, vem justamente no fim de semana da festa mais brasileira de todas, o Carnaval. E, cá entre nós? Deixando toda a humildade de lado, é bom demais e devemos sim comemorar.

Mas a premiação de domingo é só a ponta do iceberg de toda uma trajetória que ‘Ainda Estou Aqui’ percorreu na temporada. Óbvio que, pelo apelo comercial, é ela quem atrai todos os holofotes e chama para si o público médio de cinema, mas não se pode reduzir toda uma jornada somente ao ponto de chegada.

É perigoso também pois, por conta de tal apelo que o Oscar tem pra si, é através dele que a indústria vai ativamente tentar se vender. Se engana quem pensa que a cerimônia é uma gigantesca festa da firma; na verdade ela é uma vitrine que anuncia única e exclusivamente os EUA.

‘Ainda Estou Aqui’ tem todos seus méritos para chegar onde chegou, mas, no caso do Oscar, é um pouco diferente. O longa, assim como todos os outros que repetiram o feito, não calcou 100% seu lugar lá, mas sim foi permitido pela Academia a integrar a festa deles. Será que se a produção fosse um pouco menos subjetiva, abordando mais incisivamente a ditadura e a interferência americana dela, seria reconhecida da forma que foi?

Para o Oscar e para a Academia, a forma se sobressai ao conteúdo, e, quanto mais próximo a eles, mais receptivos eles se tornam. Ao analisarmos, as últimas vezes em que o Brasil esteve com o mesmo prestígio na premiação foi com o próprio Walter Salles e com Fernando Meirelles, por Central do Brasil e Cidade de Deus, respectivamente, obras com temas distantes dos americanos, mas que em certo tom replicam a estética. 

O comum entre eles? Os dois, após ingressar na premiação, produziram com Hollywood. O próprio Bong-Joon Ho, último expoente a levar um filme internacional para o pódio máximo, também teve o mesmo caminho – ainda mais com a Coreia do Sul sendo um pólo americano no oriente. Claro que estamos falando do maior mercado e as cifras da indústria atraem qualquer um para que suas ideias sejam possibilitadas. O trabalho que Hollywood faz é identificar talentos e trazê-los, se não ao seu lado, pelo menos para próximo.

Por isso, toda a identificação que ‘Ainda Estou Aqui’ construiu com seu povo ao longo de sua campanha não pode acabar no domingo. Na verdade, é preciso cuidado para que no domingo nossa percepção sobre o filme e o que ela representa não seja inundada por uma perspectiva puramente americana. 

Nesse sentido, é preciso aproveitar do holofote que o longa trouxe para o nosso cinema e fomentá-lo ainda mais. Por parte da indústria brasileira, é usá-lo de trampolim para impulsionar produções que estão por vir, é aproveitar do case de sucesso para convencer estúdios a olharem para cá.

Por parte do governo, é garantido que políticas que incentivem a produção e leis como a cota de telas continuem sendo perpetuadas. Já pelo público, é entender o poder que o cinema nacional tem e cada vez mais consumi-lo fazendo a roda toda girar.

‘Ainda Estou Aqui’ pode sim ser um marco dependendo do que acontecer na premiação, mas a questão é que ele não precisa ser – e cabe a nós também não permitir que seja – o único.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.