Como uma linha de chegada que celebra as dores e delícias de um longo percurso, o novo projeto de Tássia Reis registra um ensaio de movimentos introspectivos e reconexão com sua ancestralidade, para então reafirmar: “‘Topo da Minha Cabeça’ é o ponto mais alto e mais importante a se chegar, é o ponto que almejo, é o topo que quero e vou conquistar”. O quinto álbum em sua discografia marca também o seu retorno para si mesma sendo versado ao longo de 10 faixas. Com produções de Barba Negra, EVEHIVE, Felipe Pizzu, Fejuca e Kiko Dinucci, e participações especiais de Criolo e Theodoro Nagô, Topo da Minha Cabeça sintetiza as misturas que foram sendo costuradas pela artista paulista ao longo do processo, unindo o Soul, Samba, Rap, Drill, Funk, R&B, Jazz e muito mais por um olhar afrofuturista. O novo álbum já está disponível nas plataformas. 

Foto: Jon Leão | Look: Estúdio CƎИA

“Após quase morrer, renasci compreendendo melhor algumas coisas, e entendi que esse é o ponto mais alto e mais importante que quero estar, o topo da minha própria cabeça. Com essa consciência e domínio, e com minha atenção focada na saúde mental, espiritual e física, eu posso sonhar, planejar e viver melhor, superando qualquer obstáculo e sendo fiel a mim mesma”, afirma Tássia. Tal percepção se tornou fio condutor da canção título que propõe um exercício de presença, e não só abre o disco mas também ecoa o mantra que o embala. O single “Topo da Minha Cabeça” é um desdobramento de referências atemporais como o mestre Sun Ra, Erykah Badu e Solange – e sucede o poético samba de “Asfalto Selvagem”, lançado no último mês.

Maturando desde 2020, o disco começou a surgir quando Tássia compôs “Ofício de Cantante”, sua declaração pessoal ao samba. A faixa foi o pontapé inicial para a jornada que então viria. O projeto cantando Alcione no programa Versões (Multishow/Canal Bis, 2021) e também nos palcos com a turnê que começou em 2022, enfatizaram sua reconexão com a ancestralidade, que mais tarde se tornou protagonista e então o disco foi tomando forma. “Eu levo comigo a filosofia de ser um canal atento para conseguir trazer a música para o mundo, e para isso é mais do que necessário se desapegar do que não quer ser e deixar vir apenas o que se é”, afirma a cantora sobre um dos processos mais intuitivos e cruciais para a criação do álbum. 

Foto: Jon Leão | Look: Estúdio CƎИA

O samba foi o primeiro traço de Topo da Minha Cabeça, que mescla referências como os grupos Black Rio e Originais do Samba, além das jóias da música brasileira: Gilberto Gil, Elza Soares, Elis Regina e Alcione. Dividindo as composições e produções com Barba Negra (na faixa-título), EVEHIVE (em “Rude”), Fejuca (em “Ofício de Cantante”), Kiko Dinucci (em “Previsível”) e Felipe Pizzu (em “Asfalto Selvagem”, “Brecha”, “Nós Vestimos Branco”, “Só Maior”, “Tão Crazy” e “Só um Tempo”), o álbum se forma de modo plural, com um traço de cada colaborador. Nesta lista de parcerias, duas marcam ainda os feats que o projeto apresenta, com os músicos Theodoro Nagô (em “Tão Crazy”) e Criolo (em “Só um Tempo”). 

Com direção criativa de Leandro Assis, todas as histórias, reflexões e ensaios de Tássia ganham forma. O cabelo como símbolo central dialoga com o título do disco como meio de referenciar as muitas origens, etnias, religião e status social que contam a história da mulher negra. “Todo o conjunto da obra visual potencializa uma conversa que proponho nas faixas, representando uma variedade de emoções. Os elementos do cabelo, as cores e até a tipografia, criada com base em influências dos anos 70, conectam o passado e o presente da música brasileira”, completa Leandro. 

FAIXA A FAIXA – Topo da Minha Cabeça 

1. Topo da Minha Cabeça – “A faixa-título do disco propõe um exercício de presença, que é ser e estar desde as pontas dos pés até o topo de sua cabeça. Estar por inteiro com você. Muitas vezes esquecemos o caminho que nos traz de volta a nós mesmos. Quando nascemos, nos amamos por inteiro, amamos os dedos da mão que acabamos de descobrir, amamos nossos pés, nossa imagem no espelho, e não temos medo de nada. À medida que crescemos, muitas vezes os padrões e opressões da sociedade nos distancia desse amor próprio, e o medo de não pertencer e corresponder às expectativas dos outros só cresce. Essa faixa é como um mantra que propõe esse resgate”.

2. Brecha “Esta por sua vez é um samba minimalista e cadenciado. Quantas histórias, feitos e contribuições de mulheres pretas foram apagadas da história? Seja intelectualmente ou tendo suas subjetividades negadas, como desejos, anseios, amores e etc. Objetivamente, também sabemos que as mulheres pretas são as que mais sofrem opressões, inclusive nos índices de feminicídio. E ainda sim mulheres pretas, indígenas e periféricas seguem sendo criativas nas soluções do dia a dia, no trabalho, muitas vezes fazendo jornada tripla para dar conta de tudo. Esse samba diferente quer dizer pra essas mulheres que eu as vejo, eu também sou uma delas”.

3. Asfalto Selvagem “Este samba groove narra a realidade bruta e áspera de quem nasceu e cresceu numa periferia, as violências que sofremos e que nos forjou essa armadura, que acaba por ser a mesma usada para enfrentar o dia a dia e vencer essas e muitas outras adversidades. O samba sempre soube traduzir a vida, dando vez a quem não tem, sendo o grito guardado na garganta de angústias e amores, mas também de um retrato social e racial em meio a poesia e a batucada”. 

4. Nós Vestimos Branco – “Um Funk Ijexá com influência de breakbeat é como descrevo esta faixa, um som que foi atrás de entender porque usamos branco na sexta-feira. Dizem que a resposta mais simples geralmente é a correta, portanto, é por causa de Oxalá. Já no culto tradicional africano conhecido como Obatalá, resgatando memória a partir do Itã da criação, e reforçando a importância de se manter a tradição e respeito, na contramão do fundamentalismo religioso”.

5. Tão Crazy feat Theodoro Nagô – “Um R&B BR puro e clássico. Doce, romântico e realista. Uma conversa íntima e honesta, um convite a compartilhar angústias, medos e tristezas numa relação recíproca, se colocando à disposição para essa partilha da vida e sendo um ponto de calmaria nesse mundo tão desgastante, é como eu apresenta esta”.

6. Só um Tempo feat Criolo – “Este Neo-Soul, Samba e Rap é o resultado de quando a gritaria do mundo se junta com a nossa gritaria interior, daí é necessário uma pausa para recuperar o fôlego, o silêncio, e se entender nesse processo. Nosso entendimento sobre o tempo tem mudado. Num mundo tão digital estamos quase 100% do tempo disponíveis nas redes, e falta tempo para elaborar nossos pensamentos e nos lembrar de coisas importantes para nós mesmos”. 

7. Sol Maior – “Um MPB e Samba Groove. Como diz o poeta Arlindo Cruz: ‘quando a gente ama brilha mais que o sol’. Essa faixa fala sobre esse momento, quando estamos apaixonados e brilhamos intensamente. Como é gostosa essa sensação, e por mais que o resultado dessas paixões nem sempre seja o esperado, é importante continuar vibrando para que o nosso querer seja sempre um vislumbre no horizonte”.

8. Previsível – “Esse Pop Indie e Rock Psicodélico é sobre uma desilusão amorosa de alguém que não foi sincero ao compartilhar suas reais intenções e não conseguiu sustentar o que disse, agindo de forma completamente previsível”.

9. Rude – “Eu sou uma mulher grande,  grande de altura, de tamanho, de talento, de sonhos e ambições. Percebi-me diminuindo, se apequenando tentando ser o que não sou diante do mundo pra tentar se encaixar nas expectativas e inseguranças dos outros. Dentro disso vivia também meu medo de ser considerada arrogante, por não concordar com tais padrões e expectativas. Se reconhecer é precioso e revolucionou minha relação com o mundo e do mundo comigo. Peguei esses profundos questionamentos, juntei com um pouco de deboche em um Drill com elementos de Samba, Funk e Rap e decidi não corresponder à expectativa de ninguém. Se me reconhecer é ser Rude, que seja!”.

10. Ofício de Cantante – “Este Samba, Boombap e Rap é sobre a minha profissão, meu ofício de cantante, o que eu escolhi mas que também me escolheu. Essa faixa fala sobre a vontade de tocar um instrumento e extravasar os sentimentos das mais variadas formas numa canção. Uma reconexão ancestral. ‘Não, ninguém faz samba só porque prefere…’, assim diz a composição de João Nogueira e Paulo César Pinheiro, e eu acredito muito nisso”.