Por Milenna Alves, para Cobertura Colaborativa Paris 2024

A pequena menina de Caeté, interior de Minas Gerais, conseguiu. Conseguiu realizar e com honras o sonho que nutriu aos 11 anos: se tornar jogadora profissional de futebol. Tamires só precisou ter referências para descobrir o que queria ser e fazer, foi assim que ainda na infância despertou o sonho de praticar futebol ao ver um jogo da seleção feminina na TV. 

A trajetória de uma mulher no futebol por si só já é um desafio, mas a caminhada de Tamires foi cercada de situações que tornam ainda mais essencial reverenciar sua carreira, a colocando como uma referência dentro e fora dos gramados.  

Aos 15 anos, a mineira mudou-se para São Paulo, em busca da realização do seu sonho. Tendo sua primeira oportunidade no futsal, foram cinco anos no salão quando surgiu a oportunidade de ganhar os campos no tradicional Juventus. Após o clube da Mooca, Tamires passou pelo Santos, Charlotte Eagles (EUA) e Ferroviária. Logo após chegar ao clube de Araraquara, Tamires acabou engravidando aos 21 anos.

A gravidez afastou a atleta por três anos e meio dos gramados, o tempo parada trouxe inúmeras inseguranças a Tamires que viu seu sonho em risco. Quando inesperadamente a atleta ganhou uma nova oportunidade de voltar a atuar, quando recebeu proposta do Atlético-MG para compor o elenco de 2011. 

“Quando você não está no cenário do futebol, você acaba sendo esquecida, e isso passava pela minha cabeça. Não pensei duas vezes e aceitei. A mulher não pode se limitar e eu não queria simplesmente ser mãe. Queria viver meu sonho e mostrar ao meu filho que a gente tem que acreditar nos nossos sonhos” contou Tamires em entrevista ao Globo Esporte. 

Viver a maternidade logo no início de sua carreira poderia ter sido o motivo do fim para Tamires, afinal muitas mulheres veem esse momento como incompatível com a vida de atleta. Em 2017, um relatório do FIFPro (Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol) revisitou que apenas 2% das atletas em atuação eram mães, devido ao receio de perder seus empregos e direitos por conta da gravidez. 

Foto: Vitor Milanez/CBF

Um encontro com o futuro

Tamires passou um ano e meio no Atlético-MG, após a rápida passagem pelo time mineiro, a jogadora retornou a São Paulo em 2013. Dessa vez radicada no ABC paulista, a atleta decidiu voltar aos gramados atuando pelo Centro Olímpico. No comando técnico do clube paulista estava Arthur Elias, esse foi o primeiro encontro de uma parceria vitoriosa no futuro. 

Apesar do longo tempo parada, o foco, a determinação e o talento nato de Tamires eram tão evidentes que a readaptação ao futebol foi rápida. A prova disso é que meses depois de seu retorno, Tamires teve a primeira oportunidade na Seleção Brasileira. Depois do Centro Olímpico, a jogadora teve uma passagem pelo Fortuna Hjørring (Dinamarca), até chegar ao Corinthians em 2019. 

No alvinegro paulista, Tamires é o símbolo de anos de domínio e supremacia das Brabas no cenário Nacional e Sul-Americano. Foi no Corinthians que a lateral-esquerda reencontrou um velho conhecido, o técnico Arthur Elias. 

Defendendo o Corinthians, a dona da camisa 37 do Parque São Jorge soma 161 partidas, com 33 gols marcados e impressionantes 14 títulos conquistados. Tamires ganhou absolutamente todos os títulos possíveis com a camisa alvinegra, sendo parte essencial da trajetória vitoriosa do clube paulista. 

Foto: Rodrigo Gazzanel 

Liderança e referência na Seleção 

Desde a primeira convocação em 2013, são mais de dez anos defendendo as cores da amarelinha. Com mais de 150 jogos e 7 gols marcados, aos 36 anos, Tamires tem três Copas do Mundo e três Olimpíadas no currículo. 

Uma das marcas registradas da carreira de Tamires é sua versatilidade em campo, atuando em diferentes posições quando está a serviço do Corinthians e da Seleção. Em seu clube a atleta costuma atuar com mais liberdade de ataque, muitas vezes aparecendo como uma ponta, enquanto na seleção já desempenhou um papel mais defensivo, como lateral-esquerda de ofício. 

Na Seleção, Tamires faz parte de um grupo que busca melhores resultados internacionais. Ficando fora do pódio nas Olimpíadas do Rio em 2016 e em Tóquio 2020, Paris foi a despedida olímpica da segunda atleta mais experiente do elenco. 

A história reservou a Tamires uma despedida prateada, com o retorno da Seleção Feminina de Futebol ao pódio olímpico 16 anos depois. A última vez que as mulheres do nosso futebol haviam conquistado medalhas foi em Beijing 2008. 

Foto: Rafael Ribeiro/CBF

“Foi com muita luta, depois de anos nós conseguimos essa medalha. Ter uma medalha olímpica é um orgulho muito grande. Tenho certeza que o Brasil esteve junto com a gente. É mais uma virada do futebol feminino do Brasil, que a gente possa continuar com essa visibilidade, com investimentos, com todo esse trabalho que a gente vem fazendo, com essa geração tão nova e teve essa oportunidade gigante. A gente agradece a todas as pessoas que amam o nosso futebol de verdade”, declarou Tamires à imprensa durante o desembarque da Seleção Brasileira. 

A fala de Tamires é mais um posicionamento de quem vive o futebol feminino há muitos anos e sente na pele as dificuldades da modalidade no Brasil. O reforço por mais visibilidade e investimentos é uma luta constante das nossas atletas e Tamires tem planos de continuar ajudando o futebol de mulheres mesmo após sua aposentadoria dos gramados. 

Na busca por caminhos fora das quatro linhas, a atleta está matriculada no curso Licença B da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para atuar como treinadora de categorias de base. Além disso, Tamires é embaixadora da CBF Academy, em um projeto que tem em vista inserir e capacitar mais mulheres a trabalharem com a modalidade. 

Através de sua carreira, Tamires é inspiração de muitos sonhos para o futebol feminino no Brasil, seja através da sua superação no esporte ou da sua liderança para as jovens atletas. Porta-voz do poder feminino no esporte, Tamires dá adeus aos Jogos Olímpicos como referência de atleta e voz essencial na luta por equidade de gênero no futebol.