A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) compõe o lobby mais poderoso do Congresso e controla metade da Câmara e do Senado. O lobby que sustenta as ações da FPA são assessorados através do Instituto Pensar Agro (IPA), que produz minutas e relatórios para os Projetos de Lei antiambientais submetidos por políticos da FPA, como os PLs do Veneno, do Licenciamento Ambiental e da Mineração em Terras Indígenas. 

São 48 associações do agronegócio, que contribuem com um valor mensal para apoiar as despesas de lobby e, dentre elas, destaca-se a gigante suíça Syngenta, que se reuniu 81 vezes com servidores do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) durante o governo Bolsonaro. Estas informações foram publicadas no dossiê do observatório De olho nos Ruralistas, chamado “Os Financiadores da Destruição”, que expôs as principais empresas que custeiam o lobby do agronegócio no Brasil.

A Syngenta Group é uma empresa com sede social em Xangai, China. A sede administrativa e o escritório central estão localizados em Basileia, Suíça, com localizações adicionais em Chicago e Tel Aviv. Seu mercado é voltado para biotecnologia e agricultura. Considerada uma das maiores indústrias de sementes do mercado global, a empresa trabalha com pesquisa e venda de soluções em sementes e defensivos químicos para usos agrícolas, ou seja agrotóxicos, pesticidas, praguicidas ou produtos fitossanitários.

Foi a Syngenta que criou o paraquat, um dos agrotóxicos mais letais do mundo, associado a doenças como depressão, Parkinson e câncer. Em 2017, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma resolução proibindo o uso e a comercialização do produto no país, algo que já acontece na União Europeia desde 2003. A regra começou a valer em setembro de 2020.

A empresa, além de ter uma relação estreita com o ex-presidente, também manteve relações estreitas com o deputado Luiz Nishimori (PL-PR), relator do Projeto de Lei nº 6.299/02 , conhecido como PL do Veneno. A Mariagro Agrícola Ltda, que pertence à família do deputado, fez um acordo de R$1,5 milhão para quitar uma dívida com a Syngenta. A “composição amigável” foi assinada em dezembro de 2020, quando já tramitava o PL, cujo parecer favorável foi aprovado em fevereiro de 2022 na Câmara. A Syngenta chegou a divulgar nota e vídeo em apoio ao projeto de lei.

Contatada pelo De Olho nos Ruralistas, a Syngenta o PL do Veneno “modernizará o marco regulatório de pesticidas no Brasil.Ele permitirá que novas tecnologias cheguem mais rapidamente aos agricultores, ao mesmo tempo em que garante a participação da Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura no registro de produtos, reforçando a importância de assegurar a segurança humana e do meio ambiente”.

Veneno que vem de fora

De acordo com o estudo “Comércio tóxico – A ofensiva do lobby dos agrotóxicos da União Europeia no Brasil”, publicado pela rede ambientalista Friends of the Earth Europe, uma pessoa morre de envenenamento por agrotóxicos no Brasil a cada dois dias e cerca de 20% dessas vítimas são crianças e adolescentes com idade de até 19 anos. Empresas agroquímicas europeias, como a Syngenta, em aliança com o lobby do agronegócio brasileiro, têm se beneficiado com o enfraquecimento de regulamentações ambientais e com as isenções de impostos sobre agrotóxicos no Brasil.

Somente em 2019, a União Europeia exportou mais de 6,5 milhões de quilos de agrotóxicos proibidos ou que nunca foram autorizados em seu território para países que formam o Mercosul.  O uso de agrotóxicos no país multiplicou-se seis vezes ao longo dos últimos 20 anos e há um número recorde de novos agrotóxicos aprovados no Brasil desde o início do mandato de Jair Bolsonaro, mostra o estudo.

Ainda de acordo com a pesquisa, o PL do veneno permitiria o uso de agroquímicos mais perigosos, muitos deles proibidos na UE. Se aprovado, o projeto de lei provavelmente levará a um aumento no número de registros, autorizações e uso de agrotóxicos, sem uma avaliação adequada de suas consequências socioambientais.

Foto: Grupo Jangada

Histórico venenoso

Em novembro de 2021, o Ibama encontrou, em inspeção na fábrica da Syngenta em Paulínia (SP), evidências de que a empresa havia adicionado bronopol, também tratado como bromo, a três de seus produtos e havia escondido a informação dos órgãos de controle. Funcionários da Syngenta, combinaram, em bilhetes, como esconder o insumo altamente poluente, antes de uma vistoria de fiscais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

O Ibama alega que, conforme a Echa (Agência Europeia das Substâncias Químicas), o bronopol é “muito tóxico para a vida aquática; perigoso se engolido; perigoso em contato com a pele; causa sérios danos oculares; causa irritação de pele; e pode causar irritação respiratória”.

Contudo, esse não é o único escândalo a qual a empresa está ligada. Em 2021 a Repórter Brasil fez uma matéria mostrando como a empresa havia passado décadas questionando e perseguindo cientistas para abafar seus alertas sobre riscos de agrotóxicos. Segundo o biólogo e professor da Universidade da Califórnia Tyrone Hayes, a multinacional ouvia suas ligações, monitorava suas palestras e trabalhava para desmoralizá-lo.

Hayes começou uma pesquisa cujo objetivo era identificar os efeitos da Atrazina em anfíbios. O produto é o principal agrotóxico utilizado nas plantações de milho dos Estados Unidos e também foi o quarto agrotóxico mais vendido no Brasil em 2022, segundo o Ibama. Hayes descobriu que a Atrazina poderia retardar o desenvolvimento sexual de sapos, e foi proibido de publicar o resultado. Ele decidiu então ir mais a fundo, agora trabalhando com outros cientistas, para identificar o efeito do agrotóxico em humanos. Ao comparar a urina de homens de Columbia, nos Estados Unidos, que tiveram contato com Atrazina, o novo estudo identificou baixa contagem de espermatozoides em um nível que traria dificuldades para a reprodução.

Em 2013 uma reportagem do site Environmental Health News em parceria com a organização 100 Reporters revelou documentos internos detalhando uma campanha cara e agressiva contra cientistas, que incluía até a contratação de detetives e profissionais para traçar o perfil psicológico dos perseguidos. E o principal alvo era Tyrone Hayes.

Duas décadas depois da publicação da primeira pesquisa sobre a Atrazina, Tyrone Hayes continua trabalhando em salas de aula, em laboratórios e dando palestras. Procurada pela Agência Pública e Repórter Brasil, a Syngenta Brasil não quis comentar os documentos divulgados.