Por Hyader Epaminondas

Logo nos primeiros minutos, a trilha sonora entrega o tom do filme: o tema icônico de John Williams, remixado para soar moderno, mas ainda preso à melodia original de 1978, soa como um vinil antigo rodando em um toca-discos digital, tentando se atualizar, mas sem nunca se libertar do som arranhado do passado. Essa escolha escancara o projeto nostálgico que guia a obra de James Gunn e, sendo honesto, é até compreensível. E é justamente aí que reside o maior problema: o filme não quer dialogar com o presente, preferindo repetir o que já foi feito, com mais saturação, mais ruído e menos coragem.

A música funciona como um manifesto involuntário dessa postura. Este não é um filme sobre o futuro do personagem, mas sobre a falsa memória afetiva de uma geração. O resultado é uma estética que beira o pastiche: figurinos feios e emborrachados, cenários digitais genéricos e um verniz de modernidade que logo se desfaz diante da superficialidade do roteiro.

Visualmente, o longa remete aos excessos espalhafatosos de Batman & Robin, à infantilidade cenográfica de Shazam! e à artificialidade vazia de Superman: O Retorno, obras em que o brilho e a estética substituem qualquer senso de credibilidade. A direção se ancora em um saudosismo mofado, mergulhado numa visão fossilizada que reverencia o passado mais cafona do gênero, sem qualquer tentativa de frescor.

A maior surpresa, ou talvez a maior decepção, está na decisão de emular o espírito do desenho Superamigos, optando por um tom episódico que fragmenta a narrativa sob a desculpa de se inspirar na Era de Prata dos quadrinhos. A montagem parece feita a partir de clipes colados sem coesão, com cortes bruscos que sabotam qualquer tentativa de desenvolvimento dramático, dando ênfase a cenas curtas, desconectadas e agitadas, que funcionam quase como pequenos comerciais. Em vez de contar uma história, o foco parece ser manter os personagens em constante movimento, como forma de entreter pelo estímulo visual e reforçar seu apelo mercadológico.

A estrutura fragmentada gera a sensação de um filme preso no meio, sem começo e sem final, apenas um arrastar interminável. O elenco, por sua vez, atua como se estivesse em um programa de comédia de auditório, com performances exaltadas, gritarias constantes e interações que parecem depender de uma plateia imaginária para funcionar.

Tudo isso acontece em meio a um suposto cenário de guerra, um genocídio que tenta construir uma alegoria para o conflito entre Israel e Palestina, mas que jamais atinge a gravidade necessária. A tentativa de abordar um tema tão delicado é engolida pelo tom superficial, num argumento com pano de fundo genérico, cenas de ação descerebradas e uma resposta tão simplista que se torna a verdadeira piada do filme.

Todos parecem esperar uma gargalhada que nunca vem, porque o humor, antes tão bem dosado em Guardiões da Galáxia, aqui se esgota por completo. Falta timing, falta frescor e, principalmente, falta convicção de que esse novo Superman tenha algo realmente relevante a dizer.

E é aqui que eu entendo o que deve ter passado pela cabeça de Gunn: diante de um personagem que ama profundamente, sua maior dificuldade foi lidar com o peso desse afeto. Na tentativa de acertar, optou pela cautela excessiva, e, nessa insegurança, se escondeu do próprio talento que já havia demonstrado em projetos ousados, que exalavam criatividade, como o excelente reboot de O Esquadrão Suicida e a série Pacificador.

Um super time com potencial

A chamada “Gangue da Justiça” surge como uma alegoria ao corporativismo que impõe limites à criatividade nas narrativas de super-heróis. No entanto, essa crítica rapidamente se esvazia quando lembramos que o próprio diretor do filme também ocupa o cargo de executivo-chefe do estúdio, ou seja, ele tenta subverter um sistema do qual agora faz parte. O resultado é uma contradição difícil de ignorar, que beira o autoboicote. Pior ainda: a crítica ganha tons quase esquizofrênicos, como se o filme oscilasse entre a autocrítica e a autopromoção, sem saber exatamente onde quer chegar.

A frustração se intensifica ao perceber que, no papel, o elenco parecia promissor, mas aqui é engolido por um roteiro mecânico e por direções que privilegiam poses em vez de profundidade. Com sua fofura contagiante e um carisma que domina a tela, Krypto não apenas rouba todas as cenas, ele carrega o filme nas costas (ou nas patas) com tanta graça que merecia, no mínimo, um Oscar honorário de Melhor Ator Canino.

Rachel Brosnahan, por exemplo, até tenta trazer alguma nuance à sua Lois Lane, mas esbarra em falas que soam como manchetes de tablóide: sempre correndo, sempre com um comentário espirituoso na ponta da língua. Enquanto isso, o Lex Luthor de Nicholas Hoult, com suas caras e bocas acompanhadas por um diálogo pífio de histeria, faz a sua melhor cópia possível do Luthor de Jon Cryer, da série Supergirl.

Já o novo Lanterna Verde, Guy Gardner, interpretado por Nathan Fillion, tenta parecer irreverente e deslocado, mas o resultado é caricato. Sua presença em cena remete mais a um comercial de energético do que a um herói com propósito: barulhento, espalhafatoso e vazio. Seu arco é tão raso quanto sua personalidade, sempre reduzida a frases de efeito e uma confiança forçada, como um alívio cômico reciclado de outro lugar.

Ao seu lado, a Mulher-Gavião de Isabela Merced demonstra potencial com uma presença convincente, mas o roteiro lhe oferece tão pouco espaço que sua personagem nunca se desenvolve para além da primeira impressão. Juntos, os dois funcionam como uma espécie de dupla de “bom policial e mau policial”, presos em estereótipos ultrapassados que parecem importados diretamente de Máquina Mortífera, sempre com Fillion passando do ponto.

O Senhor Incrível, vivido por Edi Gathegi, até surge como uma presença promissora, mas sua única cena de destaque é sabotada por um enquadramento desastroso. Em vez de reforçar sua imponência, a câmera parece perdida, bagunçando a composição e diluindo qualquer impacto que a sequência poderia ter. E, ao ser reduzido a uma muleta cômica, servindo como alvo de piadas sem graça enquanto carrega uma caricatura do arquétipo do “negro raivoso”, sua participação se resume a frases de efeito vazias, usadas como mecanismo de autoafirmação, mesmo que isso custe qualquer coerência dramática vinda de um dos personagens mais inteligentes dos quadrinhos.

E, no ápice do constrangimento, surge o novo Jimmy Olsen. O personagem não apenas perde qualquer traço de charme ou carisma, como é reconfigurado como um alívio cômico que jamais cumpre sua função. O mais problemático, porém, é sua caracterização, que resgata, em pleno 2025, o estereótipo da “mulher burra e superficial”. Sua presença parece existir apenas para reforçar esse estereótipo.

Há uma tentativa visível de emular a química coletiva dos Guardiões da Galáxia na Gangue da Justiça, mas ela só consegue passar uma sensação constante de que cada personagem foi moldado genericamente para cumprir uma função específica no grupo: o cômico, a silenciosa, o rebelde e o misterioso, sem que nenhuma dessas figuras ganhe qualquer tipo de desenvolvimento.

Enquanto isso, o Superman de Gunn, que deveria carregar a responsabilidade simbólica de inaugurar uma nova era, não só para o personagem, mas para todo esse novo universo cinematográfico, surge deslocado, desprovido de densidade moral e com uma falsa ingenuidade que espanta o bom senso.

E, ao contrário do que se poderia supor, talvez a culpa não recaia apenas sobre o roteiro. David Corenswet parece completamente alheio ao personagem, interpretando um Superman quase vaidoso, como quem acredita ser o centro do universo só por vestir a cueca por cima da calça. Sua atuação beira o deslumbramento mimado, impregnado de prepotência, sem jamais acessar o conflito interno do imigrante que sempre definiu o Último Filho de Krypton.

O bom

Apesar de estar genuinamente animado com os próximos capítulos desse novo universo da DC, especialmente Lanternas e Supergirl, assistir a essa versão infantilizada de O Reino do Amanhã, levemente temperada com um tiquinho de Injustice: Deuses Entre Nós, foi uma surpresa curiosa vinda de James Gunn. Eu realmente não esperava ficar tão intrigado com o futuro do arco Deuses e Monstros que ele está construindo. O filme acerta em alguns momentos, principalmente na criatividade visual ao apresentar os poderes dos heróis, e tem cenas pontualmente divertidas, quase todas com o Krypto envolvido.

O ruim

No entanto, escolhe se manter em uma zona de conforto difícil de justificar, entregando um Superman que paira sobre a tela, mas nunca a atravessa. Ele está lá, mas raramente provoca impacto ou provoca alguma variação gravitacional além do clichê. Ainda assim, o potencial para um recomeço significativo está presente, mesmo que este primeiro capítulo ainda vacile em assumir a grandiosidade que promete. Ao apostar numa fórmula “TikTok”, resulta em um filme que parece querer agradar a todos e, no processo, esquece de ser verdadeiramente marcante.

O triste

Superman, de James Gunn, parece menos uma declaração autoral e mais um cartão-postal em looping de boas-vindas: bonito à primeira vista, mas rapidamente descartável. É um filme perdido, que está constantemente olhando para cima, em vez de olhar pra frente.

Com a estreia do filme, encerramos aqui na Cine Ninja e Mídia NINJA nossa cobertura especial sobre o Azulão. Ao longo desses últimos meses, ressaltamos o legado do Superman no cinema e conversamos com três nomes brasileiros que deixaram sua marca no herói: Jefferson Costa (Superman: O Mundo), Rafael Albuquerque (Superman Unlimited) e o produtor Ivan Freitas da Costa.