Stonewall, orgulho LGBTQIAPN+ e a luta pelo fim da violência policial
O tijolo atirado em Stonewall foi direcionado às forças policiais ali presentes, mas ele também marca um ato de resistência contra a militarização da vida
Por Camila Marins e Ana Claudino*
“E vocês não vão fazer nada?”. Foi esta a frase proferida por uma mulher lésbica, cuja identidade ainda não foi confirmada, e que marcou o estopim da Revolta de Stonewall, em 1969, nos EUA, pelos direitos da população LGBTQIAPN+. Era a época do auge do movimento negro pelos direitos civis com Panteras Negras e cartazes de Black Power nas ruas, além da amplificação de vozes feministas pelo direitos das mulheres.
O tijolo atirado em Stonewall foi direcionado às forças policiais ali presentes, mas ele também marca um ato de resistência contra a militarização da vida. Frequentado não apenas pela população LGBTQIAPN+, o bar também recebia pessoas latinas, imigrantes ilegais, pobres e negras.
Corpos desviantes da moral e dos bons costumes da sociedade cisheteropatriarcal branca estadunidense resistiam todas as noites contra as frequentes batidas policiais que faziam as chamadas “revistas de gênero”, cometiam espancamentos e violências, além de subornos. Isso significava que a população LGBTQIAPN+ com dinheiro poderia pagar para fugir em segurança. A revolta de Stonewall é um símbolo de uma rebelião de uma população urbana pobre considerada “marginal e perigosa”.
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55 anos depois, a população LGBTQIAPN+ precisa “atirar tijolos” diariamente para garantir a sua sobrevivência. Ainda nos são negados direitos básicos e lutamos pelo direito à vida e contra a violência policial. Um dos casos mais emblemáticos é a luta de justiça por Luana Barbosa, mulher negra, lésbica, periférica, trabalhadora que não performava a chamada “feminilidade padrão” e que foi brutalmente espancada e assassinada pela polícia militar, em abril de 2016, após reivindicar seu direito de ser revistada por mulheres. Ela estava levando seu filho para o curso quando sofreu a abordagem e, mesmo levantando sua blusa, para afirmar que era mulher, sofreu espancamento. E, em vez de ser levada para o hospital, foi encaminhada diretamente para a delegacia. Não sobreviveu e, até hoje, os movimentos sociais de lésbicas reivindicam justiça.
Após a morte de Luana Barbosa, foram inúmeras as tentativas de culpabilizar a vítima, caracterizando uma tentativa de criminalização e de violação da memória de Luana. O caso ganhou repercussão internacional quando a ONU Mulheres e o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) publicaram uma nota que afirma: “a morte de Luana é um caso emblemático da prevalência e gravidade da violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil”. Os movimentos sociais de lésbicas apresentaram o Projeto de Lei Luana Barbosa de enfrentamento ao lesbocídio que parte de um viés interseccional. A lei foi aprovada em Niterói pela então vereadora e hoje deputada estadual Verônica Lima e tem sido apresentada e muito rejeitada por municípios e estados de todo o país. Para além da legislação, a disputa por orçamento público para a execução de políticas específicas é fundamental, além do compromisso radical pelo fim dos genocídios e da militarização da vida.
Hoje, nós, lésbicas negras, nos amparamos no grito de quem atirou o tijolo em Stonewall e reafirmamos: “E vocês não vão fazer nada?”. Sigamos em bando e em corpo coletivo atirando pedras contra esse sistema que nos mata todos os dias.