Por Helena Crestan

Na última quinta (6), o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou o aguardado julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 845.779, que discute a abordagem de transexuais ao utilizarem banheiros de acordo com o gênero com o qual se identificam. A decisão pode ter implicações significativas para os direitos das pessoas LGBTQIAPN+ e a proteção à dignidade humana.

O caso

O RE 845.779 envolve uma mulher trans que foi retirada do banheiro correspondente à sua identidade de gênero em um shopping center. A questão central é se essa abordagem configura conduta ofensiva à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade, sendo indenizável a título de dano moral.

A votação

Embora o argumento do presidente da Suprema Corte, Ministro Luiz Roberto Barroso, seguido pelo Ministro Edson Fachin e pela Ministra Cármen Lúcia, fosse favorável ao caso em questão: “As pessoas transgêneras compõem a minoria mais estigmatizada da sociedade brasileira e são as mais constantes vítimas de violência”; os demais ministros, incluindo o Ministro Flávio Dino, foram contrários ao caso, argumentando que “a corte não deveria estar discutindo essa questão, pois não há questão constitucional envolvida, apenas o Código Civil e a defesa do consumidor”. Essa argumentação foi apresentada pelo Ministro Luiz Fux, acompanhada de uma sugestão de negar o seguimento, seguida de um pedido de cancelamento do mesmo.

O que isso implica?

Com a negativa apresentada pela maioria do colegiado, o Recurso Extraordinário (RE) 845.779 deixará de ser tratado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e será mantido o provimento dado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina em favor do shopping. O colegiado catarinense entendeu que não houve dano moral, apenas um “dissabor”, mesmo que tenha sido provado o desrespeito com o gênero da vítima, não houve agressões de cunho físico.

Uma “meia derrota” com requinte de risco

Pessoas trans continuam protegidas pela lei no uso dos banheiros de acordo com sua identidade de gênero, conforme estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 13 de junho de 2019, quando equiparou as condutas homofóbicas e transfóbicas à tipificação da Lei do Racismo (Lei 7.716/1989). Caso ocorra algum incidente, é de suma importância que seja realizada a denúncia. Entretanto, o julgamento da última quinta (6) abre uma pequena brecha para que atitudes transfóbicas sejam cometidas, por proporcionar uma “fina ideia” de omissão pela Corte Suprema do país em relação a essa questão.

Isso não é um fim!

Embora o resultado da votação pareça um enorme revés e nos gere um sentimento de desesperança, há em trâmite uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), requerida pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), com relatoria da Ministra Cármen Lúcia, ministra favorável ao RE 845.779.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é um instrumento previsto na Constituição Federal de 1988 que visa ao controle de constitucionalidade. Ela tem como objetivo evitar ou reparar lesões causadas por atos que desrespeitem preceitos fundamentais da Constituição. A medida foi tomada com base em uma lei impugnada no município de Novo Gama – GO, que obriga as pessoas a utilizarem banheiros de acordo com seu “sexo de nascimento”.

Não há tempo para esmorecer

Mesmo que tudo conspire para nosso desânimo, é sempre importante lembrarmos o quanto avançamos até aqui com a força de nossos “transcestrais” e termos em mente que estamos traçando um caminho rumo a uma sociedade igualitária em todos os seus âmbitos. Temos uma importante e significativa atuação nos debates nas câmaras de vereadores espalhadas pelo Brasil, nos debates travados na Câmara dos Deputados, bem como nas ações realizadas pela ANTRA, FONATRANS, ABGLT, IBRAT, GDN e tantas outras organizações espalhadas pelo país.

Paz entre nós, guerra aos senhores.