
‘Star Wars: A Vingança dos Sith’ 20 anos depois: A autópsia do colapso democrático
O episódio 3 da saga retorna aos cinemas revivendo a ascensão de Darth Vader e a decadência da república
Por Hyader Epaminondas
Em 2005, as luzes dos cinemas se apagaram, os créditos iniciais subiram, e milhões testemunharam Star Wars: A Vingança dos Sith, o aguardado capítulo final da trilogia prelúdio. Para muitos fãs, como eu, foi o primeiro contato com a saga nas telonas. Depois de assistir e rebobinar incontáveis vezes os episódios I e II em fitas VHS, ver a queda de Anakin Skywalker e a ascensão de Darth Vader projetada em uma tela gigante foi uma experiência inesquecível.
Vinte anos depois, a obra de George Lucas retorna aos cinemas em uma reexibição comemorativa, na semana de 24 de abril de 2025, agora com um público mais maduro, projetando o retrato de uma república que, em sua ânsia por estabilidade, destrói os próprios ideais democráticos, enquanto as trajetórias dos personagens centrais expõem o colapso ético e político que pavimentou o caminho para o Império.
O desmoronamento das instituições
O Senado, instituição máxima da representação política, surge na obra como um símbolo em decadência. Não ocorre um golpe externo, mas uma deterioração interna, gradual e articulada. O chanceler Palpatine, interpretado por Ian McDiarmid, transmite com frieza uma aura maquiavélica ao concentrar poder sob a justificativa de garantir a segurança. A democracia, nesse contexto, não enfrenta uma invasão, mas permite que seus próprios mecanismos legitimem o autoritarismo.
A iluminação e o design de cenários são usados como elementos simbólicos no filme, como pinceladas sutis que revelam o avanço silencioso e implacável do controle de Palpatine, transformando cada sombra e cada claridade em reflexos de seu poder crescente. O Senado, antes um espaço de debate e diversidade, torna-se progressivamente sombrio e opressivo, refletindo a perda de liberdade.
O Templo Jedi, por sua vez, que outrora simbolizava luz, é lentamente consumido pela escuridão, representando a corrosão interna da ordem. Mergulhado em sussurros e manipulações, o templo passa a refletir a crescente desconexão dos Jedi com os ideais que um dia sustentaram sua existência. Antigos guardiões da paz agora se escondem atrás de títulos militares, numa tentativa desesperada de manter influência sobre uma república em ruína — um reflexo da decadência moral que, implacável, consumia as fundações da instituição.
Ordem 66: o abandono da liberdade
Assim como os Jedi ignoraram a escravidão de Shmi Skywalker em A Ameaça Fantasma, permitindo que ela permanecesse subjugada sem qualquer intervenção, também se omitiram diante da condição exploratória dos soldados clones: criados como força militar da República, escravizados por sua programação e tratados como instrumentos descartáveis de guerra, até que, no paradoxo mais cruel de sua existência, consumaram o trágico destino de se tornarem, ao mesmo tempo, vítimas e algozes na execução dos Jedi pela Ordem 66.
Essa passividade contínua não só revelava a negligência da Ordem frente às injustiças que assolavam a galáxia, mas também alimentou o primeiro grande ato de ódio de Anakin, que, em Ataque dos Clones, massacra o povo da areia em um surto de fúria — um descontrole que nasce da dor profunda da perda, intensificada pela indiferença dos Jedi.
Hannah Arendt, em Origens do Totalitarismo, já advertia que a degradação da liberdade começa quando a lei, em vez de proteger o indivíduo, é moldada para legitimar a opressão — um processo aceito por cidadãos que já perderam a fé na própria liberdade. A Ordem Jedi, ao normalizar a exploração dos clones e ignorar o sofrimento ao seu redor, não apenas traiu seus ideais, mas também contribuiu para o ambiente de desesperança e brutalidade que pavimentou o caminho para o surgimento do Império.
A batalha entre Yoda e Palpatine no Senado não é apenas um duelo físico, mas uma representação do colapso do espaço político, onde o que deveria ser um fórum de debate se transforma em um palco de destruição. As cadeiras e os púlpitos, símbolos da convivência democrática, se tornam armas no confronto pela supremacia absoluta. O aspecto mais trágico dessa cena, no entanto, não é apenas a luta entre dois mestres, mas o desespero de Yoda — ele não está apenas tentando derrotar seu inimigo, mas também buscando uma redenção por um fracasso que, na visão dele, selou o destino da República. Lucas constrói uma cena em que a queda institucional não decorre da força bruta, mas da corrupção dos valores que sustentavam aquela ordem.
No instante em que o Império Galáctico se ergue, Natalie Portman encarna uma Padmé Amidala fragilizada — quase uma personificação melancólica da própria República em ruínas. Testemunhando o nascimento do novo regime, ela sintetiza toda a tragédia em uma única frase: “É assim que a liberdade morre, sob aplausos estrondosos.” A morte da democracia não exige sabres de luz ou armas a laser — precisa apenas da aceitação resignada de uma população aterrorizada que, em nome da segurança, abandona sua responsabilidade política. Arendt aponta que o totalitarismo nasce não da ausência de Estado, mas da perda do espírito republicano entre os próprios cidadãos.
Último ato de resistência
A tentativa final de resistência surge na figura do mestre Jedi Mace Windu, interpretado com intensidade contida por Samuel L. Jackson. Em seu desespero, Windu destrói não apenas a figura do chanceler, mas também a própria ideia de República que jurou proteger. A equivalência entre Jedi e Sith é explicitada quando tanto Palpatine quanto Windu pronunciam a mesma sentença: “Ele é perigoso demais para ser mantido vivo.” Esse momento marca, aos olhos de Anakin, a perda completa da autoridade moral dos Jedi, transformando-os em reflexos distorcidos de seus inimigos.
A morte de Windu simboliza a falência definitiva da ordem no campo político. O colapso das defesas jurídicas não ocorre apenas pela ação do inimigo, mas pela fragilidade e corrupção interna dos próprios guardiões da lei. Ao ceder à pressão e adotar as mesmas táticas que condenavam, os Jedi se tornam, paradoxalmente, instrumentos da destruição daquilo que representavam. O último esforço para salvar a República se converte numa ruptura irreversível, belissimamente selada pelo golpe traiçoeiro de Anakin.
No centro desse colapso, Obi-Wan Kenobi ocupa um papel fundamental. Interpretado com melancólica gravidade por Ewan McGregor, o mestre Jedi representa o mediador — aquele que tenta equilibrar forças opostas e preservar os princípios da democracia em meio ao avanço da violência e da polarização.
A relação com Anakin, marcada pela intensidade emocional crua de Hayden Christensen, sempre carregou a densidade silenciosa de um vínculo que, embora apresentado como fraternal, se aproximava de uma paternidade forçada — como a de um irmão mais velho que, por circunstâncias maiores, assume responsabilidades que não escolheu. Obi-Wan, ainda que o visse como um irmão, tomou para si o papel de mentor e protetor, algo que ficava evidente sempre que se via dividido entre a lealdade à Ordem Jedi e o afeto pelo aprendiz, ocultando até mesmo a relação proibida com Padmé da Ordem, quase como um pai que tenta, em segredo, preservar a felicidade do filho.
Essa construção afetiva torna o confronto em Mustafar ainda mais trágico: o embate entre os dois, como a lava que queima e engole tudo sem deixar vestígios, consome não apenas suas vidas, mas também os últimos resquícios que sustentavam a República, deixando para trás apenas as cinzas de um mundo perdido.
Obi-Wan não apenas testemunha a queda do seu aprendiz — ele presencia também o fim irreversível do sistema que jurou defender. Sua escolha pelo exílio, após falhar em impedir a ascensão do Império, não é uma rendição, mas um ato de luto. É a retirada forçada de um homem que se recusa a compactuar com a tirania, mesmo quando sabe que seus ideais já não encontram lugar na nova ordem imposta pela força, carregando consigo não apenas a memória da República, mas a perda irreparável de um filho que ele falhou em salvar.
Skywalker: o caminho para a tirania
Anakin representa outra face do colapso democrático. Consumido pelo medo da perda, pelo desejo cego de controle e pela desconfiança no equilíbrio frágil da política, ele abandona os próprios ideais que jurou proteger. Mas sua queda não é apenas fruto da corrupção: é também o grito de quem enxergou, antes dos outros, a podridão que corroía a Ordem Jedi por dentro.
Desde o momento em que foi acolhido, ainda menino, alimentou um ideal de pureza e justiça que já não existia. E quando a realidade desfez suas ilusões, restou apenas a amargura. Anakin não apenas traiu o que amava: foi traído pela promessa de um mundo que nunca fora verdadeiro. Sua ruína, como areia escorrendo entre os dedos, foi silenciosamente inevitável, levando consigo, grão a grão, as últimas esperanças de um sistema condenado a desaparecer.
Sua transformação em Darth Vader não resulta de um ato isolado, mas de um processo contínuo de concessões pessoais ao autoritarismo. Ao final desse caminho, Anakin já não era inteiro: era um homem mutilado, despedaçado tanto no corpo quanto no espírito. A substituição de partes de seu corpo por próteses cibernéticas não só lhe arrancou sua humanidade, mas também o fez perder a essência de seu ser, transformando-o em um fantoche cujas cordas estavam nas mãos de Palpatine.
Sua fragmentação interna reflete como a própria democracia, ao renunciar gradativamente aos seus valores, produz os instrumentos de sua destruição. O que sobra, ao fim, não é apenas a ascensão de um novo Império, mas a amarga constatação de que, uma vez feridas em sua essência, as fundações de um sistema político não resistem. No vazio que se abre, a promessa de liberdade é engolida pelo lado sombrio, enquanto a tirania cresce entre os escombros do que foi perdido.
Ecos no presente
Em 2025, o colapso retratado por George Lucas ressoa nos processos políticos do dia a dia, em que discursos que minimizam direitos básicos ameaçam a estabilidade das democracias, já pressionadas por conflitos internos e geopolíticos cada vez mais intensos. Star Wars: Episódio III – A Vingança dos Sith continua envelhecendo como vinho, permanecendo como o melhor filme da saga e como um retrato quase profético da lenta queda de uma república que, ao priorizar a segurança e alimentar o medo, sacrificou a democracia em nome de uma ordem construída sobre a tirania do medo.