Por Jonas Moura

Optando por um caminho diferente do que a indústria do cinema americano se propõe há algumas décadas, a produção “Sonhos de Trem”, que estreou em novembro na Netflix, chegou à gigante plataforma de streaming provando que ainda é possível reviver a nostalgia dos grandes clássicos que marcaram época. Bem como que podemos encontrar filmes que contam histórias inesquecíveis sem se render ao imediatismo comercial dos dias atuais.

Baseado em uma novela do autor Denis Johnson, a obra dirigida por Clint Bentley traz para a linguagem cinematográfica um drama que tem como pano de fundo o cotidiano de uma classe trabalhadora dos Estados Unidos que ajudou a construir e interligar o país no final do século XIX até meados do século XX.

Acompanhando a vida do jovem Robert Grainier, o espectador mergulha em uma época onde o mundo era diferente, mas também, aos poucos, descobre a essência de um personagem inebriado pelo luto, pela solidão e pela culpa que insiste em lhe atormentar, seja nos sonhos ou no enfrentamento da própria realidade.

Mesmo assim, apesar da melancolia latente, o roteiro adaptado não é cansativo. Ele propõe uma fascinante jornada sobre questionamentos da existência humana e de tudo o que há, tendo a natureza como um belo ponto de apoio. Um personagem tão importante que, por meio da deslumbrante fotografia do brasileiro Adolpho Veloso, nos permite experimentar a sensação de viver em um lugar tomado pela serenidade, mas assombrado pelo vazio de uma saudade dolorida.

Com um elenco afiado, entre eles Felicity Jones, o filme é sensível e emocionante. Nos faz refletir sobre algumas questões muito pertinentes e me tocou pelo fato de revelar o quanto nossas prioridades podem nos afastar de momentos que não voltam mais. Portanto, o filme pode ser sobre escolhas que fazemos sem pensar nas consequências, mas ainda sobre a fluidez do tempo que não nos espera. E esse tempo que desliza feito água de rio é o mesmo que permite a evolução do mundo e da sociedade.

Não à toa, “Sonhos de Trem” promove esse paralelo que é quase imperceptível por nós, que andamos vivendo meio no automático. Até que um dia acordamos motivados por um acontecimento que nos deixa à beira de um abismo ou da loucura. Quando, na verdade, só precisaríamos estar mais atentos e conectados verdadeiramente com tudo o que está ao nosso redor.

É um fato curioso que ao assisti-lo eu tenha pensado em outros títulos que me deixaram lembranças cinematográficas inesquecíveis, como “Tomates Verdes Fritos”, “Lendas da Paixão” e “Eclipse Total”. Não por eles tratarem de temas parecidos, mas porque, para mim, trabalham uma linguagem bastante familiar. Talvez, por isso, essa boa sensação de nostalgia que somente o cinema é capaz de provocar.

Além disso, eu não poderia finalizar essa análise sem deixar de citar a interpretação do ator Joel Edgerton. Ela é contida na medida certa e consegue imprimir toda a complexidade do sentimento que a personagem carrega. Sua dignidade e bondade em conflito com todas as questões que as perguntas sem respostas da vida lhe impõem.

Sem receios do próprio ritmo, “Sonhos de Trem” não se obriga a ter pretensões grandiosas. Ele, em si, já é imenso pelo que entrega. Por isso, embora não deva conquistar e nem tenha sido feito para um grande público, certamente cativará sem esforços aqueles que se propõem a apreciar uma obra-prima. Um projeto que cresce a partir da delicada observação sobre a vida e sobre o quanto o homem é capaz de impactar o meio em que está inserido.