Por Davi Maia

Luiza Brina (@luizabrina) é, mesmo distante de igrejas, templos e rituais, uma pessoa que reza. Longe das religiões, ela entendeu ao longo das adversidades e desesperos que precisava aprender a orar, ainda que tenha crescido numa família cética quanto à existência de um deus ou uma outra entidade maior. E num mundo veloz, líquido e conectado, a artista usou da tecnologia minuciosamente trabalhada de sua música para salvar sua vida.

O disco “Prece” é um sucesso para a crítica especializada, e até está entre os 25 destaques do ano para a Associação Paulista dos Críticos de Arte, a APCA. O que pode explicar as leituras tão positivas do lançamento da mineira de Belo Horizonte são as formas tão meticulosas e fluidas que a artista escolheu para desenvolver um trabalho que questiona e posiciona questões existenciais que passou ao longo de mais de 10 anos, desde a sua primeira crise de pânico.

Foto: Daniela Paoliello

Entre experimentações eletrônicas de Charles Tixier, a lírica de Luiza Brina e a musicalidade de uma orquestra formada por 19 mulheres musicistas escolhidas a dedo, o jornalista Leonardo Lichote definiu em sua coluna para a Folha que “tudo enfim busca aprofundar a conexão do repertório com a perfeição misteriosa do divino”. O disco conta ainda com participações especiais que complementam mais do caráter único da obra.

Um dos destaques vai para a revelação do Grammy Latino de 2022, a mexicana Silvana Estrada, que – em português – se junta a Luiza para a “Oração 2”, faixa mais reproduzida do disco no streaming. Além disso, Sérgio Pererê, Iara Rennó, Julia Branco, Vovô Bebê, Luizga, Mauricio Tizumba, Thiago Amud e a argentina LvRod são alguns dos demais nomes envolvidos em “Prece”. A nossa faixa favorita é a terceira, “Oração 18 (pra viver junto)”, uma música que reflete sobre os encontros amorosos e entende as necessidades da distância e da separação como um caminho para o relacionamento. “Pra viver junto, é preciso viver só”.

Aos 36 anos, Luiza tem uma longa trajetória na música, com tempo para a maturação, entre o estudo e a prática. Ela concluiu sua formação acadêmica em composição – começou seus estudos na terra natal, na UFMG, e concluiu o curso na UNIRIO, a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ela contou em entrevista ao programa Galeria, apresentado por apresentado por Fabiana Ferraz em entrevista seguinte ao lançamento de “Prece”, dada à Rádio Cultura em junho deste ano, que esteve envolvida com música em sua família desde pequena.

Foto: Daniela Paoliello

Poder trabalhar hoje também com o piano, entre tantos outros instrumentos que a musicista alcança “é uma forma de carregar suas avós” Brasil afora, brincou. Seja na técnica ou na improvisação, uma questão cultural que relegava às mulheres tocar piano dentro dos ambientes familiares de Minas Gerais aproximou Luiza da música, quando tudo ainda era brincadeira. Também tomou gosto pelo violão, habilidade que lhe rendeu seu primeiro cachê, a convite de uma de suas referências, Marina Machado.

Conhecendo personalidades que nortearam seu caminho e tiveram grande importância na aprimoração da técnica, como a figuras opostas do percussionista precisamente matemático José Izquierdo, e do baixista Itiberê Zwarg, que acompanha Hermeto Pascoal em suas improvisações e liberdades musicais. Em sua carreira, também se dedicou como vocalista e guitarrista da Graveola, banda que cresceu sob o contexto de ascensão da chamada ‘nova mpb’, inspirada por tantos nomes consagrados da cultura brasileira.

“Prece” é o resultado filosófico e musical do caminho que Luiza trilhou desde cedo, e dos amigos que fez no caminho. A artista fez todos os arranjos das 10 orações que guiam o ouvinte à proposta de conexão profunda consigo mesmo. O quarto disco da mineira Luiza Brina é a nossa indicação da vez para o Som Indica, não deixe de conferir!