Por Davi Maia

Sorridente e cada vez mais certa do caminho musical que segue, essa é Julia Mestre. A cantora e compositora carioca lançou recentemente seu mais novo álbum de estúdio, o terceiro solo, MARAVILHOSAMENTE BEM. Se debruçando nas influências dos anos 80, entre a música disco, a balada romântica e o lado mais latino da brasilidade, a artista foi além do faixa a faixa e transformou o disco numa experiência audiovisual nostálgica, sem se descolar da contemporaneidade.

Depois de consolidar seu nome no cenário da dita geração da nova MPB, como uma das artistas integrantes da banda Bala Desejo, dos sucessos Passarinha e Baile de Máscaras – e também, por que não, dos recortes do programa Cultura Livre –, Julia refletiu sobre esse momento do florescer de trabalhos solo dos parceiros Dora Morelenbaum, em PIQUE, e Zé Ibarra, com Afim: “É legal poder enxergar a expressão individual para entender mais do momento coletivo, do que é o Bala Desejo.”

Aos 28 anos, Julia Mestre – que é nascida em 1996 – precisou visitar as influências que ela não viveu, de outras gerações, para situar seu trabalho nessa linha tênue que buscou lugar entre o analógico dos anos 80 e o digital. A artista, que já falou sobre inspiração em Rita Lee a Leonardo Lichote, em entrevista à Folha de S. Paulo, teve a honra de contar com a participação estrelada de uma grande artista da década: Marina Lima.

A artista foi homenageada por Julia em Marinou, Limou, e buscou trabalhar o poema como forma de engrandecer sua referência. “É como ‘Caetanear o que há de bom’, Marina Lima virou praticamente um verbo, era sobre reverenciar sua obra, que é tão dela”, explicou Julia, sem esconder a felicidade com a troca.

“É como magia poder ter as palavras dela dentro dessa canção. A Marina recebeu com carinho e fez um poema espontaneamente, inspirada na canção. Eu pude celebrar essa composição que é dela, e é minha também. A música faz coisas acontecerem que a gente nunca espera, numa troca muito genuína. É uma das minhas maiores celebrações, a sorte de estar fazendo música e poder ter uma troca com uma pessoa que cresci escutando.”

Num trabalho de um ano e cinco meses até o lançamento oficial, a artista revelou a superação de momentos de fragilidade durante o processo inicial de MARAVILHOSAMENTE BEM. Ponto de partida do álbum, a faixa dois, Sou Fera, é resposta para os impulsos negativos, no realinhamento da artista – e de Julia em si.

“Eu estava vivendo um momento pessoal de cura”, disse. “Quando eu fiz essa primeira composição, aquilo me despertou, me fez acordar para fazer nascer um novo projeto.” O ápice do resultado trabalhado por Julia Mestre é a faixa-título, uma das últimas a serem compostas. “Maravilhosamente Bem é um selo de um projeto que já estava pronto para nascer, não havia outro nome para o disco.”

O desenvolvimento do disco ganhou novas dimensões, feito em formato de banda com o grupo de Julia Mestre. As onze composições ganharam os contornos minuciosos de Gabriel Quinto, Gabriel Quirino e João Moreira. “Mergulhamos na estética, começou a chover estética, começou a chover canção”, reflete Julia.

O ponto mais notável desse mergulho estético vem, sem dúvidas, na sequência das faixas Canto da Sereia e Sentimento Blues, quando a lírica de Julia dá vez a um respiro de protagonismo instrumental, no delicado lugar das percussões e dos arranjos de cordas que cessam para um trabalho totalmente novo sobre a segunda faixa da sequência, gravada pela primeira vez em 2021 por Julia Mestre, Danilo Cutrim e Jean Charnaux.

A artista trabalhou com o formato audiovisual num curta-metragem que acompanha o álbum, somando alguns elementos analógicos e outras referências, sob a direção criativa da própria Julia Mestre e Gabriel Galvani. Filmado no interior de São Paulo, a produção se volta para o cinema independente dos anos 70 e 80. A narrativa expande os temas do disco num diálogo entre imagem, som e performance que posiciona a criatividade da artista.

Esse lugar onírico é outro dos caminhos que Julia Mestre parece ter explorado para chegar nesse lugar de memórias que ela não presenciou. Entre letras que transbordam exageradamente o amor, como em Seu Romance, Julia parece estar sonhando em nostalgia – e viajando para alcançar esse espaço. “É o mistério de transitar entre dois tempos. A qual tempo eu pertenço? A nostalgia mexe num lugar muito poderoso, porque ela alcança o local do afetivo”, pontuou.

Dois anos desde o último lançamento e doze anos desde o seu início, aos 16, a artista se vê perto de si, mais pronta que antes: “A Julia ainda é a mesma, mais madura, menos inocente, e pensando muito no que faz. Com mais autoria na criação e entendendo melhor a harmonia entre a musicalidade, o visual, a estética, a persona no palco – e sem esquecer quem é Julia fora desses momentos”, finalizou.

O mais novo disco da carioca Julia Mestre, MARAVILHOSAMENTE BEM, é a nossa indicação da vez para o Som Indica. Não deixe de conferir.

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