Por Cley Medeiros

O Conselho Tutelar da Zona Oeste de Manaus, o C.T.Z Oeste, investiga denúncias de uso de crianças como escudo humano no bloqueio bolsonarista que acontece no Comando Militar da Amazônia, em Manaus, desde o dia dois de novembro. Foram pelo menos dez pedidos recebidos pelo CTZ Oeste para iniciar uma investigação que apura também, as condições insalubres às quais crianças estão submetidas no acampamento que foi montado para negar o resultado eleitoral que elegeu Lula, e pedir um golpe de estado pelas Forças Armadas. 

Um desses pedidos foi protocolado pelo ativista Jossimar Farias, 32 anos, administrador com especialização em direito constitucional e administrativo, por meio do partido Rede Sustentabilidade Amazonas. Para ele, o fato de crianças estarem sujeitas a vulnerabilidade social no acampamento é motivo de preocupação. Para isso, utilizou trechos da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente que garantem os direitos das crianças. Jossimar também acredita que as instituições usam pesos e medidas diferentes para classificar o ato de teor golpista.

“Após circulação de vídeos nas redes de crianças presentes nos atos antidemocráticos, a Rede Sustentabilidade de  Manaus decidiu encaminhar denúncia ao conselho tutelar. Inclusive denúncias de crianças dormindo sozinhas em barracas no CMA. São crianças que deveriam estar protegidas em casa e não expostas a situações de perigo, insalubridade e possíveis confrontos.

Jossimar segura denúncia antes de protocolar no Conselho Tutelar. Foto: reprodução

O Conselho Tutelar é o órgão que deve ser acionado em situações de ameaça ou violação de direitos de crianças e adolescentes por falta, omissão ou abuso dos pais, responsável, sociedade ou Estado (Art. 98, ECA). O artigo 227 da Constituição diz que é dever de todos garantir que as crianças sejam privadas de violência. O Código Penal tipifica como crime a exposição de pessoas ao risco à vida ou à saúde, o que não falta é embasamento legal para responsabilizar quem coloca crianças e adolescentes nessa situação, inclusive podem perder a guarda. Estado tem a obrigação de agir, e a defesa das crianças deveria ser de todos, da sociedade civil,  dos partidos, das instituições públicas e poucos atores se mobilizam para impedir porque falta vontade política dos governos aliados que protegem os mobilizadores do ato, como é o caso do prefeito David Almeida (Avante) e o governador Wilson Lima (UB).

Se fosse um baile funk na periferia com o mesmo número de jovens ou até mais, tenho certeza que os governos e órgãos tinham se unido, pois isso aconteceu durante os primeiros momentos da pandemia na zona norte de Manaus no bairro em que nasci, o Santa Etelvina. Não digo que deveriam manter o baile naquela situação de distanciamento social, mas é claro que há dois pesos e duas medidas, ainda mais de governos que são aliados do Bolsonaro. Durante os protestos de 2013 eu estava numa multidão em plena avenida Brasil e vi a tropa de choque desmobilizar uma enorme juventude, jogaram bombas de efeito moral até na casa dos moradores da compensa. Não olhavam para onde atiravam, vi crianças sufocadas em casa com o gás lacrimogêneo e tivemos que encontrar um jeito de voltar para casa”, aponta Jossimar.

O ativista afirma que espera uma resposta adequada do órgão criado para proteger os direitos das crianças e adolescentes. O ativista lamenta que até o momento não obteve resposta das denúncias feitas no órgão em Manaus.

“Até o presente momento não recebemos nenhuma resposta do Conselho Tutelar da Zona Oeste, região da cidade onde ocorre o ato antidemocrático. Esperamos a providência de medidas fáticas das autoridades. O que a Rede quer é levar à sociedade para um debate acerca da grave situação que é fazer de crianças um escudo humano. E que os órgãos possam agir de imediato para retirá-las e responsabilizar quem deveria cuidar dessas crianças, o que não está acontecendo. 

O que posso dizer sobre o que acontece no CMA é que aquilo é um crime! Não posso nem chamar de manifestação o que é claramente golpista, de uma turma que decidiu fazer dos muros dos quartéis seu muro das lamentações.

É uma perseguição a um futuro governo democrático e legitimamente eleito pela maioria do povo, esse titular do poder constituinte. Não aceitam que o Lula foi eleito novamente pela 3ª vez e fingem esquecer que vivemos um período de pleno emprego e bonança econômica nos anos governados pelo PT. Fui manifestante do governo Dilma, principalmente na área ambiental e nos protestos de 2013, reconheço os avanços socioeconômicos que tivemos nos mais de 13 anos do partido dos trabalhadores. Os danos do bolsonarismo ao país não se comparam nem de longe aos equívocos do PT, nenhum desses equívocos são pauta do bolsonarismo”, destaca Jossimar.

Foto: Ricardo Oliveira/Cenarium


Manaus deu a Jair Bolsonaro a votação mais expressiva no estado do Amazonas, diferente de cidades importantes como Parintins, São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga e Maués. O autor da denúncia comenta acerca do atual quadro da extrema direita em Manaus.

“Manaus é uma cidade cujo eleitorado é fortemente cristão conservador que sofreu uma lavagem cerebral massiva nesses últimos anos, principalmente entre o meio religioso cristão evangélico. Falo porque sou um cristão que já conviveu em igrejas até 2012 mas o que vi começar a surgir (e hoje chamamos de bolsonarismo) já foi o bastante para me distanciar da vida institucional eclesiástica, recebo hoje muitos comentários e queixas de membros que se sentem isolados nesses ambientes. É uma instrumentalização da fé, vinda de lideranças mal intencionadas que manobram a opinião de seu público, fortemente feminino, negro e pobre. As mentiras que vi no meio evangélico foram fortemente ampliadas pelas redes sociais nesses últimos anos e isso influenciou o voto manauara. É um moralismo que não é coerente com as práticas deles, se assim fosse não teriam tolerado o crimes que condenaram a deputada e influenciadora Gospel Damares Alves, julgada pela morte do próprio marido. Inventaram a fakenews dos banheiros unissex mas na frente do CMA não ficam com vergonhas de usar os banheiros químicos lá instalados. A pauta deles é um mero disfarce para sustentar o discurso nazifascista”, afirma.

Jossimar cita o apoio direto de políticos eleitos e derrotados nas urnas ao acampamento golpista em frente ao CMA.

“Há também figuras políticas fora do meio religioso que deram uma guinada golpista, como é o caso do Senador Plínio Valério (PSDB) que foi eleito pelo Amazonas. Ele está defendendo os atos no CMA e atacando as instituições, um dos ataques foi ao MPF por fazer seu papel de investigar. O Coronel Menezes está participando direto e tirando fotos de forma aberta. Lamentável ver uma cidade tão hospitaleira continuando a votar em governantes que atacaram a Zona Franca de Manaus, deixaram perecer pessoas por faltar oxigênio em janeiro de 2021 em cenas que rodaram o mundo, e recoloca o país no mapa da possível volta de doenças como a poliomelite e agora mantém um ato golpista há dias. Isso não é só tacocracia (a ditadura da velocidade, como diz o Mário Sérgio Cortella), é uma disparidade que coloca pra fora o que há de pior no pensamento humano! É uma influência maligna que faz a cabeça das pessoas e não permite uma discussão racional pautada em ciência, em informação verídica.

Para Jossimar, “a ala progressista da sociedade precisa enfrentar esse flerte nazista que coloca a cara pra fora sem nenhuma vergonha porque sabe que ainda há tolerância nos dias de hoje.”