Por Cleiton Lopes

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, a população carcerária do Brasil é majoritariamente composta por homens negros e jovens. Dos 850 mil presos, 70% são negros. A população encarcerada enfrenta celas superlotadas, condições precárias de higiene e saúde, além da presença constante de facções criminosas dentro de um espaço que, teoricamente, deveria afastá-las do crime. Essa realidade inviabiliza qualquer possibilidade de reinserção ou melhoria de vida. No filme Sing Sing, de Greg Kwedar, concorrente em três categorias do Oscar, acompanhamos uma tentativa de transformação para encarcerados com um perfil semelhante ao brasileiro, utilizando a arte como ferramenta de mudança.

Preso injustamente, Divine G (Colman Domingo) encontra um novo propósito de vida ao participar de um projeto de teatro dentro da cadeia. Com a chegada de um novo integrante, Clarence ‘Divine Eye’ Maclin (Clarence Maclin), um homem desconfiado, cauteloso e cheio de raiva, Divine e seus colegas terão o desafio de ajudar o novato a lidar com seus sentimentos e com os deles próprios.

Masculinidades possíveis e a representação do homem negro

Esse tipo de iniciativa e as discussões que dela surgem lembram bastante os grupos de masculinidade que estão aparecendo atualmente. Diferente de movimentos como o red pill, que pregam o ódio às mulheres, aqui o objetivo é refletir sobre quais são as nossas responsabilidades enquanto homens em relação ao machismo. A partir de uma reação positiva ao discurso feminista, o foco é refletir sobre o que pode ser feito para melhorar, ao menos um pouco, a situação atual, visto que o machismo afeta negativamente tanto homens quanto mulheres. Nesse espaço, é possível ver cenas bem parecidas com as de Sing Sing: homens machucados e com sentimentos reprimidos vendo uma oportunidade de expor seus medos e anseios e, principalmente, com a chance de serem ouvidos sem julgamentos.

A raiva é um sentimento muito comum nesses ambientes e parece ser o caminho mais fácil para os incômodos masculinos. No filme, ela está muito presente no personagem Divine Eye. Ele passou por muita coisa na vida e é o estereótipo de como a sociedade costuma enxergar homens negros: como pessoas violentas e propensas a cometer crimes. Sabendo de sua personalidade, seu interesse em participar do grupo de teatro pegou os membros do grupo de surpresa, que resolveram aceitá-lo. A iniciativa revela que, na verdade, era um pedido de socorro de alguém que quer melhorar, receber ajuda, mesmo sem saber como fazê-lo.

Homens negros costumam ser representados midiaticamente como raivosos. O estereótipo de negro agressivo é muito comum, principalmente nos noticiários policiais sensacionalistas. Isso acaba educando as pessoas a acreditarem que essa é uma regra para pessoas negras em geral.

A cura pela arte e um novo sistema de produção

Em Sing Sing, o dispositivo para homens lidarem com seus sentimentos vem da arte. Os personagens precisam se libertar dos padrões que foram impostos a eles pelo mundo e experimentar viver na pele de outros personagens nos papéis que irão interpretar. Nas conversas e exercícios propostos pelos organizadores do grupo, eles têm a possibilidade de se aproximar mais de seus sentimentos e entender a si próprios.

A produção do filme adotou um sistema diferente com relação aos profissionais envolvidos. Dos atores aos assistentes de produção, todos receberam o mesmo salário, mais a participação nos lucros. O diretor Greg Kwedar e o produtor Clint Bentley montaram uma empresa chamada Ethos para ajudar cineastas independentes a utilizarem o modelo em suas produções.

O mais interessante em Sing Sing é o lado humano. Isso ocorre bastante devido ao uso de experiências reais para a criação. Diversos atores do filme são ex-presidiários que interpretam versões ficcionais de si mesmos. Divine Eye e Jon-Adrian “JJ” Velazquez, por exemplo, já cumpriram pena na penitenciária Sing Sing, em Nova York. Velazquez ficou preso durante 27 anos, acusado de um assassinato que não cometeu. Eles participaram do RTA (Rehabilitation Through the Arts), uma associação sem fins lucrativos que pretende reabilitar os presos utilizando a arte. O filme é inspirado nesse programa.

O longa está concorrendo ao Oscar nas categorias de Melhor Canção Original, com Like a Bird, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator para Colman Domingo.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.