Simone Biles nos jogos de 2024: as reviravoltas de uma lenda
A história da atleta vai além das medalhas de ouro
Por Alex Fravoline, para Cobertura Colaborativa Paris 2024
“Temos que proteger nossas mentes e corpos e não só sair e fazer o que o mundo quer que façamos. Não somos apenas atletas, somos pessoas”. É com esta declaração que a ginasta estadunidense Simone Biles encerrou sua participação nas Olimpíadas de Tóquio.
A atleta sensibilizou o mundo com seu desabafo ao se concentrar na sua saúde mental, seguido da desistência nas competições. Ela nos fez refletir sobre uma balança entre a pressão no esporte e a sanidade psicológica.
Não somente no profissional, mas também no pessoal, Biles tornou público em 2018 que havia sido abusada sexualmente pelo ex-médico de sua equipe, Larry Nassar, que foi condenado a 175 anos de prisão. Lamentável episódio em sua vida que lhe causou um grande impacto emocional, porém não maior que sua força e trabalho duro.
Sua influência é global e profunda. Por isso, a participação nos jogos de Paris deste ano foi muito esperada, pois a ginasta de 27 anos declarou abertamente seu desejo de redenção, e o mundo todo reconheceu que a edição francesa era seu bilhete dourado para reafirmar seu legado.
Dois dias após a cerimônia de abertura, começavam os capítulos da expectativa: as qualificatórias femininas da ginástica artística.
E não tinha como negar a ansiedade, pois diversas celebridades foram até a Bercy Arena prestigiar a estreia, como Tom Cruise, Snoop Dogg, Ariana Grande, John Legend e Anna Wintour.
Simone começou o dia pela trave e executou uma excelente série: mostrou uma execução de altíssimo nível obtendo 14.733, mesmo perdendo uma de suas conexões.
No solo, seu tornozelo se tornou preocupação ao sentir um desconforto após uma acrobacia de aquecimento, mas conseguiu com sua série. Mesmo não possuindo chegadas mais precisas, conseguiu uma ótima nota pelo alto grau de dificuldade: 14.600.
No salto, Simone começou com o “Biles 2” e o “Yurchenko” com duplo mortal carpado, a soma das notas = 15.800. Em seguida, fez um “Cheng” que lhe deu 14.800. Passou pelas barras assimétricas, seu aparelho mais fraco, porém fechou uma boa série com 14.433 pontos. A média da ginasta foi de 15.300.
Junto com suas colegas de equipe, Jade Carey, Jordan Chiles, Sunisa Lee e Hezly Rivera, os Estados Unidos se consolidaram na primeira colocação neste dia.
A final feminina da ginástica artística por equipes aconteceu na terça-feira, 30. As ginastas estadunidenses abriram a disputa no salto sobre o cavalo, com destaque para o movimento nota 14.900 de Simone, levando a arena ao delírio, em suma maioria, dos Estados Unidos.
Atuais vice-campeãs, levaram a melhor em todos os “duelos” no revezamento com a Itália na primeira rotação. Mesmo com nota alta, a brasileira Rebeca Andrade conseguiu o auge do dia, superando Simone, 15.100; fato esse que fez com que a mídia, principalmente a do Brasil, priorizasse o foco na rivalidade entre as duas ginastas, mesmo competindo indiretamente neste dia. O resultado foi ouro para as estadunidenses, com italianas e brasileiras completando o pódio.
Já a final feminina do individual geral, ocorrida na quinta-feira (01), Biles abriu a competição na liderança depois de começar com o salto, seu maior ponto positivo.
Realizou sua assinatura: “Yurchenko double pike”, ou “Biles II”, e marcou 15.766. O desempenho despertou comentários de torcedores ao analisarem que Rebeca possuiu menos erros na apresentação, entretanto publicações de fãs e especialistas no assunto descreveram que o salto de Simone obtinha um risco maior. Mas sua liderança desapareceu na próxima rotação. Nas barras assimétricas, o resultado foi abaixo do esperado com um balanço de barra alta para barra baixa, fazendo com que seus joelhos quase escovassem o chão, ganhando apenas 13.733 (pouco mais de meio ponto abaixo de suas duas pontuações anteriores em Paris).
Isso a deixou em terceiro lugar, atrás de Rebeca Andrade e Kaylia Nemour, da Argélia.
Pressionada, foi se redimir na trave, um aparelho de grande dificuldade. A série foi muito bem executada, mesmo com um leve desequilíbrio que ocorreu em meio a movimentos de giro.
Ao final, saiu do aparelho executando pirueta dupla no mesmo eixo, movimento que poucos atletas ousam fazer, e após obter 14.566 pontos, assumiu a liderança.
No último aparelho, o solo, chegou com a ameaça do ouro. Todos os espectadores nos 10.100 assentos da Bercy Arena olhavam atentamente para Simone, que não se intimidou e deslumbrou com sua impecável apresentação de Solo, enquanto sorria, e saiu do tapete segurando seus dois dedos ponteiros no ar.
Com o resultado de 15.066, mais uma medalha de ouro completando seu currículo. A final das barras assimétricas, no dia seguinte, não contou com sua participação por não ter se classificado, deixando a colega Sunisa Lee com a medalha de bronze.
A próxima medalha veio com o gostinho de nostalgia; na final feminina dos saltos, Biles faturou seu terceiro ouro, com média de 15.300 contra 14.966 de Rebeca, que conquistou a prata. A nostalgia chega para lembrar que há duas edições, na Rio 2016, a atleta se consagrou campeã olímpica no mesmo aparelho.
O último episódio em Paris para Simone não poderia ter outro enredo: emoção, com um tempero surpresa. Eram duas finais mais esperadas: a de trave e o solo.
A torcida animada na Bercy Arena ao esperar a vez de Simone na trave, quando em um certo momento, a animação se transformou em uma surpresa desagradável: após uma falha em seu movimento, a ginasta sofreu uma queda na final da trave. Enfrentou dificuldades, mas concluiu sua apresentação com coragem e profissionalismo.
A nota 13.100 chegou com um gosto amargo e engolido a seco pelos estadunidenses ao ver sua heroína caindo para o quinto lugar. O ouro foi conquistado pela italiana Alice D’amato. De acordo com o jornal britânico “The Sun”, Biles estava visivelmente frustrada e teria, supostamente, se irritado com os comentários da plateia sobre sua performance.
O último bloco das finais, ou rounds, chegou com a final feminina do solo. A ginasta com seu collant de cinco mil cristais entra novamente na arena com um sorriso no rosto, na esperança de encerrar com chave (medalha) de ouro. Foi a sétima a entrar, com a missão de também recuperar a liderança, nas mãos de Rebeca Andrade. Uma apresentação incrível, porém com destaque negativo para as duas vezes em que seus pés pisaram fora do solo, com a nota de 14.133, o ouro é da brasileira. O bronze ficou com Jordan Chiles, após uma alteração dos juízes.
O encerramento com “chave de prata” parece não ter desanimado Simone, ao contrário do que foi visto mais cedo no mesmo dia, com a coincidência de também ter ficado atrás de Rebeca, que ficou em quarto lugar na final da trave, ambas se cumprimentaram, e na hora do pódio, as estadunidenses se curvaram no momento em que a brasileira sobe ao pódio para receber sua medalha de ouro.
Não foi dessa vez, mas ao parecer do momento, Simone já esperava receber sua primeira medalha de prata da edição francesa, após uma sequência exitosa de três ouros.
Simone Biles x Rebeca Andrade.
Como mencionado, muito se tem falado sobre a rivalidade na ginástica artística. Não é à toa que o talento de Rebeca a deixa na posição de ser uma ameaça para a melhor do mundo atualmente.
O currículo da brasileira não nega: possui medalha de prata olímpica no individual geral dos jogos de Tóquio 2020, além do título de Salto naquela mesma edição e foi campeã mundial na somatória dos aparelhos em 2022, além de dois títulos nos Saltos em 2021 e 2023.
No documentário “O Retorno de Simone Biles”, produzido pela Netflix e atualmente figurando entre os dez produtos em alta na plataforma, Biles afirma sua admiração e respeito por Rebeca Andrade, admitindo também que ela é a atleta de que mais possui “medo” de competir.
Em uma live feita horas antes da final feminina de saltos, ela rasga elogios: “Vou falar para vocês, Rebeca é boa. Ela é boa. Eu diria que ela é a minha maior competidora. Nós somos parecidas em termos de pontuação geral. Eu não tive uma competição como essa há um tempo. Estou realmente animada em competir com ela.”, disse Biles.
Em uma coletiva, Simone declara o desejo de não competir mais com a brasileira, pois nunca vivenciou uma atleta tão perto de alcançá-la (e termina em risos).
Rebeca retribui a admiração e descreve Biles como fenômeno: “Simone é a melhor, então tira o melhor de mim também. Eu estou muito feliz que ela está aqui, principalmente depois do que vivenciou em Tóquio. Saber que ela está bem, que curtiu cada momento, que está fazendo por ela também. Essa é a vida do atleta”, finalizou.
Após a final do solo, com o ouro de Rebeca e a prata de Simone, a verdade impera: Biles está certa da ameaça brasileira. O capítulo de Paris se encerra com uma reverência muito aplaudida para a medalhista de ouro. É difícil dizer se o trono ocupado pela estadunidense já não é mais dela, também é cedo. Isso só o tempo e as próximas competições dirão.
A rivalidade existe somente na ginástica. Fora dela, ambas se cumprimentam, abraçam e vibram pela vitória uma da outra. Qualquer interação entre as atletas viraliza nas redes e vira um ponto de apoio para quem acompanha os dois maiores nomes da ginástica da atualidade.
O futuro: Los Angeles a espera em 2028?
Ao reescrever sua história nas Olimpíadas com êxito e muita superação, Simone deixou aberta a possibilidade de competir na próxima edição dos jogos olímpicos de 2028, em Los Angeles. Depois de conquistar o ouro do salto neste sábado, discursou que “nunca se sabe, mas estou ficando muito animada”.
Apesar desse talvez, ela declara que é a última vez que faz a sua marca registrada, o Biles II, e se queixa de perguntas sobre seu futuro: “Vocês precisam parar de perguntar para os atletas que conquistaram medalhas sobre o que vem a seguir. Nos deixem desfrutar de algo que trabalhamos nossa vida toda para conquistar”, afirmou Simone, em uma postagem.
Fato é que todos queremos saber quais serão os próximos passos, ao mesmo tempo que devemos compreender o merecido descanso (não só físico, mas mental de uma pós-Olimpíada).
Da desistência de Tóquio ao triunfo de Paris, Biles é um exemplo da grande reviravolta que a vida pode nos dar, mesmo ao derramar muito suor e ser leal à sua saúde mental.
Seu legado fica para a próxima geração, outras Simones para competir em futuros páreos olímpicos, e quem sabe futuras Rebecas para alimentar futuras rivalidades esportivas?
“Não sou o próximo Usain Bolt ou Michael Phelps. Eu sou a primeira Simone Biles”. Finaliza.