
Sharlene Esse: a Primeira-dama Trans do Teatro Pernambucano revisita memórias e celebra 46 anos nos palcos
Da boate Misty ao cinema com Kleber Mendonça e Hilton Lacerda, conheça Sharlene Esse em entrevista exclusiva ao Planeta FODA
Por Kaio Phelipe
Sharlene Esse nasceu em Bom Conselho, interior de Pernambuco, e foi radicada em Olinda. Sua trajetória se entrelaça com a história do teatro pernambucano, tendo participado do Vivencial Diversione, um grupo teatral transgressor de Olinda, ao lado de Pernalonga, figura lendária da cultura brasileira retratada na biografia escrita por Márcio Bastos, lançada pela Editora Cepe.
Sharlenne atuou por muitos anos na lendária boate Misty, onde se apresentava dublando Donna Summer e Diana Ross, até ser aconselhada pelo ator Múcio Catão a interpretar Gal Costa.
Por sua trajetória, Sharlene recebeu diversos prêmios e títulos, incluindo o de Primeira-Dama Trans do Teatro Pernambucano e o Troféu Madame Satã de Atuação.
No audiovisual, tem parcerias com Kleber Mendonça Filho – incluindo o aguardado O agente secreto –, Hilton Lacerda e Henrique Arruda.
Em entrevista exclusiva para o Planeta FODA e Mídia NINJA, Sharlene fala sobre seus 46 anos de carreira, que irá comemorar entre os dias 24 e 28 de setembro, com o espetáculo Shá da meia-noite, no Teatro Fernando Santa Cruz (Centro Cultural Mercado Eufrásio Barbosa), em Olinda.

Qual memória guarda do Vivencial Diversiones e da amizade com Pernalonga?
Conheci o Vivencial andando de ônibus. Eu ia para o cursinho e passava sempre na porta. O colorido e as luzes piscas-piscas chamavam muita atenção. Uma vez, desci para ver o que era e conheci o Vivencial. Dessa época, a lembrança que guardo é do primeiro show de calouro que participei. Foi Pernalonga quem me convidou e quem me levou para fazer um número.
Conheci Pernalonga na praia, quando ele me convidou para o show. Fui assistir a ele em cena e aí começou a nossa amizade. Depois a gente se encontrava para fazer o “Acorda, Povo”, os cortejos que ele fazia pelas ladeiras de Olinda.
Como era trabalhar na lendária boate Misty?
A boate Misty foi a minha segunda casa. Fui para a Misty fazer Donna Summer. Primeiro, fiz Donna Summer por duas vezes no Vivencial e ficou muito marcado. As pessoas gostaram muito. Aí fui para o programa, uma competição de calouros, que acontecia aos domingos na Misty, que ficava na atual Rua do Riachuelo. Participei do programa como Donna Summer e ganhei. Fiquei onze anos trabalhando como Donna Summer na Misty, que era o meu carro-chefe, até Múcio Catão me descobrir para fazer Gal Costa. Mas o meu carro-chefe da Misty era Donna Summer e Diana Ross.
Como era fazer teatro em Pernambuco durante a ditadura militar?
Fazer teatro durante a ditadura não era fácil. Você ensaiava por dois meses e no dia do ensaio geral era preciso apresentar o espetáculo na íntegra para dois sensores, que ficavam sentados na plateia assistindo. Primeiro, você enviava texto para a Polícia Federal. Se eles gostassem, tudo bem. Se não gostassem de alguma coisa, grifavam para ser cortado. Na hora da apresentação, eles diziam que a parte grifada não poderia ficar. O ensaio seguia e depois eles davam o aval para a estreia no dia seguinte.
Sobre censura, todo mundo que fazia qualquer tipo de arte estava sujeito. Todos os espetáculos tinham que ter dois policiais federais para assistir e aprovar o que podia e o que não podia. Todo mundo que fez teatro durante a ditadura militar passou por essa dificuldade de não poder se apresentar livremente.
Tinha um delegado chamado Aracati, que era homofóbico e transfóbico. De uma hora para a outro, ele resolveu exterminar todo mundo que fazia vida. As pessoas que ficavam nas esquinas e eram travestis eram duplamente perseguidas. Quando não era pelo Aracati, era por algum policial a mando dele. Foi uma época cruel para todo mundo que vivia na rua ou que era travesti.

Como recebeu o título de Primeira-dama Trans do Teatro Pernambucano?
Recebi o título de Primeira-dama Dama Trans do Teatro Pernambucano quando fiz quarenta anos de profissão, em 2019. Fiz um espetáculo chamado É Tudo Verdade, e uma emissora fez uma homenagem e me deu esse título com um troféu. Foi pela minha trajetória de quarenta anos – agora já são quarenta e seis – e por ter muita coisa registrada em material impresso. Até agora estou em atividade. Não fui só da dublagem e das boates. Migrei para o teatro e agora estou migrando para o cinema. Passei também pelos podcasts durante a pandemia. Sempre fui uma pessoa que soube me reinventar de acordo com o tempo.
Quando começou sua relação com Gal Costa nos palcos?
Meu primeiro contato com a Gal Costa foi durante Gal Tropical, que fui assistir no Teatro do Parque. Depois, o Múcio Catão me maquiou e fui fazer Gal Tropical na boate Misty. Meu maior contato com a Gal foi no show Vaca Profana, que fui com o figurino e com a maquiagem iguais aos que ela usava. Foi um burburinho no teatro do Centro de Convenções. Foi uma coisa espantosa para quem estava lá. A maquiagem branca na cara chamava muita atenção e ela me deu tchau do palco.

Quando começou sua trajetória no audiovisual?
Recebi o Troféu Madame Satã de Atuação do 1° Pajubá – Festival de Cinema LGBTI+ do Rio de Janeiro, pela minha participação em Os últimos românticos do mundo, de Henrique Arruda. Foi o primeiro curta-metragem que participei, faço a mãe de uma personagem. Tive a graça de cair na graça do júri e receber o troféu, que também foi a chave de virada para minha trajetória no audiovisual e até agora estou emendando um projeto no outro, uma série na outra. Estou só felicidade pelo que eu venho fazendo.
Fiz uma participação em O agente secreto, de Kleber Mendonça Filho. Foi uma cena gravada no Parque Treze de Maio. Foi maravilhoso. Se dedicar a uma coisa que você gosta é sempre uma emoção. Cada batida de claquete é uma emoção. O Kleber é um amor de pessoa, com a maior paciência e deixa você à vontade para criar em cima da cena.
Agora estou trabalhando com o Hilton Lacerda, está sendo uma delícia. É meu segundo trabalho com ele. Antes havia participado da série Lama dos dias. Acho que desse contato durante o primeiro trabalho que surgiu o convite para fazer o atual longa-metragem, chamado O rio. Em breve, iremos começar a gravar.
É sempre um desafio novo que vai surgindo, a gente vai pegando, fazendo e ficando cada dia mais feliz. Estou muito encantada com o mundo do audiovisual.
