A exclusão da diversidade feminina, não levando em consideração orientação sexual, gênero e raça, volta a minimizar a existência de uma mulher

Em 8 de março mulheres de todo o mundo se unem para lutar por seus direitos (Imagem: Adrian Vidal)


Por Mayara Alves

Alguns acreditam que a data foi criada por conta de um incêndio criminoso no dia 8 de março de 1857, em que o dono de uma fábrica tranca e incendeia suas operárias ativistas para acabar com as greves, mas isso é uma intensificação da história do feminismo. O que de fato aconteceu se passou em uma fábrica têxtil em Nova York, no dia 25 de março de 1911. Provocado por uma fiação elétrica em péssimo estado, um incêndio acabou matando mais de 140 pessoas, sendo 125 mulheres operárias. Nesse mesmo período, as trabalhadoras estavam realmente realizando manifestações em prol de seus direitos trabalhistas e, para conter esses motins e greves, os patrões trancavam as portas a fim de que ninguém saísse.

Porém, desde 1910, uma ativista do partido comunista alemão já vinha encabeçando discussões a respeito de um dia para trazer visibilidade às mulheres. Com o incêndio em NY (1910) e uma greve de mulheres operárias na Rússia em 1917 (essa sim no dia 8 de março), março se torna o mês das mulheres e, finalmente, em 1975, a ONU proclama o dia 8 do mês como Dia Internacional da Mulher.

Com isso, podemos perceber que o 8M é um dia que precisou de anos de movimentação para vir a existir e com ele lembrarmos de buscar a visibilidade de nossos direitos e espaço igualitário na sociedade, não um dia só para receber flores e bombons.

Autora, professora e artista estadunidense, bell hooks é uma referência do ativismo feminista e antirracista. (Foto: Mónica Almeida | The New York Times)

A autora feminista negra bell hooks comenta em um livro que “ser membro de um grupo explorado não torna ninguém mais inclinado a resistir”, ilustrando a intersecção que quero fazer. Ser parte de uma minoria não faz o download de noções políticas a fim de te colocar numa posição de super aliada da mesma causa. Por exemplo, nascer mulher não te torna automaticamente uma contribuinte ativa do movimento. Segundo Simone de Beauvoir, “ninguém nasce mulher”, não é mesmo?!

E, a partir disso, te pergunto: para quem é dedicado seu 8 de março? Para “a mulher branca cis que teve acesso à faculdade e hoje luta para subir na carreira”, na mesma medida que é para “a mulher negra trans que teve que se prostituir para poder pagar por suas necessidades básicas”?

Os grupos de Feministas Radicais (Rad Fem) enfatizam que mulheres trans não são mulheres de verdade por conta da biologia do corpo e porque não foram socializadas como tal, portanto não deveriam ser levadas em consideração quando pensamos no feminismo. Mas fico me questionando se, ao escolhermos quem é mulher o suficiente para fazer parte do movimento, não estamos fazendo como os patriarcas quando decidiram que não éramos educadas o suficiente para votar. O que interessa é o direito da mulher ou quem é mulher direito?

Durante o “Levante do Ferro’s Bar”, Rosely Roth discursa para impedir o fim da circulação do boletim ChanacomChana. (Foto: Reprodução | Acervo Folha de São Paulo)

No Brasil, por volta de 1932, as mulheres se uniram pelo sufrágio e por causa delas hoje podemos votar. Essa movimentação trouxe forças para um feminismo que dava voz para as particularidades das mulheres brasileiras. No entanto, somente em meados de 1980, as mulheres lésbicas criaram dentro do grupo “SOMOS” o grupo “Lésbicas Feministas”, que em 1983 foi responsável pelo “Levante ao Ferro’s Bar”, um marco no movimento LGBT+ contra a Ditadura Militar e suas opressões.

Não acha curioso que só depois de quase 50 anos de um movimento feminista no Brasil tenha surgido um grupo feminista de mulheres LBT? Isso é porque nós ainda não existíamos e se tratava de um país hétero-cis? É claro que não, sempre estivemos aqui, mas precisamos criar nosso próprio grupo feminista para ter um espacinho na história.

Os primeiros grupos feministas resistiram em aceitar sáficas e mulheres trans, se tornando mais flexíveis quando as lésbicas trouxeram para a discussão a violência doméstica. Por um instante elas se encontraram, “enquanto umas apanhavam de seus maridos em casa, outras apanham de desconhecidos em locais públicos”.

Uma das pioneiras do conceito de feminismo interseccional, Audre Lorde foi uma escritora, feminista, negra, lésbica e filha de imigrantes caribenhos que viviam nos Estados Unidos. (Foto: Getty Images)

“Eu não sou livre enquanto alguma mulher não for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas”, trecho de produção da ativista-negra-lésbica, dos anos 70/80, Audre Lorde.

Ampliar o olhar para o que se conhece por “mulher” e “feminino” permite que políticas públicas sejam criadas para abranger todas nós. A saúde da mulher, os direitos civis, a sociedade não está sendo feminista quando não tem suporte para atender uma mulher trans ou não sabe lidar com uma mulher que se relaciona com outra mulher.

É óbvio que nenhuma mulher vive a mesma existência, porém uma andorinha só não faz verão. Quando falamos de uma data cunhada a fim de trazer à tona a desigualdade, creio que não deveríamos buscar mais marcadores para segregação. A exclusão da diversidade feminina, não levando em consideração orientação sexual, gênero e raça, volta a minimizar a existência de uma mulher.

Com isso, finalizo torcendo para que a resposta à “seu 8M é para quem?” não seja nada “tradicional”.

Leia mais:

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