Sem reduzir rebanho ou conter avanço da soja, governador de MT quer zerar emissões de CO2 até 2035
Para alcançar meta, acredita que a ciência, pesquisas e tecnologia devem ajudar
Na primeira semana da Conferência Mundial sobre o Clima (COP26), bastante pressionado, o governo brasileiro prometeu zerar o desmatamento até 2030 e ainda nesse mesmo ano, reduzir em 50% as emissões de carbono e 30% de metano. Compromisso que já é visto com descrença. Mauro Mendes (DEM), governador de Mato Grosso, estado que é o maior produtor de soja do mundo e que possui o maior rebanho do Brasil, segundo o IBGE, avalia que é uma meta ambiciosa.
Em entrevista à MÍDIA NINJA, em Glasgow, disse que não há jeito de alcançar as metas, se não com a participação de todos, pois segundo ele, “os gases estão afetando nossa atmosfera e o clima”. Certo disso, relembrou o tempo em que era criança em Goiás: “chovia por um mês, isso não acontece mais. Em Mato Grosso, as chuvas também têm diminuído. Se continuar assim, teremos dificuldade para produzir”.
Ele também firmou compromisso. Quer zerar as emissões de carbono em até 14 anos, ou seja, seu prazo é 2035. Para conseguir alcançá-la, acredita que a ciência, pesquisas e tecnologia devem ajudar. Ou seja, a meta é continuar mantendo liderança no setor produtivo. “Se a ciência conseguiu criar em um ano a vacina para esse vírus desconhecido que amedrontou o planeta…”.
Será que é possível zerar emissões de CO2, sem reduzir o tamanho do rebanho e mantendo a produtividade das lavouras de soja? Mato Grosso lidera os números da pecuária no Brasil porque tem 39,7 milhões de cabeças de gado. Segundo dados do IBGE, divulgados em setembro, houve um aumento de 2,3% em 2020.
Caso confirmadas as estimativas do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), a estimativa de produção de soja no estado na safra 2021/22 é de 37,41 milhões de toneladas será 3,76% superior em volume ao colhido na temporada anterior, de 36,05 milhões de toneladas, com aumento de 3,59% na área plantada.
“Com ciência e tecnologia reduziremos as emissões sem que tenhamos que reduzir rebanhos, sua produtividade e importância que tem na cadeia produtiva brasileira”, disse.
Ao ser questionado por nossa equipe como pretende cumprir a promessa, com ênfase na contenção do desmatamento, disse que a questão está sendo discutida em um plano muito maior. “O desmatamento é importante, sim. Mas o grande objetivo do planeta é reduzir as emissões de carbono. Esse é o grande esforço que estamos fazendo”, ao que parece, alheio ao fato de que para grandes extensões de lavouras de soja e áreas de pasto, é preciso derrubar a floresta. A mesma que tem a função de regular o sistema climático e produz chuvas regulares, como do tempo que era criança.
O desmatamento é uma das principais fontes das emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Por conta do desmatamento é que a Amazônia está se tornando uma emissora de carbono.
Segundo relatório do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, as emissões brasileiras de gases de efeito estufa em 2020 cresceram 9,5%, enquanto no mundo inteiro elas despencaram em quase 7% devido à pandemia de Covid-19.
A alta no desmatamento no ano passado, em especial na Amazônia, pôs o Brasil na contramão do planeta. O SEEG calculou em 2,16 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (Gt CO2e) as emissões nacionais brutas no ano passado, contra 1,97 bilhão em 2019. É o maior nível de emissão do país desde 2006.
Setor agropecuário
Para surpresa de ninguém, como aponta o SEEG, quem puxou a curva para cima e tornou o Brasil possivelmente o único grande poluidor do planeta a aumentar suas emissões no ano em que o planeta parou foi o setor de mudança de uso da terra. Representadas em sua maior parte pelo desmatamento na Amazônia e no Cerrado (que, somados, perfazem quase 90% das emissões do setor), as mudanças de uso da terra emitiram 998 milhões de toneladas de CO2e em 2020, um aumento de 24% em relação a 2019 (807 milhões).
As emissões da agropecuária, que abarcaram 577 milhões de toneladas de CO2e (27% do total nacional) em 2020, também sofreram uma alta, de 2,5%. É a maior elevação desde 2010 num setor cujas emissões nos últimos anos vêm oscilando pouco. Isso ocorreu em parte por uma razão contraintuitiva: a crise econômica diminuiu o consumo de carne, com uma redução de quase 8% no abate de bovinos. O rebanho nacional cresceu 3,2 milhões de cabeças, o que, por sua vez, aumentou também as emissões de metano por fermentação entérica (o popular “arroto do boi”).
Orgulho brasileiro
Cobrando orgulho brasileiro em relação aos países que pedem rastreamento de produtos, pede que para importações, haja rastreamento também. “Só nós brasileiros ficamos no passivo tendo grandes ativos ambientais, prestando grandes serviços ao mundo e não exigindo que os outros países que também tenham que cumprir metas até para que possamos continuar importando produtos desses países”.
Em relação às imposições para exportação, disse que se deve exigir da França, por exemplo, que ao comprar seus produtos, seja feita rastreabilidade também. “E que tenham pelo menos 30% de ativos florestais. Meu estado é grande produtor de alimento e produz 62%, então, temos que sentar na mesa no mesmo patamar”.
Sobre os produtores que ainda apostam em modos de produção ultrapassados, sem ajuda da ciência e tecnologia, é taxativo: “estão vivendo no passado” e que não precisa ser cientista ou estudioso para entender que as mudanças climáticas estão interferindo no planeta. E vale ressaltar, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), aponta que a influência humana é responsável por alta de 1,07°C na temperatura global, desde o período da Era Industrial.
De olho nas terras indígenas
Questionado sobre o importante papel dos povos indígenas na conservação dos biomas, especialmente amazônico, presente no território mato-grossense, Mauro Mendes disse que reconhece a importância deles. “Entretanto, vejo muitos povos que têm milhões de hectares e índios passando fome, tendo dificuldade de sobreviver em seu território”.
Em sintonia com o discurso de Jair Bolsonaro, que bate na tecla de que as terras indígenas devem ser abertas à exploração, Mauro Mendes já tem até algumas investidas no sentido de estimular a agricultura mecanizada em terras indígenas, com a doação de tratores. Assim como Bolsonaro, o governador não entendeu que os guardiões da floresta têm modos de vida tradicionais, os colocando-os no mesmo lugar que a população urbanizada, ou dedicada à agricultura.
“Se eles prestam – e prestam – esse serviço ambiental, devem receber pagamento por isso. O mundo deve pagar pelos serviços ambientais que tanto falam, mas não apareceu nenhum dinheiro. Somente migalhas. Porque quando eles falam que vão dar US$ 12 bilhões de dólares, isso é dinheiro de troco, dizendo que é para salvar o planeta”. Ele destaca que na pandemia foi investido 200x mais em 1 ano. “Agora, para salvar o planeta, isso é dinheiro de troco, não dá nem para começar”.
Sobre a construção coletiva de um planejamento para conter o desmatamento ilegal – incluindo indígenas e quilombolas, diz que o governo mato-grossense faz sua parte, com monitoramento via satélite, cobrindo 100% do território e com detecção 24h de qualquer movimentação ilegal. “Mas estamos abertos a receber contribuições do terceiro setor, da sociedade, dos cidadãos, de bancos internacionais, recebendo recursos, nunca abrindo mão de nossa soberania. Respeitando o meio ambiente porque ele é parte do nosso presente, do nosso futuro e até da própria produção que fazemos do setor primário da agricultura”.
Desmatamento ilegal
Para zerar emissões, mantendo a produtividade de lavouras e sem reduzir rebanho, há mais uma tarefa a fazer: zerar o desmatamento ilegal. O Estado é também, o maior fornecedor de madeira nativa do Brasil e responsável por metade da produção total da Amazônia. Entre agosto de 2019 e julho de 2020, mais de 88,3 mil hectares de florestas foram ilegalmente. explorados entre agosto de 2019 e julho de 2020, de acordo com o estudo “Mapeamento da ilegalidade na exploração madeireira em Mato Grosso em 2020“, divulgado em outubro.
O levantamento aponta que, embora com tendência de redução dos últimos anos, a proporção de ilegalidade segue em um preocupante patamar de 38% do total de áreas exploradas no período – ou seja, de cada dez hectares explorados no Estado para atender aos mercados nacional e internacional de madeira, em torno de quatro não foram autorizados pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema/MT). O número da ilegalidade representa um aumento de 10% em relação ao ano passado, que somou 37% do total da exploração madeireira feita de forma ilegal entre 2018 e 2019.
A @MidiaNinja e a @CasaNinjaAmazonia realizam cobertura especial da COP26. Acompanhe a tag #ninjanacop nas redes!