Secretário de Políticas Digitais nega censura no PL das Fake News e defende fiscalização das plataformas
Em audiência na Câmara, entidades da sociedade civil defendem regulação das plataformas digitais e repudiam ataques das empresas à proposta
Em audiência na Câmara, entidades da sociedade civil defendem regulação das plataformas digitais e repudiam ataques das empresas à proposta
Por Agência Câmara de Notícias
O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, João Brant, negou na quinta-feira da semana passada (4), que o chamado PL das Fake News (Projeto de Lei 2630/20) promova censura. Em audiência pública na Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados , ele disse que o projeto, ao contrário, garante a liberdade de expressão em equilíbrio com outros direitos.
A votação do projeto pelo Plenário da Câmara estava prevista para a última terça-feira (2), mas o texto foi retirado de pauta pelo presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), a pedido do relator.
“A sociedade brasileira vive hoje sob o impacto de redes sociais completamente desreguladas. Oitenta por cento da população é a favor da regulação das plataformas, e a Câmara está com a oportunidade de votar um projeto equilibrado, construído a partir de debates realizados nos últimos três anos, que trata direitos de maneira sofisticada, protegendo ao mesmo tempo a liberdade de expressão individual e a coletiva”, afirmou Brant.
“Nós não podemos perder esta oportunidade caindo em lorota tanto das plataformas, como de deputados muitas vezes oportunistas, que utilizam um discurso como se estivessem defendendo a liberdade de expressão para mentir e atacar o projeto”, completou.
Para ele, as plataformas não querem o PL 2630 porque não querem responsabilidades. “O projeto não tem nada de Ministério da Verdade, nada que possa se aproximar de censura. Ele protege crianças e adolescentes que hoje estão sujeitas – como a gente tem visto sistematicamente evidências – a um tipo de conteúdo inadequado à sua faixa etária, porque não há um ambiente de cuidado das plataformas, e o que nós precisamos fazer é dar tarefas para as plataformas”, acrescentou.
Entidade de fiscalização
Brant observou que a versão anterior do projeto previa uma entidade autônoma de supervisão, criticada por alguns deputados, que foi retirada da última versão do texto. Segundo ele, essa entidade foi pensada não para tratar de conteúdos individuais, mas para fiscalizar as plataformas em relação às obrigações que passariam a assumir com a lei, se aprovada.
Alguns deputados sugerem que essa entidade seja a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados. “Vamos discutir qual é a melhor solução, só não vamos sair com uma lei que não consegue garantir a própria aplicação dos preceitos que ela traz”, ponderou. Para ele, a Câmara precisa fazer ajustes no texto, mas precisa votá-lo nas próximas semanas.
Cadeia lucrativa
Na audiência, as organizações da sociedade civil ouvidas foram unânimes em defender a aprovação da proposta. Coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação, Viviane Tavares ressaltou que a desinformação faz parte de uma cadeia intencional e lucrativa, conforme mostra a pesquisa recente lançada pela organização Combate à Desinformação e Discurso de Ódio na Amazônia Legal , que mapeou a disseminação de conteúdos enganosos na região.
“Não sabemos ao certo a origem desse misto de conteúdos que têm como objetivo desinformar e são replicadas por figuras públicas, em especial parlamentares estaduais e federais, e financiados por esquemas escusos, até mesmo dinheiro público”, disse. Segundo ela, as plataformas não são neutras, lucram com conteúdos que geram cliques e não têm preocupação ética em combater o fenômeno de desinformação.
Ela listou pontos que considera importantes para enfrentar o problema: “Punir o uso artificial e industrial de plataformas de mensageria; proteger os dados pessoais e fiscalizar o seu uso; conceder o direito de resposta rápida e proporcional; exigir transparência na atuação das plataformas.”
Viviane Tavares defende o PL 2630/20 como uma oportunidade de avançar para um ambiente digital que proteja cidadãos. Ela defende também um órgão regulador para fazer valer direitos, além da regulação econômica das empresas digitais, hoje concentradas basicamente em dois grandes grupos.
Ataque das plataformas
Diretora de campanhas da Avaaz, Laura Moraes denunciou o que considera “o ataque desleal, mentiroso, um abuso econômico das plataformas” contra o PL das fake news nos últimos dias. Como parte desse ataque, ela mencionou que a Avaaz teve perfil derrubado pelo Twitter porque defendia o PL 2630/20. Além disso, o Sleeping Giant (organização de ativistas digitais) não conseguiu fazer anúncios favoráveis ao PL 2630 nas plataformas. Para ela, esses foram atos de censura.
Ela destacou que outros países já regulamentam as chamadas big techs, como os da União Europeia, e que no Brasil ações e discursos ilegais na vida real não são regulados na rede.
“A minha pergunta para o Parlamento brasileiro é: o que a gente está esperando? A gente está esperando um novo ataque nas escolas, mais brutal dos que os últimos? A gente está esperando mais censura nas redes? A gente está esperando que o ódio se espalhe de maneira que fique incontrolável?”, questionou.
Representante da organização Diracom – Direito à Comunicação e Democracia, Bruno Marinoni, por sua vez, lembrou que o Google colocou na sua página principal de busca artigo contra o PL 2630. Na visão dele, a plataforma utilizou sua força de monopólio para defender interesses corporativos, negligenciado “o básico de uma sociedade pautada em valores democráticos, liberdade de expressão e justiça social”. Para ele, o País viveu esta semana “o 8 de janeiro das plataformas”, que teriam tentado criar um clima de terror para desestabilizar as instituições e o debate público.
Regulamentação urgente
Representante da Coalizão Direitos na Rede, Paulo Rená também considera urgente a regulação das plataformas por meio do PL 2630. Segundo ele, após a aprovação rápida pelo Senado em 2020 de um texto que considera “catastrófico”, o projeto passou por ampla discussão em grupo de trabalho da Câmara, com participação da sociedade civil.
“A gente precisa urgentemente dessa lei para que nosso Poder Judiciário possa lidar com as situações a partir de um marco legal comum, específicos para essas situações”, afirmou.
Essas situações, observou, incluem não apenas as notícias falsas, como também a desinformação e as manifestações nocivas, incluindo assédio moral, sexual, discurso de ódio, racista, misógino, homofóbico e transfóbico.
A deputada Carol Dartora (PT-PR), que pediu o debate, também considera a regulamentação das big techs urgente. “A regulação das plataformas é importantíssima para o combate à desinformação, combate às fake news, ao discurso de ódio”, disse.
“Não se trata de censura. As plataformas vão ter apenas a obrigação de avaliação de risco e de agir em casos específicos onde há risco grave e eminente à integridade física das pessoas, à saúde pública, à democracia, por exemplo, em caso de pandemia”, resumiu a parlamentar.
“Ou o Estado regula, ou o Parlamento legisla ou virão decisões com base na Constituição tomadas pela própria Suprema Corte”, avaliou o deputado Welter (PT-PR). Já a deputada Reginete Bispo (PT-RS) acredita que o PL 2630/20 não foi aprovado ainda “porque grande parte dos parlamentares se utiliza das fake news para se eleger”. Não houve participação de deputados da oposição no debate.
“Não é censura”
Coordenadora do Centro de Referência Legal do Artigo 19, Raquel da Cruz Lima também salientou que a regulamentação dos serviços digitais “não é censura”. Ela lembra, porém, que a liberdade de expressão só pode ser entendida em harmonia com a proteção de direitos humanos e pressupõe a garantia pelo Estado de que grupos historicamente vulneráveis exerçam plenamente o direito de se expressar e de receber informações.
Segundo ela, as grandes plataformas digitais e de mídia “por conta de sua constituição tecnológica, econômica, seu poder político, são em parte responsáveis por violações à liberdade de expressão e ao acesso à informação”. Isso ocorreria pela “formação de monopólios tecnológicos que inviabilizam a descentralização de informações, que exploram economicamente a atenção das pessoas, os seus dados pessoais, e capturam o debate público”. Ela defende mais transparência das plataformas e critica conferir mais poder de moderação de conteúdo a elas.
Diretor-executivo do Instituto Vero, Caio Machado observou que a liberdade de expressão pressupõe não apenas emitir opiniões como receber opiniões.
“Se o algoritmo é manipulado para diminuir o alcance de certas informações com base em vieses políticos, o direito da liberdade de expressão de toda a sociedade está sendo violado”, afirmou.
“Se elas estão removendo conteúdos, removendo contas, diminuindo o alcance de contas ou interferindo de qualquer forma na expressão individual, é imprescindível que isso seja explícito, seja explicado, e que os usuários tenham meios de recorrer”, disse.
Ele frisou que o usuário deve, nesses casos, poder judicializar e recorrer à autoridade responsável, para fazer seus direitos e buscar reparações. Na visão dele, hoje o cenário é arbitrário por parte das plataformas, que têm poder político e abusam do poder econômico.