Seca em uma região da floresta amazônica pode impactar áreas vizinhas e comprometer os rios voadores
Mesmo que a seca atinja somente uma região da floresta, suas consequências são sentidas em outras áreas e colocam em risco os rios voadores, grande quantidade de água que circula pela floresta, suspensa no ar, vital para o equilíbrio do ecossistema A seca pode atingir somente uma região da floresta amazônica, mas suas consequências se […]
Mesmo que a seca atinja somente uma região da floresta, suas consequências são sentidas em outras áreas e colocam em risco os rios voadores, grande quantidade de água que circula pela floresta, suspensa no ar, vital para o equilíbrio do ecossistema
A seca pode atingir somente uma região da floresta amazônica, mas suas consequências se estendem para outras áreas, multiplicando os impactos, mostra estudo desenvolvido por pesquisadores internacionais, com participação da USP. De acordo com a pesquisa, para cada três árvores que morrerão devido às futuras secas na floresta, uma quarta árvore – embora não diretamente afetada – também morrerá. Segundo os cientistas, o aumento das secas atinge de formas diferentes cada trecho da floresta. Como a falta de chuva diminui fortemente o volume de reciclagem de água, também haverá menos chuvas em regiões vizinhas, colocando ainda mais partes da floresta sob estresse significativo.
Isso traz um alerta quanto aos rios voadores. Uma das características da região amazônica é a presença de uma grande quantidade de água que circula pela floresta, suspensa no ar, vinda da evaporação e da transpiração das plantas, dando origem à evapotranspiração: um processo fundamental para o bom funcionamento do ecossistema amazônico.
O trabalho teve co-orientação de Henrique Barbosa, professor do Instituto de Física da USP e da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. O artigo descrevendo o estudo, Recurrent droughts increase risk of cascading tipping events by outpacing adaptive capacities in the Amazon rainforest, foi publicado na revista PNAS e faz parte de uma série de publicações do grupo que analisa as interações atmosfera e floresta a partir de modelos teóricos da física.
Com essa abordagem foi possível obter avaliações mais precisas sobre o funcionamento do clima. Segundo o professor Barbosa, um dos resultados relevantes foi calcular como a umidade amazônica se desloca para outras regiões e se transforma em chuvas no Sudeste e no Sul. “O nosso modelo mostrou, de forma inédita, que o transporte direto junto com o transporte secundário da umidade é responsável por 27% das chuvas nas regiões Sudeste e Sul. Se diminuir a umidade amazônica pela perda de cobertura vegetal, diminuirão as chuvas em outras regiões do País”, alerta. O transporte direto é a umidade que se desloca para essas regiões e se transforma em chuva. Já o transporte secundário da umidade é a contribuição de precipitação que ocorre ao longo de todo o percurso, evapora e volta a chover.
“Utilizamos um conjunto de dados acumulados em vinte anos, composto de informações pontuais da evapotranspiração em diversos pontos da floresta, os ventos que deslocam a umidade, os dados de precipitação e imagens de satélites. Esses dados foram analisados a partir da teoria de redes complexas e considera as conexões do sistema junto com as informações pontuais de cada local”, explica Barbosa ao Jornal da USP.
“Secas mais intensas colocam partes da floresta amazônica em risco de secar e morrer. Subsequentemente, devido ao efeito de rede, menos cobertura florestal leva a menos água no sistema geral e, portanto, a mais danos”, explica o primeiro autor do estudo, o pesquisador Nico Wunderling, do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático da Alemanha. “Embora tenhamos investigado o impacto da seca, essa regra também vale para o desmatamento. Isso significa essencialmente que, quando você derruba um acre de floresta, o que você está realmente destruindo é 1,3 acre”, diz Wunderling.
Rios voadores
Boa parte da água dos rios voadores retorna aos cursos d´água e solos por meio das abundantes chuvas e preserva o sistema floresta-atmosfera em equilíbrio. Com as alterações no clima, a quantidade de água em circulação diminui e começa acontecer um desequilíbrio.
Esse fenômeno atinge a floresta de maneira desigual devido à sua extensão. Existem regiões onde ocorrem secas periódicas enquanto outros locais têm abundância de chuvas todo o ano.
Diferenciar o que poderia ser um fenômeno natural e o que eram consequências do aquecimento global foi um dos resultados relevantes obtidos pela pesquisa, graças ao modelo matemático proposto, que permitiu diferenciar e quantificar as perturbações.
“No caso da região Sudeste da Amazônia, cerca de um terço de qualquer mudança potencial de floresta para não floresta é devido ao efeito cascata, ou seja, oriundo de outros locais, por exemplo, de regiões mais desmatadas a leste”, explica a coautora Marina Hirota, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, que contou com o apoio do Instituto Serrapilheira para este trabalho. “Já para outras regiões da Amazônia, em torno de 50% dessa mudança está associada à intensificação da estação seca, e não diretamente ligada àquele efeito cascata. Isso é muito importante para nosso entendimento de como o sistema funciona”, finaliza.
Mais informações: e-mails [email protected], com Henrique Barbosa; [email protected], com Marina Hirota; e [email protected], com Nico Wunderling.
Colaboração para o Jornal da USP de Ana Fukui, pós-doutoranda da FMUSP e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)