Há dois Brasis em Glasgow, na Escócia, participando da 26a Conferência das Nações Unidas para a Mudança Climática. Dois países contrapostos. Duas visões de mundo confrontadas. Dois projetos radicalmente distintos para a inserção do Brasil na geopolítica do século XXI.

Um é o Brasil que deu errado: o país cabisbaixo e envergonhado, sem qualquer credibilidade nas rodadas de negociação que têm sido levadas a cabo e que tem em Joaquim Leite, o Ministro do Meio Ambiente do Governo Bolsonaro, o chefe de sua delegação.

O outro é o Brasil da sociedade civil organizada: o país de Txai Suruí, a jovem de 24 anos, liderança indígena do povo Paiter Suruí, que calou a cerimônia de abertura com a doçura e a firmeza de suas contundentes palavras.

De um lado, o Brasil do agronegócio e do veneno na comida, o país que, pelo quinto ano consecutivo, bateu recorde na liberação de agrotóxicos e componentes industriais para a agricultura.

Do outro lado, o Brasil de Sônia Guajajara e dos povos indígenas que trouxe a Glasgow a maior delegação na história da presença indígena no evento e que vem se colocando na centralidade das soluções para a mudança climática. Apesar de representarem menos de 5% da população mundial, os povos indígenas respondem pela conservação de mais de 80% da biodiversidade do planeta.

O movimento negro e quilombola também tem marcado uma contundente presença na COP, para lembrar ao mundo que não haverá solução para a crise climática sem combate ao racismo, sem a retomada da redução da desigualdade que só fez crescer de maneira brutal no Brasil de Bolsonaro, o país da volta da fome.

As lideranças negras brasileiras presentes em Glasgow não apenas denunciaram ao mundo o genocídio do povo negro, mas apresentaram seus quilombos e a demarcação desses territórios como parte das soluções que precisam ser debatidas, assim como a urgência em inserir as periferias urbanas e suas demandas historicamente reprimidas no repertório das medidas que precisam ser postas em prática para a solução da crise climática.

Está também em Glasgow a agroecologia e a agricultura familiar brasileira, ecoando através das vozes do MST que segue sendo uma importante referência do movimento agroecológico em todo o planeta.

Está aqui o Brasil da Mídia Ninja, que conectou comunicadores de todo o mundo na organização da cobertura colaborativa das grandes marchas globais, que tomaram com um calor novo as ruas frias de Glasgow e que seguirão pulsando até o dia 10, com a People’s Summit, a Cúpula dos Povos, evento paralelo à rodada oficial de negociações quando os líderes deverão chegar a um plano consensual, seu cronograma de execução e suas fontes de sustentabilidade econômica, medidas decisivas para o futuro. “É nossa última chance”, explicava o ator Leonardo diCaprio em sua passagem por Glasgow. “Our best last chance!”, dizem os muros da cidade.

Delegação do governo inclui lobistas

Por incrível que pareça, apesar do apagão das políticas ambientais, do aumento descontrolado do desmatamento, do recorde inaceitável no assassinato de indígenas e do ódio declarado à natureza que caracteriza o governo Bolsonaro, o ministro Joaquim Leite trouxe à COP26 a maior delegação oficial credenciada para participar do evento, superando até mesmo Reino Unido, anfitrião da conferência.

O bolsonarismo desembarcou na Escócia trazendo na comitiva as famílias com suas primeiras-damas e um batalhão de pelo menos 57 lobistas custeados com dinheiro público para defender os interesses privados de empresas como a ERM, o grupo Tancredi, ComBio Energia, Pátria Investimentos, StoneCrabs, Minerva, Marfrig, Suzano, Raízen, WayCarbon e a BSBIOS. Enquanto banca a viagem de representantes do interesse privado, o governo brasileiro dificultou a presença da sociedade civil organizada e negou o credenciamento das ONGs ligadas à proteção do meio ambiente.

Os dois Brasis confrontados têm até mesmo espaços diferenciados dentro da Blue Zone da COP. De um lado, o estande oficial do Brasil que deu errado, sempre esvaziado e pouca participação estrangeira, até mesmo nos coquetéis boca livre que são oferecidos ali. Do outro lado, o Brazil Climate Hub, o espaço da sociedade civil, organizado pelo Instituto Clima e Sociedade (ICS), pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e pelo ClimaInfo, onde têm se concentrado as autoridades estrangeiras interessadas na inserção brasileira na solução para a crise climática. No estande da sociedade civil, a credibilidade daqueles que têm uma vida inteira dedicada ao meio ambiente. No estande oficial exibe-se o que tem sido chamado aqui de populismo climático: as fake news e uma tentativa desesperada e inútil de promover a lavagem da imagem de um país que, até bem pouco tempo atrás, era um dos protagonistas do debate sobre meio ambiente no âmbito internacional e que parece agora ter perdido seu lugar no mundo.

Comunidade internacional aguarda indicadores brasileiros

O Brasil de Bolsonaro chegou na COP26 como 1 dos 5 países que mais agravaram o aquecimento global e, em seu discurso, o ministro desse desgoverno prometeu uma nova meta climática embora não tenha até agora apresentado os dados da redução prometida. Essa é a terceira vez que o governo refaz a meta climática e, por isso mesmo, a divulgação dos dados e indicadores brasileiros é ansiosamente aguardada pela comunidade internacional. Apesar do ceticismo e da falta total de credibilidade que paira até mesmo sobre esses indicadores oficiais, as autoridades mundiais não desprezam  a importância do gigante latino-americano no desafio de interromper a mudança climática. Com a covardia e a ignorância que o caracteriza, o bolsonarismo partiu pro ataque e para intimidação contra membros da delegação que representa nossa sociedade civil.

Enquanto desconfia do Brasil oficial e das práticas de desinformação que caracterizam esse governo, o mundo olha com esperança para a sociedade civil organizada, para os povos indígenas, o movimento negro e quilombola, o movimento feminista, o midiativismo, a juventude das periferias, os trabalhadores da cultura, em suma: o povo brasileiro que resiste a um desgoverno da destruição e da morte.

Um povo que mesmo padecendo a dor coletiva do luto, foi capaz de chegar até Glasgow porque não sabe fugir da luta e superou todo tipo de obstáculo colocado no meio de seu caminho pela pandemia ou por Bolsonaro para dizer ao mundo que o Brasil continua vivo. O Brasil que resiste veio até Glasgow dizer ao resto do mundo que segue na luta para salvar o planeta. Apesar de Bolsonaro, o Brasil veio à COP26 dizer ao mundo que ainda pode contar com ele.

Este texto foi publicado originalmente no site desinformante.com.br

 

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