Por Mauro Utida

Diferente do que o ministro da Economia Paulo Guedes tem buscado transparecer — em reunião com outros ministros do governo, na última semana, ele deu quase como certa a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) — o país precisa ainda enfrentar grandes problemas caso queira efetivamente ser aceito na organização.

Em relatório da Transparência Internacional, divulgado nesta terça-feira (11), a organização mostra que o Brasil tem regredido na implementação de uma agenda anticorrupção. O país é signatário dessa convenção desde 2002 e sua implementação chegou a ser classificada como “moderada” na última avaliação, divulgada em 2020, mas agora, em 2022, o país regrediu para a categoria de “limitada”.

O Brasil foi um dos nove casos de países que viram as piores quedas em suas avaliações nos últimos anos e o país terá que provar de que está adotando medidas para cumprir a Convenção contra o Suborno de Agentes Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OCDE. Trata-se de um dos instrumentos mais importantes da legislação internacional contra a corrupção. A adesão à OCDE é um dos principais focos da política externa do governo Bolsonaro.

Da sua parte, o governo brasileiro alega em documento compartilhado com a organização que o Brasil aderiu a 108 dos 230 principais instrumentos normativos da instituição e que já solicitou adesão a outros 45 instrumentos. Porém, a Transparência Internacional lamenta que esse documento de autoavaliação, no entanto, está sendo mantido sob sigilo, o que significa que a sociedade brasileira não pode verificar qual é o retrato de país que seu governo está apresentando à OCDE.

Guilherme France, consultor da Transparência Internacional Brasil, declara que espera que o Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE estabeleça, entre as condições indispensáveis para esta adesão, a recuperação da autonomia das instituições de controle do Brasil, incluindo a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, e o fortalecimento dos mecanismos de investigação e persecução criminal de casos complexos de corrupção que ultrapassam fronteiras.

“Os inúmeros retrocessos para o combate à corrupção nos últimos cinco anos resultaram em uma piora na capacidade das instituições brasileiras de punir casos de suborno transnacional, o que, sem dúvida, impactará negativamente o processo de adesão do país à OCDE”, afirma France.

Retrocesso

O Brasil regrediu na implementação da Convenção Antissuborno da OCDE principalmente devido aos seguintes fatores que compõem um preocupante quadro de retrocessos:

  • Perda de independência de instituições que atuam no controle da corrupção internacional, em especial a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI, vinculado ao Ministério da Justiça);
  • Descontinuação do modelo das Forças Tarefas (essencial para investigações de casos complexos de corrupção internacional), sem sua substituição por estruturas adequadas de trabalho em equipe e cooperação interinstitucional;
  • Transferência da competência de investigação de casos de corrupção e lavagem de dinheiro quando associados a crimes eleitorais (como caixa dois) para a Justiça Eleitoral, com menos estrutura e especialização para processar crimes complexos;
  • Insegurança jurídica e deficiências legais sobre instrumentos vitais para o enfrentamento à corrupção transnacional, como os acordos de leniência, a recuperação de ativos e compensação de vítimas e a proteção aos denunciantes de boa-fé (whistleblowers);
  • Pouca transparência de dados sobre investigações contra o suborno transnacional e sobre as sanções aplicadas pela Controladoria-Geral da União (CGU), especialmente no caso de acordos de leniência.

Ranking mundial

Fonte: Transparência Internacional

A edição de 2022 do relatório “Exporting Corruption” alerta para uma baixa histórica global no combate ao suborno transnacional, com apenas dois países agora sendo classificados como “ativos” no combate a esse ilícito (Estados Unidos e Suíça, que juntos representam 11,8% das exportações globais).

O Brasil foi um dos nove países a piorar de classificação nesta edição do relatório, junto com Reino Unido, Israel (ambos da categoria “ativo” para “moderado”), Itália, Espanha, Suécia, Portugal (de “moderado” para “limitado”), Dinamarca e Lituânia (de “limitado” para “pouco ou não cumprimento”).

Apenas dois países melhoraram de posição: Letônia (de cumprimento “limitado” para “moderado”) e o Peru (de “pouco ou não cumprimento” a “limitado”).

O relatório analisou 47 países, que são responsáveis por 84% das exportações globais, além de China, Índia, Hong Kong e Singapura, que não fazem parte do tratado, mas são responsáveis por parcela significativa do comércio internacional.