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Retrato incompleto: ‘Setembro 5’ acerta no suspense mas derrapa na abordagem histórica
Obra recria a tensão da cobertura do massacre nos Jogos de 72, mas falha na abordagem histórica do evento.
Por Daniel Machado
Em 5 de setembro de 1972, a 20ª edição das Olimpíadas, realizada naquele ano na cidade de Munique, encaminhava-se para o seu final sem maiores contratempos. Iniciado pouco mais de uma semana antes, o evento havia sido palco para uma série de momentos marcantes, até então, como o recorde de medalhas do nadador estadunidense Mark Spitz, a instituição do primeiro mascote olímpico e a primeira transmissão dos Jogos via satélite da história. Era objetivo da Alemanha Ocidental fazer das Olimpíadas de Munique o retrato de um país renovado, que teria afastado o fantasma dos Jogos de 1936, buscado construir iniciativas de reparação e memória e deixado os horrores da Segunda Guerra Mundial para trás.
Naquele 5 de setembro, entretanto, outro acontecimento marcaria aqueles Jogos Olímpicos na história. Oito integrantes do grupo guerrilheiro palestino Setembro Negro invadiram os quartos onde estavam hospedados atletas e treinadores israelenses na Vila Olímpica. A intenção do grupo era fazer deles reféns a fim de negociar a libertação de mais de 200 presos palestinos que estavam sob a custódia de Israel. Na época, o Oriente Médio vivia sob constantes tensões a partir dos ecos da recente Guerra dos 6 Dias (1967), que resultou na expansão israelense sobre territórios árabes muito além da área inicialmente estabelecida. A ação do Setembro Negro se encerrou no dia seguinte da pior maneira possível, vitimando 17 pessoas, entre 11 israelenses, 5 integrantes do grupo e 1 policial alemão, no que ficou conhecido como o Massacre de Munique.
A missão de retratar o atentado nos cinemas foi assumida algumas vezes ao longo do tempo, com destaque para o documentário “Munique, 1972: Um Dia em Setembro” (1999), dirigido por Kevin Macdonald e o longa ficcional “Munique” (2005), de Steven Spielberg. A fim de apresentar uma nova ótica do conflito, o diretor suíço Tim Fehlbaum optou por estabelecer um recorte específico da história e fazer com que o seu “Setembro 5” tivesse como foco a cobertura jornalística da tragédia, realizada pela equipe de esportes da emissora de televisão estadunidense ABC, que transmitia as Olimpíadas ao vivo direto de Munique.
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A sala de controle da emissora é o espaço onde a maior parte do filme se desenrola. É naquele ambiente apertado e claustrofóbico que a tensão escalona a cada minuto e a obra ganha contornos de thriller. Os jornalistas, inexperientes em coberturas de acontecimentos do tipo, lançam mão de diversas estratégias para obter as mais novas informações sobre o sequestro a fim de serem os primeiros a reportá-las. Ao longo da obra, intercalam-se imagens gravadas com os atores e vídeos reais da cobertura da ABC, borrando as fronteiras entre realidade e ficção. Nesses momentos, o envolvimento é tamanho que o espectador se esquece de que a maior parte do conflito se deu à luz do dia, já que estamos imersos, junto deles, naquela sala mal iluminada.
As sólidas atuações de todo o elenco também são um ponto marcante do longa, com especial destaque para a tradutora Marianne Gebhardt, interpretada pela atriz alemã Leonie Benesch e uma das únicas personagens ficcionais da trama. Marianne personaliza a intenção do diretor de dar ênfase ao desejo dos alemães de apresentar uma imagem diferente ao mundo, 27 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, além de levantar questionamentos acerca do papel das mulheres em ambientes laborais dominados por figuras masculinas.
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Outros personagens relevantes são Roone Arledge (Peter Sarsgaard) e Geoffrey Mason (John Magaro), que coordenam os processos de trabalho da equipe e constantemente se veem envoltos em dilemas morais acerca da ética inerente à atividade jornalística no processo da cobertura de uma tragédia como essa. Ao mesmo tempo em que desejam ser os primeiros a reportar os acontecimentos e dar “furos de reportagem” antes das demais emissoras, ambos se veem impactados pela responsabilidade que carregam ao serem os provedores de informações tão cruciais para as mais de 900 milhões de pessoas que acompanhavam o conflito através de suas televisões.
Setembro 5, entretanto, não está ileso de tropeços. Se por um lado o foco irrestrito na cobertura jornalística do atentado eleva a tensão e a eletricidade do longa, por outro a escassez de informações sobre o contexto histórico no qual o evento se insere e a ausência de uma abordagem política mais presente impede com que a obra retrate o evento com a profundidade necessária. Por conta disso, pouco se sabe a respeito do grupo Setembro Negro ou acerca dos processos ocorridos no Oriente Médio que levaram ao escalonamento daquela situação. Ao invés disso, o longa acaba colocando o atentado como uma espécie de continuação dos sofrimentos infligidos aos judeus na Segunda Guerra Mundial, dessa vez com os palestinos agindo como o grupo agressor. Retratam-se em tela, dessa forma, os mesmos personagens e motivações da época do Holocausto para explicar um conflito com origens, motivações e circunstâncias completamente diferentes. Isso se torna ainda mais relevante quando se leva em consideração o período de lançamento do longa, coincidente com o atual momento em que o mundo acompanha mais um capítulo do violento conflito entre Israel e Palestina.
Contando com críticas majoritariamente positivas, Setembro 5 foi uma das apostas da Paramount para a disputa do Oscar 2025. Em determinado momento da temporada de premiações, o longa chegou a estar cotado para adentrar diversas categorias da premiação. No entanto, acabou sendo indicado em somente uma: Melhor Roteiro Original.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.