O Museu de Arte de São Paulo (Masp) vetou, da maior exposição da instituição, fotos e documentos do acervo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que estariam no núcleo “Retomadas” da mostra. Os trabalhos seriam exibidos na exposição “Histórias Brasileiras”, junto a fotografias dos artistas João Zinclar, André Vilaron e Edgar Kanaykõ, que também foram vetadas.

O Museu afirma que as fotografias foram requisitados após o prazo estipulado pelo museu para empréstimo das obras. Em uma mensagem enviada aos artistas da exposição, as curadoras Sandra Benites e Clarissa Diniz falaram que não haviam sido avisadas sobre a data limite. “Apesar do cuidadoso trabalho realizado, para a nossa surpresa, o Masp não concordou com a integral inclusão da representação das retomadas pelo suposto descumprimento de um prazo que não nos foi informado pela produção ou pela curadoria do museu”, disseram.

Fotos de André Vilaron do núcleo “Retomadas” vetado pelo Masp
Fotos de André Vilaron do núcleo “Retomadas” vetado pelo Masp

Fotos de André Vilaron do núcleo “Retomadas” vetado pelo Masp

 

Foto do MST que foi vetada pelo Masp

“Aceitar a exclusão das imagens das retomadas em nome da permanência do núcleo nos levaria a ser desleais com os sujeitos e movimentos envolvidos na nossa curadoria – contradição que não estamos dispostas a negociar por não concordar com tamanha irresponsabilidade”, afirmam as curadoras, conforme apontado pela Revista Forum.

As curadoras afirmaram ainda que se sentiram desrespeitadas e injustiçadas pela decisão do Masp por um erro que sabem não terem cometido. Elas reforçam que o museu as impediu de levar adiante o acordo com o Movimento Sem Terra, seus fotógrafos e Edgar Kanaykõ, provocando “a trair a confiança deste que não é só o maior movimento social do Brasil, como também é a coluna vertebral do ‘Retomadas'”.

Uma das fotos do Edgar Kanaykõ , do núcleo “Retomadas”, vetada pelo Masp

 

Confira abaixo a íntegra da nota do MST sobre o caso

SOBRE A DECISÃO DO MASP QUE DESRESPEITA A HISTÓRIA DO MST

Viemos, através desta declaração, manifestar nossa indignação com a atitude da direção do MASP que levou a impossibilidade de realização do Núcleo “Retomadas”, como parte da mostra Histórias Brasileiras.

Como informa e-mail recebido das curadoras no dia 03/05/2022, sob alegações de cunho burocrático e legalista que não se sustentam na efetiva realização do projeto, o MASP inviabilizou a inserção de imagens do Acervo do MST, do Acervo João Zinclar e de outros acervos que documentam a trajetória do MST e da luta pela Reforma Agrária no Brasil.

Somos testemunhas da forma ética e profissional com que as curadoras e os acervos parceiros se empenharam na produção do projeto, em todas etapas e em acordo com as demandas da instituição.

Afirmamos nosso respeito e apoio às curadoras Sandra Benites e Clarissa Diniz, responsáveis pelo Núcleo “Retomadas”, que diante da atitude do MASP decidiram não participar da mostra, pois, como declaram: “Aceitar a exclusão das imagens das retomadas em nome da permanência do núcleo nos levaria a ser desleais com os sujeitos e movimentos envolvidos na nossa curadoria – contradição que não estamos dispostas a negociar por não concordar com tamanha irresponsabilidade.”

Como afirmam as curadoras: “O Retomadas é sobre a urgência de revermos as éticas e políticas coloniais de nossos territórios, línguas, corpos, representações e museus. Do nosso ponto de vista, mantê-lo à revelia da representação das próprias retomadas que lhe dão título, argumento e sentido social nos levaria a ser anti-éticas em nome da ética, excludentes em nome da inclusão, não-representativas em nome da representatividade, expropriadoras em nome da não-apropriação, silenciadoras em nome da voz. Nos levaria, por fim, a praticar a colonialidade contra a qual o núcleo se insurge”.

O material selecionado pelas curadoras – imagens fotográficas, cartazes, cartilhas e jornais impressos – são testemunhos da capacidade da classe trabalhadora de se apresentar firme e altiva como sujeito de sua história, em todos os sentidos.

Destacamos que ao inviabilizar a inserção da totalidade desses documentos o que de fato se efetiva é a exclusão de um dos maiores movimentos sociais da história contemporânea brasileira e latino-americana. Decisão que aponta para uma construção de conhecimento histórico distorcido e comprometido com uma cultura deturpadora da real complexidade da história política brasileira.

Atitude que, no mínimo, está em desacordo com a função social de uma instituição museológica que se apresenta em seu site com a seguinte missão: “O MASP, Museu diverso, inclusivo e plural, tem a missão de estabelecer, de maneira crítica e criativa, diálogos entre passado e presente, culturas e territórios, a partir das artes visuais. Para tanto, deve ampliar, preservar, pesquisar e difundir seu acervo, bem como promover o encontro entre públicos e arte por meio de experiências transformadoras e acolhedoras. ”

Portanto, questionamos a atitude excludente da direção do MASP, apontamos a gravidade deste tipo de construção de conhecimento que invisibiliza a luta da classe trabalhadora e chamamos toda a comunidade cultural e entidades que representam as lutas do povo brasileiro para este debate, que se reveste da urgência de não ceder à censura e ao apagamento de nosso maior patrimônio: nossa capacidade de luta organizada para construir um outro modelo de sociedade.

Pátria Livre, Venceremos!

Acervo João Zinclar

Coletivo de Arquivo e Memória do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)