
Resistir na pluralidade: 23ª Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais lota ruas de São Paulo
Do Largo do Paissandú, centro de São Paulo, ao Largo do Arouche, evento contoi com saudações de organizações, coletivos lgbt+, feministas, representantes do poder público, de entidades da sociedade civil
Por Camila Pazini e Luma Melo
Com data cravada para acontecer no domingo, a Parada LGBTQIAP+ teve toda uma programação prévia com eventos paralelos e pautados na interseccionalidade como a 23° Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais, que tomou as ruas do centro histórico de São Paulo nessa tarde de sábado (21), ocupando o espaço público e reafirmando suas vozes.
Começando pela concentração em frente à igreja do Largo do Paissandu, o trio elétrico recebeu diversas personalidades da comunidade, desde parlamentares do PSOL até ativistas de coletivos independentes, contando com atrações culturais entre as falas como discotecagem e um pequeno show acústico com Marília, que cantou desde Tim Maia até Racionais MC’s, e depois seguiu rumo ao Largo do Arouche.
Entre homenagens e denúncias, o ato, que acontece desde 2003, também relembrou mulheres vítimas de lesbocídio, como Luana Barbosa, que teve um de seus familiares subindo ao trio para cobrar justiça e dando voz a outras narrativas silenciadas. Além de contar com diversas outras pautas, agregando todas as siglas, historicamente invisibilizadas, e todos os corpos, com milhares de gritos ecoando contra a opressão sistêmica e estrutural contra o corpo e direito de existir da mulher, seja ela cisgênera, trans, travesti, entre outras dissidências.

Atravessando gerações de resistência política
Com o tema central de ‘’Envelhecer LGBT+: memória, resistência e futuro’’, a caminhada também contou com a pluralidade de corpos, pautando a resistência através dos tempos, celebrando o passado e pensando em formas de mobilização para o futuro. Josiane Brandão, mulher preta e lésbica, trabalhadora de cultura e sindicalista foi uma das mulheres que esteve nessa resistência política e acompanhou a maioria da programação da semana da diversidade na capital paulistana.
“Hoje eu me sinto muito bem aqui na caminhada. Eu trabalho em ambientes que são mais libertários e progressistas, na cultura. Então, em vários ambientes nessa bolha eu não me sinto sentindo discriminação, mas sei que isso tem uma história. Uma história dessas pessoas que vieram antes e envelheceram. Tem uma questão também dos corpos…”
O que é envelhecer na sociedade capitalista?! O que é envelhecer sendo LGBT em uma sociedade capitalista?! Sei que hoje em dia nos temos mil recortes para falar o que é envelhecer: o recorte racial, o recorte de classe”.
“Eu me identifico como uma mulher preta, lésbica, e tem mil questões, e acho muito interessante estar em pauta o envelhecimento, até porque eu também estou envelhecendo. Fico pensando como a nossa história vai ficar na memórias das lutas, dos movimentos e também como o nosso corpo, que envelhece, continua indo, lutando e amando’’.
Todes juntas pelo combate a LBTfobia
Não eram só mulheres cisgêneras que tomavam as ruas do Paissandu. Alguns homens gays também participavam como apoio, e existia uma crescente presença de dissidências, ainda que pequena, tanto no trio quanto nas pessoas que acompanhavam a caminhada. Claudete, mulher trans, foi uma delas e reiterou seu apoio total às pautas das mulheres lésbicas, chamando atenção ao fato de que o movimento ainda tem muita luta pela frente para agregar ainda mais mulheres.

‘’Eu acho muito importante, tanto a marcha quanto o tema da Parada desse ano. Especificamente, dessa marcha [Lesbi]. É uma luta que a gente precisa estar sempre atenta. As mulheres lésbicas sofrem ainda toda uma gama de violência, devido ao patriarcado, devido ao machismo. Estava, inclusive, comentando com uma amiga como é diferente a gente estar aqui no meio dessa marcha em relação a segurança. Me sinto mais segura e isso é muito bom. Mas esse enfrentamento precisa ser feito toda a vida. A gente vê que o que poderia ser uma marcha de fato, ainda é uma caminhada e que a gente ainda precisa avançar muito mais. Porque mulheres lésbicas morrem, ainda sofrem corretivo, então a gente precisa, principalmente nesse momento que a extrema-direita tem militância, avançar, tomar a bandeira e levar isso para frente’’.
Apesar dos avanços, questões de representatividade ainda desafiam o movimento. Uma pessoa preta não binária de 47 anos, que participava da quinta Caminhada e preferiu não se identificar, relatou as dificuldades enfrentadas.
“A representação preta e não binária ainda é muito pequena. Eu venho há cinco anos e vejo mudanças, mas ainda sinto que precisamos de mais espaço para nossas vozes e nossas especificidades.”

Ao ponto que Carolina Lima de Oliveira, mulher bissexual, que participava de sua primeira caminhada, sempre teve dificuldade em se inserir em locais puramente lésbicos por não se sentir representada.
“Eu sempre tive dificuldade de me sentir à vontade em lugares puramente lésbicos pela falta de representação bissexual. Muitas vezes me sinto invisibilizada ou questionada sobre minha identidade. Aqui hoje me senti verdadeiramente representada. Vi outras mulheres bissexuais, ouvi sobre nossas pautas específicas, e isso fez toda a diferença.”
Resistência também é estar viva
A luta também é sobre saúde pública. Para além das pautas de lesbofobia, bifobia, etarismo e inclusão de identidades, a caminhada também contou com diversos materiais sendo distribuídos por coletivos feministas e pela própria organização, dentre eles, o Velcro Seguro que se ateve à saúde sexual de mulheres lésbicas e bissexuais com vulva. Um material didático e gráfico com dicas de segurança, além de desmitificar a IST’s que podem sim ser contraídas durante o sexo entre mulheres e as formas de prevenção, reiterando ainda mais a busca por um futuro mais saudável, plural e igualitário para corpos LGBTQIAP+.