Documentos obtidos pela BBC News Brasil revelam que, durante quase um ano, o Ministério Público do Mato Grosso (MPMT) e o governo estadual do Mato Grosso, liderado por Mauro Mendes (União Brasil), estabeleceram uma série de acordos com fazendeiros multados por desmatamento ilegal. Neles renunciaram à cobrança de indenizações pelos danos ambientais causados. Iniciados em setembro de 2023 e encerrados em junho de 2024, estes acordos também resultaram na liberação de fazendas embargadas.

Inicialmente a prática de dispensar a cobrança de danos ambientais foi encerrada após questionamentos internos, por parte de promotores e após a BBC News Brasil investigar o assunto. Contudo, os valores exatos que deixaram de ser cobrados não foram divulgados pelo governo e pelo MPMT, alegando que os processos são físicos e dificultam a análise detalhada. Em pelo menos dois casos identificados pela BBC News Brasil, um promotor alegou que não cobraria indenização por dano ambiental alegando que, dentre outras razões, o agronegócio estaria passando por uma crise. Procurado pela reportagem, o MPMT afirmou que teria apenas adotado um entendimento jurídico, segundo o qual o desmatamento ilegal fora de áreas protegidas não seria passível de cobrança de indenização. Promotores e ambientalistas contestam essa tese.

Normalmente, quando uma pessoa ou empresa comete uma infração ou crime ambiental, elas são multadas e obrigadas a pagar pela reparação do dano causado. De acordo com o advogado Paulo Burse, consultor e especialista em direito ambiental, essa indenização é diferente da multa. “A multa é o valor que o infrator paga por ter descumprido uma norma, no caso, ter desmatado sem autorização”, explica o advogado à BBC News Brasil. “A indenização, por sua vez, é o valor que ele deveria pagar pelo dano material ou moral que o ato de desmatar sem autorização gerou à sociedade.”
O Mato Grosso é, ao mesmo tempo, um dos campeões do agronegócio e do desmatamento no Brasil. Entre 2022 e 2023, o Estado perdeu 2 mil quilômetros quadrados de florestas, o que representa uma área maior do que a da cidade de São Paulo.

Foi em meio a essa “encruzilhada” ambiental que o governo do MT em parceria com o Judiciário, Polícia Civil e o MPMT, lançou o “Mutirão de Conciliação Ambiental”, em 2023. Segundo a Sema-MT, o objetivo do mutirão é proporcionar “um caminho mais rápido para o objetivo principal do Estado, que é a imediata correção das infrações e recuperação do dano ambiental causado”.

Desde o início do mutirão, tanto o governo estadual quanto o MPMT, adotaram o entendimento de que o desmatamento ilegal fora de áreas protegidas não permitiria a cobrança de indenização por dano ambiental, uma vez que esse desmatamento, apesar de ilegal, poderia vir a ser autorizado em algum momento. Contrários a essa prática, 19 promotores do MPMT moveram um recurso no Conselho Superior do órgão em que contestaram a interpretação adotada durante os acordos. Eles argumentaram que ela seria contrária à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e prejudicial ao meio ambiente.

“Centenas de acordos foram e estão sendo celebrados sem nenhuma reparação civil do dano”, diz a representação à qual a BBC News Brasil teve acesso.
Para Edilene Amaral, do Observa-MT, o mutirão realizado pelo governo e pelo MP de Mato Grosso incentiva a atividade ilegal.

“O primeiro efeito colateral desse mutirão é a sensação de que o crime compensa. É o Estado dizendo para essas pessoas: ‘Você que gastou com licenciamento ambiental e esperou a autorização é um trouxa. O outro saiu na frente, não pagou indenização civil, não respondeu por crime e pagou uma multa com 60% de desconto. E, se entrar com mandado de segurança, ainda consegue elevar esse desconto para 90%'”, diz Amaral.

O advogado Paulo Burse diz que o que ocorreu foi um “anistiaço”: A ideia é acelerar ao máximo a arrecadação gerada por esses acordos e fomentar o agronegócio em detrimento e sem cuidado nenhum com o meio ambiente”.

A BBC News Brasil enviou questionamentos à assessoria de imprensa do governo de Mato Grosso e à Procuradoria Geral do Estado, mas apenas a Sema-MT respondeu. Em nota, a secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso, Mauren Lazzaretti, disse lamentar o que classificou como “distorção de informações”. O MPMT também negou irregularidades: “​​O MPMT desconhece e não compactua com qualquer tipo de anistia, notadamente quando se trata de defesa ambiental”, disse o órgão por meio de nota.

Fonte: BBC News Brasil