Por: Gabriel Coelho para a Cobertura Colaborativa da NINJA Esporte Clube

Os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 – realizados em 2021, devido ao contexto pandêmico – fizeram história com a primeira participação de uma atleta declaradamente transexual. Laurel Hubbard competiu no levantamento de peso e atraiu olhares na ocasião. Na época, a repercussão midiática polemizou a participação da atleta, e pode ter corroborado com a ausência de atletas transexuais nos Jogos Olímpicos de Paris 2024.

Em 2004, o Comitê Olímpico Internacional (COI) estabeleceu as primeiras diretrizes para participação de atletas transexuais nas modalidades esportivas, em que era exigida cirurgia de redesignação de gênero e reconhecimento legal. Estas diretrizes viriam a ser alteradas em 2015, em que foi abolida a necessidade de cirurgia e de reconhecimento legal, e estabelecido como parâmetro, apenas para mulheres trans, uma necessidade de comprovação de uma taxa de testosterona abaixo de 10 nmol/L. Foram estas alterações nas políticas de elegibilidade que permitiram que Laurel Hubbard competisse em Tóquio 2020.

Laurel seguiu as recomendações do COI e se tornou elegível para competir no levantamento de peso olímpico. Ainda assim, segundo produções científicas do Laboratório de Estudos Olímpicos e Socioculturais dos Esportes (LEOS), de maneira geral, os veículos midiáticos nacionais e internacionais repercutiram a participação da atleta de maneira a polemizar e descredibilizar  a inclusão de atletas transexuais nos esportes. As diretrizes estabelecidas pelo COI foram constantemente contestadas, a participação da atleta foi tratada como uma “controvérsia legítima” de um debate público, e houve constantemente uma narrativa de que, o fato que Laurel Hubbard não conquistou nenhuma medalha nesta edição, era uma surpresa. 

Esta repercussão midiática negativa e uma polemização constante da inclusão de Laurel, pode ter corroborado para o fato de que não há presença de nenhuma/nenhum atleta transexual nos Jogos de Paris 2024. Estas/estes atletas podem ter se sentido desencorajadas/os após observar como os veículos midiáticos trataram a participação de Laurel.

Vale ressaltar que, existe uma distinção entre os termos “transgênero” e “transexual”. O primeiro, é um termo guarda-chuva que engloba pessoas que se identificam como travestis, transexuais, não-binários, intersexos, etc. O segundo, está dentro da classificação de transgênero e diz respeito a pessoas que não se identificam com seu gênero atribuído no nascimento e, por meio de cirurgia ou não, decidem mudá-lo. 

Dentre pessoas transgênero, Laurel Hubbard competiu ao lado de atletas declaradamente não-binários: Quinn (Futebol) e Alana Smith (Skate), nos Jogos de Tóquio 2020. Na ocasião, Laurel foi quem mais sofreu com a polêmica midiática por ser a única que competiu em uma categoria que não representava o gênero que lhe foi atribuído em seu nascimento. 

Existe presença transgênero nos Jogos de Paris 2024, uma vez que Nikki Hiltz, atleta não-binário de Atletismo, se classificou para a competição. Ademais, as boxeadoras intersexo (por apresentarem cromossomos X e Y) Imane Khelif e Lin Yu-ting, foram aceitas pelo COI para participar dos Jogos Olímpicos de Paris. Em 2023, estas mesmas atletas foram reprovadas em testes de gênero em um campeonato mundial de boxe, ocorrido em Nova Déli, na Índia. 

Foto por: Instagram/nikkihiltz

Ademais, um fato importante ocorreu recentemente. Imane Khelif foi vítima de uma confusão na última quinta-feira (01/08/2024), após vencer uma luta contra a italiana Angela Carini em 45 segundos. A adversária de Imane desistiu após ser atingida com um soco no nariz, e este ocorrido abriu margem para um discurso similar a outro que circundou constantemente a participação de Laurel nos Jogos de Tóquio. Houve uma confusão com os termos “transgênero” e “transexual”, e foi criada uma narrativa, incorreta, de que a lutadora intersexo é uma mulher transexual. Alguns veículos midiáticos e internautas conservadores afirmaram que a vitória da atleta foi uma consequência de vantagens biológicas que ela possuiria. Este discurso esteve constantemente presente na repercussão sobre a inclusão de Laurel, em 2021.

 Imane Khelif, atleta argelina nas Olimpíadas de Paris.Foto: Isabel Infantess / Reuters

Por mais que o equívoco quanto a identidade de gênero de Imane Khelif esteja sendo fortemente difundido – e valem os créditos para os veículos midiáticos que estão se mobilizando para o desmentir – a realidade é que, dentro da classificação de transexuais, há uma ausência de atletas com esta identidade nesta edição. Traçando um comparativo com Tóquio 2020, este é um retrocesso.

Além de um cuidado com as políticas de elegibilidade para atletas transexuais, é importante a atenção quanto à repercussão da participação destas/destes atletas. Uma cobertura negativa sobre a inclusão de atletas transexuais pode desencorajar outras/outros atletas por compreenderem aquele ambiente como preconceituoso e transfóbico. Não podemos deixar de citar ainda as distorções discursivas que podem corroborar com discursos violentos e descredibilizadores em direção a atletas que nem mesmo se identificam como transexuais, como foi o caso de Imane Khelif, usada como alvo para sustentar uma narrativa opositora a participação de atletas desta identidade nos esportes. 

A ausência de atletas transexuais em Paris, logo após o pioneirismo de Laurel Hubbard, pode ser um forte indicativo de que precisamos nos atentar às narrativas criadas e fundamentadas, principalmente por veículos midiáticos, nas edições futuras, para que possamos promover um esporte mais justo e inclusivo.