No dia 16 de março, último, foi aprovado pelo Parlamento Fluminense o projeto de resolução 526/21, que determina a criação de um Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Obstétrica na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). A medida, uma grande vitória no que tange à prevenção e enfrentamento a esse tipo específico de violência de gênero, foi resultado do trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), presidida por mim, que investigou o alto número de óbitos de nascituros e recém-nascidos registrados no Hospital da Mulher, em Cabo Frio, no final de 2018, início de 2019.

É fundamental relembrarmos os passos que nos fizeram chegar até essa importante vitória firmada em pleno mês de Março, mês das mulheres. Foi devido à luta de muitas mulheres que essa CPI pôde sair do papel, criar raízes, propor instrumentos de mudanças e celebrar esta vitória em forma de lei. Lembrar este caminho é um exercício fundamental na memória e na busca por justiça, reparação e prevenção da violência obstétrica. Vamos a eles.

A virada de 2019 começou diferente para várias famílias em Cabo Frio. Nos primeiros meses daquele ano, 17 nascituros foram a óbito no Hospital Municipal da Mulher, maternidade que atende toda região litorânea. A morte dos nascituros gerou reação na Assembléia Legislativa, acarretando a aprovação da CPI do Hospital da Mulher de Cabo Frio, a partir de um requerimento feito pela minha mandata, que trabalhou ao longo de seis meses na elucidação dos fatos.

Neste rebento de ano, sonhos se destroçaram numa relação violenta tanto quanto evitável: a violência obstétrica. O termo “violência obstétrica” abrange toda violência que implique maus tratos à gestante, de ordem física, psicológica até mesmo simbólica e que importe humilhação e sofrimento desnecessário. Se não se pode atribuir uma relação direta e causal entre a violência obstétrica e o óbito de bebês, tampouco se pode descartar os efeitos perversos e o impacto desta relação: a medicalização da assistência impõe hierarquia, isolamento da gestante e centralização dos atos e informações no poder médico, afastando a mulher da relação fisiológica com o parto, e acarretando a impossibilidade de decisão autônoma sobre seu corpo.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), mulheres sofrem maus-tratos, abusos, violações, negligência e violações no pré-parto, parto e puerpério, tais como a negação à presença de acompanhantes; a ausência de informações sobre os procedimentos adotados; a intensa realização de cesáreas desnecessárias; dentre outros. Violações como essas estavam presentes no nosocômio de Cabo Frio, gerando completo desamparo e sofrimento. Toda essa dor “invisível” experimentada pelas mulheres – e por suas famílias – poderia ter sido evitada pela efetivação de práticas assistenciais humanizadas, que já fazem parte do arcabouço politico expresso nas orientações nacionais do SUS e do programa Rede Cegonha. Tais diretrizes incluem o respeito à autonomia das mulheres e acolhimento humanizado por equipes multiprofissionais nos distintos períodos do ciclo gravídico-puerperal, compreendendo prevenção, acolhimento e acompanhamento pós-parto.

Após seis meses de trabalho, a CPI do HMCF identificou situações graves de violência obstétrica. Como resultado, apresentou em seu relatório 138 recomendações para órgãos municipais, estaduais e federais; onze projetos de lei, dentre eles um que prevê a criação do Programa Estadual de Promoção dos Direitos da Mulher na Atenção à Saúde da Gestante, Parturiente e Puérpera; além de duas emendas à Constituição. Destinamos, além disso, duas emendas orçamentárias ao HMCF, que permitiram a realização de cursos de qualificação e humanização do atendimento, equipagem para a Rede Cegonha e a compra de equipamentos para reabertura da UTI Neonatal.

Acredito que uma CPI não se destine somente a punir, mas sim a colher material que possa qualificar o trabalho do ambiente investigado e das Casas Legislativas. E a nossa CPI cumpriu esse papel, por isso temos tanto orgulho de seus resultados. Como primeira conquista, a criação do GT de enfrentamento à violência obstétrica pela Alerj institucionaliza a preocupação sobre o tema e permite investigar e prevenir violações em todo território fluminense, trabalho que realizaremos com grande afinco.

Queremos ações essenciais para que mulheres não sejam violentadas em um momento tão sensível de suas vidas. E que essas mesmas mulheres saiam dos hospitais com sua saúde física e emocional garantidas, e seus bebês no colo.

Chega de violência obstétrica!

Chega de violência contra as mulheres!

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