Foto: Tiago Macambira

Ela não nasceu hoje. A bem da verdade, ela sempre existiu para dar vazão às ideias não hegemônicas, para denunciar os poderosos, para dar visibilidade aos excluídos. Desde o tempo do linotipo, do mimeógrafo, passando pelo rádio amador e pela radiodifusão comunitária.

Em tempos de internet, ela ganhou escala e alcance nunca antes possíveis em função das barreiras econômicas que o modelo de negócio da comunicação impunha.

A mídia alternativa vem se tornando referência e assumindo papel determinante para divulgação de fatos e acontecimentos que são omitidos pela mídia hegemônica. É essencial para a disputa de ideais e valores na sociedade e está cada dia mais pulsante e viva.

Conforme a web foi se desenvolvendo, foram surgindo novos mecanismos de distribuição de conteúdos. Os setores historicamente excluídos do debate público, estruturalmente invisibilizados pela mídia hegemônica, começaram usar a internet para se comunicar, para contar suas próprias histórias, para manifestar sua opinião sobre acontecimentos e, inclusive, contradizer o que a mídia divulgava como “verdade”.

Os microblogs, depois os blogs, as primeiras redes sociais e a possibilidade de se criar plataformas digitais para distribuir conteúdos produzidos de qualquer lugar do Brasil fizeram nascer um novo ecossistema de comunicação, que foi se fortalecendo e ganhando cada vez mais relevância no debate público.

Apesar de ainda ter um alcance restrito, frente ao poder da radiodifusão privada, a mídia alternativa, independente, popular, comunitária já não permite que os barões midiáticos falem sozinhos. O monólogo passou a ser um diálogo, um “multiálogo”.

Novos temas pautados pela nova mídia

São centenas de coletivos, sites, blogs, jornais e revistas online (muitos guerreiros que mantém, também, suas versões impressas), ativistas digitais que interagem e criam movimentos por redes sociais na internet, rádios comunitárias, tevês comunitárias, webrádios, webtvs, youtubers, e quantas mais denominações se pode dar e encontrar para falar deste novo mundo comunicacional que está causando uma mudança na forma como se produz e acessa comunicação e informação.

Esse amplo campo de comunicação passou a falar sobre temas ignorados até então. Direitos humanos e interesse público passaram a estar no centro da agenda produzida por esta nova comunicação, que desmistifica a ideia de que é possível ser um corpo neutro na sociedade. Qualquer relato, história e conteúdo comunicacional parte de um ponto de vista, de valores social e culturalmente construídos e, por mais objetiva que seja a construção de uma notícia, ela está inserida neste contexto.

E comunicação é poder. Nada humaniza mais que a palavra, nada nos confere mais a noção de coletividade do que a possibilidade de narrar histórias que mostram os dilemas comuns das pessoas.

Se o monopólio está a serviço da manutenção do status quo, a possibilidade de falar e tornar públicos os problemas da sociedade e de desnudar a perversidade da exclusão, da miséria e do preconceito empoderou movimentos e setores sociais que passaram a fazer parte da agenda pública.

A comunicação é um direito e como tal é uma instrumento essencial para o exercício e garantia de outros direitos, é um meio de formação e de fortalecimento da cidadania.

Os conteúdos construídos pelos coletivos de comunicação, coletivos culturais, jornalistas, comunicadores sociais, pela imprensa popular e sindical têm um forte sentido transformador e libertário, têm o povo como protagonista e objetivam promover um debate amplo e participativo, estimular a reflexão, o engajamento e a mobilização social. Como afirma Maria Cristina Mata no livro Construindo Comunidades: Reflexões atuais sobre a comunicação comunitária: “Não é possível ser cidadão se não for possível expressar na esfera pública a carência de direitos e a luta por novos direitos”.

Os barões midiáticos não falam mais sozinhos

É verdade que nesse novo ecossistema comunicativo há muitas diferenças. Essa nova mídia não é una e blocada. Há enfoques e métodos distintos, há inclusive pontos de vistas divergentes sobre como fazer comunicação, mas é inegável que estão todos no mesmo campo, buscando um novo modo de comunicar e narrar a vida social.

E como não se pode falar de comunicação fora do contexto político e econômico em que ela está sendo realizada, no Brasil dos últimos anos, a comunicação assume um engajamento mais aberto. Seja na mídia hegemônica ou alternativa, os conteúdos refletem a polarização social.

Essa nova mídia foi colocando em questão o comportamento da mídia hegemônica. Mais e mais pessoas passaram a buscar fontes alternativas de comunicação, passaram a confrontar as informações e notícias e isso abalou o castelo midiático hegemônico.

Como na casos emblemático da eleição de 2010, o da bolinha de papel, quando as emissoras de rádio e tevê difundiram amplamente que o então candidato a presidente da República, José Serra, tinha sido alvo de uma “pedrada”, atirada por um militante do PT. Imediatamente a mídia alternativa desmentiu a notícia e comprovou que a pedra não passava de uma bolinha de papel atirada por um correligionário de Serra para tentar criar um fato político.

Episódios como esse passaram a se suceder e a credibilidade da mídia hegemônica foi sendo, pelo menos, arranhada pela ação ação da mídia alternativa. Vira e mexe algum veículo hegemônico é obrigado a reconhecer o “erro” em alguma notícia, ou corre para mudar manchetes, é chamado a se explicar ou tornar mais explícito seus métodos. Como na cobertura da Folha de S.Paulo sobre as manifestações pelo e contra o impeachment em São Paulo, onde eles explicam os cálculos utilizados e comparam as fotos para dizer como chegaram à estimativa de pessoas presentes em uma e outra passeata.

A possibilidade de cada pessoa ser um midialivrista, midiativista, um comunicador, registrando com fotos e vídeos acontecimentos e permitindo que uma multiplicidade de informações sejam difundidas tem, inclusive, pautado a mídia hegemônica em alguns casos. Como ignorar, por exemplo, a ocupação do MTST em São Bernardo do Campo e a marcha de 23 km realizada nesta terça-feira pelos sem teto até o Palácio dos Bandeirantes? Em tempos pré-internet, muito provavelmente esse movimento teria sido solenemente invisibilizado. Aliás, no mesmo ABC paulista, na cidade de Santo André, há 35 anos uma outra ocupação envolvendo mais de 500 famílias aconteceu e não teve visibilidade do noticiário da época.

A ocultação e manipulação da informação produzida pela mídia hegemônica já não se sustentam em função da ação desta nova comunicação, referenciada no interesse público e na defesa de valores explícitos como a soberania do país, a defesa do meio ambiente, dos direitos indígenas, das mulheres, dos negros, da comunidade LGBT, e tantos setores sociais que passaram a ter voz ativa.

São tantos os casos em que a cobertura da mídia alternativa furou o bloqueio do monopólio que é impossível citar todos.

O caso da crise hídrica em São Paulo, onde os coletivos de comunicação denunciaram a responsabilidade do governo paulista na falta de água e a existência do racionamento, a cobertura das ocupações secundaristas contra a reforma do ensino médio e a reestruturação das escolas em SP, o caso Amarildo, a cobertura do crime ambiental de Mariana, a da primavera feminista, a denúncia do golpe midiático, jurídico, parlamentar em curso no Brasil são apenas alguns destes casos.

Ampliando a diversidade e a pluralidade na marra

Fortalecer a mídia alternativa, independente, popular, comunitária é uma tarefa prioritária. Potencializar a produção, impulsionar e dar ampla visibilidade aos vários conteúdos disponíveis, sem querer rotular ou homogeneizar esse campo amplo e diverso, respeitando as diferenças e compreendendo que cada blog, site, jornal, revista, coletivo, enfim, que cada iniciativa é importante e complementar, que a existência de cada um fortalece o todo é fundamental para enfrentar o golpe e resgatar a democracia no Brasil.

Os desafios são muitos. Estão no campo do financiamento e da sustentação dos veículos, da remuneração dos produtores de conteúdos (muitos voluntários), de enfrentar os dilemas causados pela força das plataformas privadas como Facebook e Google que estão derrubando a audiência da mídia alternativa (tema para outro artigo), da fundamental luta pela universalização do acesso à banda larga para garantir que mais pessoas possam ter acesso à internet e, portanto, a possibilidade de tomar contato com os conteúdos da mídia alternativa.

Mas esses desafios só alimentam o desejo de crescimento dessa nova comunicação, herdeira dos primeiros jornais independentes do país, que remontam ao século XIX, pequenos volantes, jornais, semanários, alguns mais longevos outros menos. A maioria vinculada a causas políticas (abolicionistas, republicanos, sindicais, democratas). Muitos tornaram-se ícones da história da imprensa brasileira, A Lanterna, A Plebe, A Classe Operária, Almanhaque, O Pasquim, Opinião, Movimento, O Sol. Veículos que entraram para a história da comunicação no Brasil e que ajudaram a escrever a história do Brasil, pela influência e a importância que tiveram.

É verdade que uma das lutas estruturantes da atualidade é pela democratização dos meios de comunicação, é pressionar para que o Estado cumpra o seu papel de promover um ambiente plural e diverso de comunicação, alterando o marco legal que define os critérios para a concessão de outorgas de rádio e televisão, tornando-as mais transparentes e garantindo que a sociedade participe deste debate; fortalecendo a comunicação pública e a radiodifusão comunitária; criando mecanismos de fomento à mídia alternativa; dentre várias outras políticas que são essenciais para o fortalecimento da democracia e da nação.

Mas, ao lado disso, já há um movimento que está, na prática, contribuindo para democratizar a circulação de informações e ideias na sociedade, que está efetivamente construindo um ambiente de mais pluralidade e diversidade na marra e na garra.

Conheça outros colunistas e suas opiniões!

Marielle Ramires

De braços dados com a alegria

Bella Gonçalves

Uma deputada LGBT na Assembleia de MG pela primeira vez em 180 anos

Célio Turino

Precisamos retomar os Pontos de Cultura urgentemente

Design Ativista

Mais que mil caracteres

SOM.VC

Uruguai musical

Estudantes NINJA

Não existe planeta B: A importância das universidades nas mudanças climáticas

Colunista NINJA

Carta a Marielle Franco: ‘Quem mandou te matar, Mari? Aí do além é mais fácil enxergar?'

Luana Alves

Justiça por Marielle, mais urgente do que nunca. Sem anistia

Design Ativista

Feminismos, sem medo de ser plural

Colunista NINJA

A indignação é seletiva

Jade Beatriz

Edson Luís, presente!

Leninha Souza

O fim pelas beiradas

Márcio Santilli

Opção bélica

André Menezes

Saúde mental ainda é um desafio, afirmam especialistas