Dizem que coincidências não existem, tudo tem um porquê. Recentemente estive atualizando meu levantamento bibliográfico para o doutorado e também para a cátedra da USP, onde sou pesquisadora, e encontrei um padrão engraçado nas leituras. Mídia Ninja citada, ou sendo tema de estudos de caso de livros e publicações científicas as quais destacam o trabalho jornalístico realizado com impacto no ativismo, na ecologia de meios a partir de boas práticas do uso de plataformas sociais e de tecnologias (sobretudo móveis na transmissão audiovisual dos fatos), na democratização da informação mais acessível em cobertura de eventos.

Na coluna deste mês, selecionei cinco publicações recentes e internacionais relevantes que levantaram aspectos comunicacionais e organizacionais sobre a Mídia Ninja no exterior. Valem como pesquisa e como um motivo de orgulho, pois algumas das editoras mais importantes no mundo, como a The MIT Press e Routeledge, valorizaram em seus espaços editoriais este projeto bem sucedido do jornalismo cidadão. Infelizmente, quatro  delas têm um custo alto no Brasil, vale procurá-las no acervo de bibliotecas universitárias. Um livro é gratuito e em Língua Portuguesa, você pode conferir o link para baixar no registro abaixo.

1 – Civic MediaTechnology, Design, Practice

Organizado por Eric Gordon e Paul Mihailidis, o livro foi publicado em 2016 pela The MIT Press. Consiste na reunião de artigos sobre engajamento cívico na cultura digital, aborda tecnologias, design e práticas que apoiam a conexão por meio de um propósito comum na vida cívica, política e social. Alguns movimentos ativistas foram alvo de estudos na obra, como a Primavera Árabe e Ocupar Wall Street. A obra examina o uso de “mídia cívica” – as tecnologias, designs e práticas que apoiam a conexão por meio de um propósito comum na vida cívica, política e social. Acadêmicos de diversas de disciplinas científicas e profissionais de várias organizações oferecem análises interdisciplinares e estudos de caso que exploram a teoria e a prática da mídia cívica.

O capítulo 35 chama-se “Case Study: Mídia Ninja and the rise of Citizen Journalism in Brazil”. Escrito por Stuart Davis, com cerca de 20 páginas, apresenta o início da Mídia Ninja oficialmente em 2012, com a cobertura de protestos nas ruas contra, entre outras causas, os gastos realizados nas Olimpíadas do Rio e Copa do Mundo.

Contextualiza a fundação da MN e a proposta de ser uma alternativa a conglomerados de notícias como a Globo. Destaca a mobilidade de cobertura por TwitCasting, Twitter, Facebook, Instagram, compartilhamento por mídias sociais do conteúdo. Ao longo do capítulo descreve o crescimento e a expansão da rede de comunicação na forma de ocupação de capitais, o jornalismo alternativo baseado na comunidade, nem sempre coberto pelas TVs mainstreams. O capítulo conta com imagens da cobertura e de interfaces das mídias sociais. 

2 – Design Justice – Community-Led Practices to Build the Worlds We Need

Escrito por Sasha Costanza-Chock e publicado em 2020 pela The MIT Press, apresenta a exploração de como o design pode ser liderado por comunidades marginalizadas, desmantelando a desigualdade estrutural, promovendo a libertação coletiva e a sobrevivência ecológica. Surgiu de uma comunidade crescente de designers que trabalham com movimentos sociais e organizações comunitárias em todo o mundo.

Explora a teoria e a prática da justiça de design, demonstra como os princípios e práticas universalistas de design apagam certos grupos de pessoas – especificamente, aqueles que estão interseccionalmente em desvantagem ou multiplicam-se sob a matriz de dominação (supremacia branca, heteropatriarcado, capitalismo e colonialismo).

Mídia Ninja é citada no capítulo 3, “Design Narratives: From TXTMob to Twitter”. O capítulo debate histórias sobre o design de tecnologias digitais. Menciona que os movimentos sociais, em particular, sempre foram um foco de inovação nas ferramentas e práticas da mídia, em parte por causa da relação entre as indústrias da mídia e a (má) representação dos movimentos sociais.

Mídia Ninja é citada como um dos exemplos de livestreaming por movimentos sociais como o Global Justice Movement em que os ativistas compartilharam livremente essas inovações por meio de redes de movimentos sociais, e algumas dessas inovações foram então incorporadas em novas iterações de plataformas, produtos e ferramentas de transmissão ao vivo.

3 – Ferramentas para análise de qualidade no ciberjornalismo volume 2: aplicações

Livro organizado por Elaide Martins e Marcos Palacios, publicado em Língua Portuguesa em 2016 pela LabCom Books (editora da Universidade da Beira Interior, em Portugal). Pode ser baixado gratuitamente em https://labcom.ubi.pt/ficheiros/201607281624-201608_emartinsmpalacios_ferramentosaqciberjornalismo.pdf

Trata-se de uma coletânea de artigos científicos sobre características próprias do Ciberjornalismo. Foram pesquisados sites jornalísticos na web e smartphones, web-reportagens especiais em jornais de grande circulação, rádios na web, blogs, programas de TV.

“Os acontecimentos midiáticos na sociedade em rede: o caso Mídia Ninja” é um dos capítulos da obra. Escrito por Ana Tázia Patrício de Melo Cardoso e Laís Karla da Silva Barreto, revela aspectos do trabalho acadêmico dos pesquisadores, concentrado no período das manifestações de junho de 2013, no Brasil. A rede de comunicação MN é um exemplo de mudanças geradas pelo desenvolvimento das tecnologias digitais, chamada pelos autores de “mídia sem filtro”. “O Mídia Ninja – denominação para Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação, que apresenta produção de conteúdos informativos com novos olhares e enquadramentos. Na realidade são jornalistas, estudantes e outros profissionais que produzem documentários, reportagens e coberturas diretas de eventos que não estão obrigatoriamente na pauta da imprensa tradicional”, conceituam.

Os investigadores concentraram sua análises no Facebook da Mídia Ninja e pretenderam identificar níveis de interatividade numa perspectiva das plataformas livestream, “ao observar a abrangência atingida por replicações, replies, menções, comentários, curtições e compartilhamentos de conteúdos relacionados. Buscamos, com isso, apresentar a potência que consegue alcançar e o quanto pode mobilizar uma comunicação no interior das timelines, numa rapidez que impressiona”.

4 – Journalism in Context – Practice and Theory for the Digital Age

Livro que associa teoria e prática do jornalismo, analisa a forma como o poder flui através das organizações de mídia, influenciando não apenas o que os jornalistas escolhem apresentar para seu público, mas como eles apresentam e, por sua vez, o que seu público faz com isso.

A autora cita exemplos de todo o mundo e de sua própria pesquisa e os associa a conceitos científicos. Provoca os leitores a refletirem sobre como as notícias são influenciadas pela cultura da qual emergem, a forma como são pagas e como diferentes países abordaram o problema de garantir que a democracia seja servida por seus meios de comunicação, em vez de serem minados por ela.

Mídia Ninja é citada no capítulo “The making of journalists” como um exemplo da forma como as pessoas se organizam fora do mainstream “no que foi descrito como ‘esferas públicas subalternas’ (Fraser 1992), produzem material que é então divulgado por produtores de notícias ortodoxas e se torna parte da um debate mais amplo. Os jornalistas deixam sua marca obtendo material que não é acessível para as grandes emissoras, mas depois trabalham com a ‘grande’ mídia para tirar proveito de sua influência e rede mais amplas. Em julho de 2013, algumas de suas filmagens foram usadas pela Rede Globo, a maior rede de TV do Brasil. A página da Midia Ninja no Facebook saltou durante a noite de 2.000 para 160.000 fãs (Spuldar 2013)”.

5 – Information, Communication & Society

Journal (publicação científica online) lançada pela Routledge em 2018, traz o artigo “The social shaping of media technologies’ multiple uses: the case of Mídia NINJA in Brazil”. Escrito por Maximiliano Vila Seoane e Anna-Katharina Hornidge, propõe uma estrutura conceitual híbrida que sintetiza idéias da abordagem da sociologia do conhecimento ao discurso com os conceitos dos estudos de ciência e tecnologia. Enfatiza a importância dos discursos políticos e organizacionais na formação de múltiplos usos das tecnologias de mídia por organizações de mídia.

Mídia Ninja é um estudo de caso, a partir de uma metodologia de investigação baseada em entrevistas e observação participante, que analisa como os discursos políticos mudam a estrutura midiática e influenciaram no tempo o discurso e as práticas dessa mídia alternativa no Brasil, levando a novos usos de tecnologias de mídia digital não pretendidos por seus designers.

A partir de um conjunto de teorias, os autores analisam e descrevem MN como mídia alternativa. Além disto, apresentam como o desenvolvimento histórico da estrutura da mídia favoreceu a concentração em poucas empresas privadas de mídia com fins lucrativos, ao contrário de outros tipos de mídia. Explicam como a expansão das Tecnologias da Informação e Comunicação proporcionaram a formação de um novo discurso sobre políticas culturais e facilitaram as práticas de mídia digital.

Boas leituras, querides leitores!

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