
Renata Jones desafia Hollywood com ‘We Brothers’, um noir falado em inglês transatlântico
Produção filmada na Urca estreia no festival de Los Angeles e mostra que o cinema brasileiro pode falar qualquer idioma
Por Daniele Agapito
Fritz Lang. Murnau. Orson Welles. Hitchcock. Kubrick. Sidney Lumet. Anselmo Duarte. Esses são os sete diretores que fazem a cabeça de Renata Jones, cineasta carioca da gema, que decidiu não colocar todos os ovos na mesma cesta. Ela quer ganhar o mundo com ingredientes noir. E está conseguindo: tem estreia internacional marcada no LA BRFF 2025, o Los Angeles Brazilian Film Festival, evento que neste ano ganhou ainda mais prestígio com Leonardo DiCaprio — produtor do documentário Yanuni — confirmado na abertura do festival, sediado no Culver Theater. Uma pausa considerável na agenda do astro para celebrar os filmes brasileiros (ou em coprodução com o Brasil), bem agora, enquanto encara uma corrida insana para divulgar Um Dia Após o Outro, de Paul Thomas Anderson. Filme que, aliás, recomendo.
Mas vamos ao ponto: Renata e seu curta de estreia, We Brothers. Trama que se passa na Chicago dos anos 40 e acompanha os “amigões” Antônio e Pete — dois mafiosos que se encontram em um esconderijo para discutir um “trabalho” até que, conversa vai, conversa vem (em inglês), o clima começa a azedar. Fim da broderagem?
Renata mergulhou fundo na pesquisa, mas não se iluda achando que ela torrou seus dólares nos Estados Unidos com o real valendo 5 e uns quebrados. O filme foi todo rodado no Brasil, com locação principal na Urca (RJ), praticamente colado ao casario onde Walter Salles filmou a residência de Eunice e Rubens Paiva em Ainda Estou Aqui. Adiciono outro detalhe: a diretora fez questão de que todos os figurinos usados no filme fossem originais da década de 40. Sem simulacros. Costura original.
E antes que alguém pergunte “Os atores brasileiros não têm sotaque?” ou “Por que não contratar americanos de verdade?”, vale explicar: Renata apostou suas fichas no chamado “inglês transatlântico”, um sotaque híbrido — meio britânico, meio americano — muito usado na era de ouro de Hollywood. Era o inglês das rádios e do cinema até os anos 50, perpetuado com a afã tentativa de soar neutro, “sofisticado” e universalmente palatável.
Mas ainda que haja resquícios de sotaque, seria essa uma provocação à americana Selena Gomez, que teve carta branca para interpretar uma mexicana sem falar espanhol? Ou a Javier Bardem, que interpretou um brasileiro em Comer, Rezar, Amar sem a pretensão de falar português? Talvez a revanche latina não seja a verdadeira motivação da diretora. Mas o que impediria brasileiros de interpretar americanos em um filme noir?
Sem querer ou querendo, Renata abre uma nova frente de experimentação: brasileiros em seus filmes, livres da obrigação de representarem a si mesmos para sempre.
A diretora está indicada a Melhor Direção de Curta-Metragem por essa produção. Seguimos acompanhando de perto a repercussão do filme por lá.