Por Tainá Junqueira

“A Raíssa é uma protagonista forte, que ilumina cada personagem com os seus dilemas, mas ela também erra horrores, é impulsiva e mete os pés pelas mãos. Em tempos onde as redes sociais criam tribunais, julgam e condenam pessoas por fragmentos das suas vidas, ter uma mocinha assim é um alívio. Acho que as pessoas assistem e se identificam com alguém que não é perfeitinho demais.” É assim que a roteirista Renata Corrêa define a protagonista Raíssa Medeiros (Alice Wegmann) de “Rensga Hits!”, série da Globoplay, que está em gravação de sua segunda temporada após o sucesso da primeira. A série conta a história de Raíssa que, ao abandonar o altar depois de descobrir a traição do noivo, parte sozinha para Goiânia para tentar o sonho como cantora sertaneja.

Além de Rensga Hits!, Renata Corrêa também foi uma das roteiristas de outro sucesso, a última novela das sete, Vai Na Fé, da rede Globo, que contou com altíssimos pontos de audiência. Para Renata, o segredo de tanto sucesso é a escuta atenta do público e seus anseios, aflições e sonhos, para criar algo com que possa se identificar e torcer. Vai na Fé conta a história de Sol, uma mulher como tantas outras mulheres brasileiras: guerreira, mãe, moradora da zona norte do Rio de Janeiro, trabalhadora, que vende quentinhas todos os dias no centro da cidade. “Uma obra para fazer sucesso precisa ter uma sintonia fina com o espírito do seu tempo, tem que dialogar com quem consome”. Não à toa, as duas produções trazem como protagonistas mulheres de personalidades fortes, com potentes histórias de vida e problemas reais, a partir de um lugar de vivências atravessadas pela raça, classe e território. Esse é um dos elementos que sempre norteou o trabalho de Renata: dar voz às mulheres.

Aos 40 anos, Renata Corrêa, formada em cinema, já escreveu peça de teatro, livro e documentário. Foi roteirista de programas de televisão como Greg News, da HBO, e Mulheres Fantásticas, da rede Globo. Agora, ela está escrevendo o longa-metragem Copo Vazio, inspirado no livro de mesmo nome de Natalia Timmerman, que conta a história de Mirela, uma mulher realizada que experimenta afetos e sentimentos perturbadores ao se apaixonar por Pedro. O romance traz com profundidade a vulnerabilidade sem constrangimento, as dores comuns a tantas mulheres, as angústias, desalentos, dores, arrependimentos e dúvidas. “É uma história universal, fala dos impactos violentos do abandono nas relações amorosas, mais um tema que é tratado apenas como feminino, mas na verdade é relevante para todas as pessoas”.

Copo Vazio é mais um trabalho que dialoga com tudo que Renata acredita, se dedica e faz acontecer: usar as palavras para dar vida a histórias verdadeiras e vivências complexas. “Acho que cresci entendendo que uma história bem contada é a melhor maneira de dizer a verdade”. As palavras crescem, ganham corpo, cor, personagens, espaço e emoções. Falar sobre vivências femininas, colocar história de mulheres em evidência enquanto questiona-se as histórias convencionais que sempre foram contadas é tarefa essencial para naturalizar esses relatos, fazer viver essa memória e, principalmente, incentivar mais mulheres a contarem suas histórias. “Escrever, botar no papel experiências que atravessam o corpo das mulheres é uma maneira desses assuntos serem normalizados”.

Para Renata, falar de temas como aborto e feminismo é essencial para que deixem de ser temas espinhosos ou reprimidos. “Quando falo de aborto não estou falando de nada extraordinário – uma em cada sete mulheres brasileiras até os 40 anos já realizou um. Por que isso é um tabu, ou algo a ser silenciado?”. Ela sempre recorreu às palavras para se expressar e falar dos assuntos que acreditava que precisavam crescer, viver e se espalhar. “Sempre tive a necessidade de conversar com o mundo através da escrita”. No entanto, o espaço que as mulheres ocupam na literatura ainda é estreito. Até o início do século passado mulheres usavam pseudônimos masculinos para serem lidas e levadas a sério. Hoje, mulheres ainda lutam para estar nas mesmas estantes que escritores homens em livrarias, ocupar o mesmo lugar de prestígio, alcançar a mesma legitimidade na história que é contada. “Hoje, quando entramos numa livraria, obras provocadoras, violentas e humanas escritas por mulheres ainda estão numa mesinha separada de “escritoras” ou “literatura feminina””.

Desafiando essa conjuntura, Corrêa publicou em 2022, seu primeiro livro de ensaios não ficcionais, o “Monumento para a Mulher Desconhecida” (Rocco) que narra, sem tabus e com humor e leveza, temas como machismo, aborto, rivalidade feminina, maternidade, saúde mental e tantos outros pensamentos presentes na vida cotidiana de qualquer mulher. A vontade de Renata era “jogar luz sobre experiências comuns do feminino mas que são silenciadas. Por isso o livro também é uma convocação para que outras mulheres escrevam”. Ao escrever o livro, não se usa apenas esse espaço para evidenciar relatos, mas se usa as palavras em seu sentido metalinguístico de incentivar mais mulheres a escreverem. “Mulheres devem falar das suas experiências. Ainda vivemos em um mundo onde a palavra masculina vale mais do que as mulheres. Como se a experiência de ser mulher no mundo fosse específica, marginal e a experiência de ser homem fosse a totalidade da experiência humana”.

Monumento para a Mulher Desconhecida, como o próprio nome monumento diz, traz reflexões sobre imagens que escolhemos recordar, sobre quais monumentos estão presentes em praças públicas para que sejam lembrados, e quais são esquecidos. “Porquê de existir em toda cidade um monumento para um soldado desconhecido que matou e morreu numa guerra e nenhum monumento para as mulheres desconhecidas que nos trouxeram até aqui, limpando, cuidando, alimentando, ou seja, sustentando a vida da humanidade com os seus corpos”. Busca-se a literatura, o livro e as palavras como monumentos, como símbolos de construção das histórias que nos formam. Renata utiliza o texto como espaço de ressignificação, de luta, de resistência. “Quando uma mulher escreve e publica é uma afirmação de existência, é uma afirmação de humanidade. Um bom texto não pode ser ignorado, e isso é político.”

A busca pelo direito à existência e à memória é materializada na busca pela representatividade. Em todo momento, em todos os espaços, através da presença dos corpos, da verbalização das ideias. Seja na literatura, nas produções audiovisuais ou na política. Renata conta que quando começou a escrever era constante ser a única mulher na sala de roteiro de alguma produção. “E o machismo é um sistema tão ardiloso que muitas vezes me orgulhei disso. Logo percebi que não era orgulho nenhum estar em um espaço sem mulheres, e sim uma vergonha para todos os envolvidos.” Aos poucos, viu o cenário mudar com maior presença de mulheres e pessoas negras na política e outros espaços de poder e decisão. “Isso se reflete nas salas de roteiro e nos set de filmagem que a cada dia mais refletem a nossa sociedade como um todo e não somente a nossa elite – branca e masculina.”