Relatório propõe cultivo de cannabis pela agricultura familiar na lista contra a Guerra às Drogas
Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas também prevê comissão da verdade para investigar a guerra
A guerra às drogas está em total oposição aos parâmetros estabelecidos no sistema democrático, pois reafirma o racismo como base fundamental das injustiças criminais e coloca em xeque diversas políticas públicas adotadas pelos governos, conclui um novo estudo da Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas, lançado na quinta-feira (15).
A regulamentação do mercado da cannabis, a partir da produção realizada pelo modelo de agricultura familiar, é uma alternativa defendida pelo documento, que apresenta seis recomendações legislativas e institucionais, baseadas no critério da Justiça de Transição da Organização das Nações Unidas (ONU). O relatório afirma que, se as medidas forem adotadas pelo poder público, o impacto das desigualdades e do racismo praticado pelo Estado sob o pretexto da guerra às drogas pode ser reduzido.
Uma Comissão da Verdade também deveria ser instalada para investigar desde fatos gerais, como a incidência de países estrangeiros, a um projeto globalizado de guerra às drogas, que sustentou e segue alimentando teorias racistas e supremacistas no cerne da proibição, além da averiguar e responsabilizar casos específicos, como a participação de agentes do Estado em crimes contra a humanidade e o paradeiro de pessoas desaparecidas em meio a esse conflito.
Reparação às comunidades afetadas
O documento afirma que o Estado brasileiro deve reconhecer oficialmente as famílias que tiveram seus entes vitimados na chamada guerra às drogas. Para além das reparações devidas a indivíduos e famílias, com reparação financeira, o relatório afirma que é importante conceber processos de reparação que pensem os danos coletivos aos territórios e comunidades, produzidos pela lógica da guerra.
Uma anistia geral a pessoas envolvidas no conflito pode ser um grande passo para um processo de desencarceramento em um país que já tem a terceira maior população carcerária do mundo. “Uma iniciativa não apenas razoável, mas urgente”, afirma o relatório da Iniciativa Negra.
“Esse processo deve ser estabelecido junto a mediações locais continuadas e alternativas, que permitam processos reconciliatórios entre
pessoas autoras e vitimadas pela violência, garantindo reinserção e repactuação em territórios e processos de promoção da paz”, diz o documento.
Mudanças legislativas e institucionais para o fim do conflito
O relatório defende que são necessárias mudanças legislativas e institucionais que possibilitem o fim do conflito, hoje, justificado pela proibição das drogas. Também propõe melhoria nas leis para drogas lícitas.
“Apesar de já regulamentada a cadeia produtiva das drogas lícitas, é necessário aprimorar normativas existentes para o álcool, o tabaco e os medicamentos, inclusive no que diz respeito às regras de publicidade para essas substâncias”, afirma a iniciativa.
“Por compreender que este modelo de abordagem sobre o uso e comercialização de substâncias guarda relação profunda com o passado escravocrata e com a desigualdade vigente no país, é impossível aceitar que o estado brasileiro continue isento de responsabilidade sobre os danos produzidos por uma estratégia de combate que tem como principais resultados o encarceramento e a morte desproporcional de negros e negras”, conclui o relatório.
Para enfrentar a desumanização que ainda baseia as violências institucionais cometidas contra pessoas negras, a luta pela transformação dos marcos legais da política de drogas e a luta pela criação de novos direitos são medidas fundamentais para que as propostas de reparação elencadas neste trabalho se convertam em possibilidades de vida digna para a população negra brasileira.