O primeiro ano do novo governo Lula foi marcado pela retomada de ações de fiscalização e repressão às invasões em alguns territórios indígenas. Entretanto, a demarcação de terras e as ações de proteção e assistência às comunidades permaneceram insuficientes.

Sem demora, contudo, a realidade política se impôs. O Congresso Nacional atuou para esvaziar o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) , especialmente por meio da aprovação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, transformado, no final do ano, na Lei 14.701/2023, que traz para o Poder Legislativo a competência das demarcações das terras indígenas no Brasil.

Essa foi a conclusão do relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2023, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Violência em números

“Oito Terras Indígenas foram homologadas no primeiro ano do novo governo, um número aquém das expectativas, mesmo sendo maior que o dos últimos anos.” diz o relatório.

Essa situação contribui diretamente para conflitos por terra, já que, sem a demarcação, os povos indígenas sofrem pressão, assédio e intimidações, e alguns deles chegaram a sofrer ataques armados e violência direta contra comunidades.

Estados mais violentos

No total, em 2023 foram registrados 150 conflitos relativos a direitos territoriais, com destaque para o Mato Grosso do Sul como o estado líder de conflitos.

O relatório chamou atenção sobre os conflitos ocorridos nos estados da Bahia, do Mato Grosso do Sul e do Paraná, que, inclusive, foram destaque na semana passada por seus conflitos envolvendo povos indígenas, jagunços e fazendeiros.

No extremo sul baiano, o povo Pataxó luta há anos pela conclusão da demarcação das TI´s, e por isso deram início a um movimento de retomada e autodemarcação de seus territórios, entre 2022 e 2023.

A reação de fazendeiros e latifundiários da região foi de extrema violência e vitimou, no início de 2023, dois jovens Pataxó: Samuel Cristiano do Amor Divino, de 23 anos, e Nauí Brito de Jesus, de 16.

Parentes que se foram

Foram registrados 208 assassinatos de indígenas, onde destacam-se Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36).

Outros números chamam bastante a atenção: foram registradas 1.040 mortes de crianças indígenas entre 0 e 4 anos de idade em 2023 em todo o país.

A maior parte dessas mortes de crianças ocorreu no Amazonas (295), em Roraima (179) e no Mato Grosso (124). As principais causas foram gripe e pneumonia, diarreia, gastroenterite, doenças infecciosas intestinais e desnutrição.

Além disso, ocorreram 180 suicídios, a maioria de jovens. O Amazonas é novamente o estado campeão (66), seguido pelo Mato Grosso do Sul (37) e Roraima (19).

Esses estados, que há anos lideram os números de suicídios indígenas, também são palco de elevados índices de violência e de vulnerabilidade social envolvendo estes povos.

A maioria dos suicídios (69,4%) foi cometida por homens indígenas. Embora a maior parte das vítimas (112) esteja compreendida na faixa entre 20 e 59 anos de idade, chama atenção a alta incidência de suicídios entre indígenas muito jovens. Em 2023, 59 indígenas com até 19 anos de idade cometeram suicídio – mais de um terço do total registrado no ano.

Em um artigo de revisão publicado em 2020 na Revista Panamericana de Salud Pública, o grupo coordenado pelo psicólogo Maycoln Teodoro, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), elencou como causas frequentes: a pobreza, os baixos indicadores de bem-estar, os fatores históricos e culturais, a desintegração das famílias e a falta de sentido na vida.

Invasões de suas terras e a expulsão do território em que originalmente viviam, além da degradação do ambiente e de mudanças forçadas nos hábitos de vida, são fatores que acarretam a chamada “morte cultural”, outro potencial indutor do comportamento suicida.

O CIMI

“O momento que estamos atravessando é extremamente difícil”, disse o cardeal Leonardo Ulrich Steiner, presidente do Cimi e arcebispo de Manaus, no lançamento do relatório. “O Congresso Nacional perdeu o horizonte da ética e a moral. É a justiça que possibilita a lei e o direito. E a Justiça não condiz com as leis que estão sendo gestadas no Congresso Nacional”, seguiu.

Além das informações colhidas pelas equipes missionárias do Cimi e junto a meios de comunicação, organizações da sociedade civil e órgãos como o MPF, também são utilizadas informações obtidas junto a fontes públicas, acessadas por meio de solicitações feitas via Lei de Acesso à Informação (LAI) e da consulta a bases públicas de dados. Estas fontes incluem secretarias estaduais de saúde, a Sesai e o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).