O ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) da gestão Bolsonaro, Alexandre Ramagem, impediu a punição de dois servidores investigados por espionagem ilegal de mais de 1,8 mil números já identificados de autoridades, aponta uma investigação da Polícia Federal.

De acordo com a PF, Ramagem atrasou por dois anos a demissão de Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Izycki, que foram exonerados na última sexta-feira (20), e estão presos. A demora pode ter sido causada por chantagens dos servidores, que ameaçavam denunciar o uso ilegal do software First Mile para monitoramento de ao menos 1800 telefones.

Em 2021, a corregedoria-geral da Abin reconheceu a culpa de Colli e Izycki por terem feito uma licitação de uma empresa particular com o Exército. Apesar da recomendação de demissão, Ramagem pediu que o processo fosse revisto.

A justificativa de Ramagem era de que a conduta dos agentes não foi individualizada no processo emitido pela corregedoria-geral da Abin e que faltava mais provas sobre o conflito de interesses que tornaria a ação de ambos ilegal.

A PF suspeita que os servidores chantageavam a direção da Abin com informações sobre o monitoramento ilegal de pessoas públicas, incluindo políticos e jornalistas da oposição.

Servidores atuaram com empresa suspeita

Antes de serem demitidos da Abin, eles atuaram para outros órgãos públicos, incluindo uma consultoria para a empresa de inteligência Harpia Tech. Um dos serviços prestados envolveu o Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército Brasileiro, revelou com exclusividade o Intercept Brasil.

Os agentes utilizaram um terceiro servidor da Abin chamado Filipe Soares, que hoje é proprietário da Harpia Tech, para intermediar suas atividades com outros órgãos públicos. Inicialmente, Filipe Soares admitiu que os agentes foram contratados como consultores, mas posteriormente negou que tenham trabalhado para o Exército.

O contrato entre o Exército e a Harpia Tech, celebrado em novembro do ano passado, envolveu um valor total de R$ 1,3 milhão. A empresa também possui acordos com outros órgãos públicos, incluindo o Ministério da Justiça e o Supremo Tribunal Federal. O Exército se recusou a comentar o contrato, alegando sigilo.

Entidades da sociedade civil questionaram a contratação da empresa pelo governo brasileiro, embora o contrato tenha sido eventualmente autorizado pelo Tribunal de Contas da União.

Além das prisões de Izycki e Colli, a Polícia Federal realizou 25 mandados de busca e apreensão e afastou cinco diretores da Abin.