Racismo e elitismo: ‘Operação Verão’ evidencia preconceito contra crianças e adolescentes negros
A operação alega que esses adolescentes, predominantemente de pele negra ou parda, são suspeitos de serem infratores em potencial.
Por Nathália Shizuka
A Operação Verão, conduzida pelo governo estadual do Rio de Janeiro, está detendo adolescentes de bairros periféricos sem qualquer flagrante próximo às praias de áreas mais abastadas da cidade. A operação alega que esses adolescentes, predominantemente de pele negra ou parda, são suspeitos de serem infratores em potencial.
Os registros de incidentes violentos nas praias de Copacabana ganharam destaque nos noticiários no início da estação do verão. Para enfrentar os crimes próximos às orlas, a Secretaria de Ordem Pública (SEOP) está executando a “Operação Verão”. Em comunicado, a pasta informa que, além de supervisionar e fiscalizar vendedores ambulantes nas praias, os agentes também intensificam a patrulha nas orlas e apoiam a polícia “ao abordar jovens que vão às praias sem a presença de um responsável e que não portam documentos.”
A ação visa deter esses jovens no transporte público para prevenir “possíveis infratores”. Entretanto, é fato que esses jovens têm cor: segundo a pesquisa “Elemento Suspeito” (2022) realizada pelo Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (CESeC), 71% dos usuários de transporte público são negros, e embora representem 48% da população carioca, 68% dos entrevistados afirmam terem sido abordados a pé ou de moto.
Em relato para a Defensoria Pública, a mãe de um dos adolescentes detidos conta que o jovem estava indo para a praia com um grupo de amigos. Todos eles tinham documentos de identificação e dinheiro para a passagem. No entanto, ao mencionar que residiam no Jacarézinho, uma favela na Zona Norte do Rio de Janeiro, foram detidos: “Eles ficaram devastados, pois estavam indo se divertir na praia. Eles poderiam ter enfrentado problemas, poderiam ter sido agredidos. Imagine a situação na mente do adolescente?”, disse a mãe.
Batalha judicial
De acordo com a Defensoria Pública para a Agência Brasil, relatos semelhantes são recebidos diariamente pelos conselhos tutelares da cidade. Em 15 de dezembro do ano passado, a juíza Lysia Maria da Rocha Mesquita, da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca da Capital, proibiu esse tipo de detenção, a menos que haja flagrante de algum crime. A magistrada atendeu a uma ação civil pública do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ). A apreensão de menores sem flagrante vai contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e compromete os direitos dessas crianças e adolescentes. Em casos de flagrante, a lei exige que os adolescentes sejam encaminhados à autoridade policial competente. A Promotoria também ressaltou o viés racial nas detenções de menores sem flagrante.
“É crucial enfatizar que a atuação não justificada e desproporcional da Polícia Militar, direcionada a adolescentes negros — praticamente todos dos 89 adolescentes eram negros — que não estavam cometendo ato infracional ou em situação de risco iminente, caracteriza, sem dúvida, racismo institucional.” Afirma a juíza Lysia Maria da Rocha Mesquita.
No mesmo mês, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, revogou neste sábado (16) a decisão que proibia a apreensão de menores, exceto em casos de flagrante, nas praias do Rio.
Posteriormente, a Procuradoria Geral da República (PGR) solicitou a suspensão imediata da decisão do TJRJ que anulou a proibição de apreensão de menores durante a Operação Verão. Agora, o Supremo Tribunal Federal decidirá se suspende essa operação, reafirmando o direito de liberdade de locomoção, recreação e desfrutando do lazer por parte de todas as crianças e adolescentes, cujas prerrogativas são estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), assim como pela Constituição Federal de 1988.