Por Ana Beatriz Alves, para Cobertura Colaborativa Paris 2024

Entre a agitação na Cidade Luz, que recebe os Jogos Olímpicos, algo mais grandioso do que os monumentos históricos emergem: as vozes e vitórias das mulheres negras brasileiras nas Olimpíadas de Paris 2024. Seus feitos são mais do que medalhas; são símbolos de resistência, orgulho e transformação. É importante relembrar de quem nos ajudou a estar no pódio, ou até mesmo, conseguir competir numa olimpíada e que jamais devem ser esquecidas.

Desde Melânia Luz, velocista e a primeira mulher a representar o Brasil em uma Olimpíada. Paulista, amante do esporte, são paulina roxa, trabalhou por anos como técnica de laboratório e treinava aos finais de semana. Ela foi aos Jogos de Londres em 1948 e fez aquilo de mais ousado que uma mulher negra poderia fazer: competir e representar seu país, sendo preta, em um mundo em recuperação da Segunda Guerra Mundial. Se despediu em quarto lugar nas classificatórias, mas lá, já tinha feito história, dando passagem para portas serem abertas.

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Irenice Rodrigues foi proibida de competir na prova dos 800 metros rasos durante a Ditadura Militar brasileira. Em resposta, seu protesto, foi em correr mais e mais, correr contra o racismo e a injustiça. A velocista organizou uma greve contra o antigo Conselho Nacional de Desportos por melhores condições para atletas. Ela correu para que as que correm hoje pudessem fazer isso sem medo de serem presas.

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A primeira final olímpica com uma mulher preta veio apenas com Aída dos Santos, em Tóquio 1964. Ela não tinha roupa para a cerimônia, nem equipamentos certos e muito menos um técnico. Aída só tinha vontade de competir. Mesmo com todas as adversidades, ficou em quarto lugar no salto com vara.

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Wanda dos Santos, atleta de várias modalidades, mais uma mulher importantíssima para o esporte brasileiro. Foi a segunda mulher negra em Olimpíadas a representar o Brasil, em Helsinque, em 1952, e em Roma, em 1960, disputando provas de 80 metros com barreira e salto em distância. Também sofreu com falta de equipamentos adequados e com o racismo nas competições nas Olimpíadas, havia atletas que não a tocavam ou não chegavam perto dela por ela ser negra.

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Você pode até não a ter visto competir, mas com certeza já ouviu falar dela. Adiantando um pouco: Daiane dos Santos, uma lenda que ninguém acredita que não tem uma medalha olímpica. A nossa primeira Campeã Mundial na ginástica artística brasileira, referência, ícone, testemunho de força que vai além de medalhas e troféus. É, basicamente, o motivo de hoje termos Rebeca Andrade, Lorrane Oliveira, e muitas outras que irão surgir.

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Indo para a atleta com mais participações em Copas do Mundo, a jogadora que mais participou das Olimpíadas, no total, sete: Formiga, formidável, pioneira no nosso futebol feminino. Anos de dedicação a uma modalidade que nunca foi vista ou incentivada da forma que deveria, que foi proibida por anos por pura misoginia e, hoje, boa parte de sua conquista de espaço está na conta dela. 

Se pararmos aqui para falar da Cristiane, esse texto vira um livro. Nossa artilheira, 14 gols em Jogos Olímpicos.

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Ao falar de Judô, Ketleyn Quadros, já está marcada na história sendo a primeira mulher brasileira, e negra, a conquistar uma medalha individual em Olimpíadas, em Pequim 2008. Mal sabia ela que esse seria o esporte que o Brasil mais ganharia medalhas. 

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Afinal, país do Judô, não é, Rafaela Silva? Atleta que se recuperou, com uma grande história de representatividade e LGBTQIA+. Alvo de ataques racistas após perder a medalha em Londres 2012, conquistou o primeiro ouro do Brasil em 2016, em casa, da forma mais emocionante possível. Uma das maiores que nós temos.

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Num país tão machista, o Brasil, pela primeira vez na história, levou uma delegação com maioria feminina, justamente nos primeiros Jogos com igualdade de gênero no número total dos atletas. E de nossas 13 medalhas conquistadas até o momento, 10 foram por meio de mulheres, sem contar a medalha que a Seleção Feminina de Futebol deve conquistar no sábado (10), com campeãs olímpicas negras, é um passo gigantesco. Não é à toa que estamos chamando de “Olimpíadas das mulheres”.

O processo de construção é lento, mas também reconfortante. Porque hoje temos Rayssa Leal, Rebeca Andrade, Lorrane Oliveira, Rafaela Silva, Jucielen Romeu. E antes delas, vieram Daiane, Aída, Irenice, Melânia e muitas outras.

Beatriz Souza, nossa judoca campeã olímpica, nos lembrou:

“Mulherada, pretos e pretas, é possível.”

E é muito possível, com as grandes referências que temos hoje, com pessoas que, independente de tudo, podem viver do que amam, apesar das adversidades que temos num país que não investe no esporte.

É muito possível ver pretos no pódio, ouvir o hino mais bonito do mundo e cantar junto. É possível ver duas americanas reverenciando uma ginasta brasileira, é possível colocar medo nos adversários, é possível sermos os melhores do mundo, é possível gritar:

“Eu sou campeã olímpica!”

O protagonismo negro nos Jogos Olímpicos nos faz recordar do que temos de referência nos atletas, a qual são o futuro, para as novas gerações pensarem: “Poxa, elas eram tão boas assim?” Assim como fico quando vejo qualquer pedacinho dos solos da Daiane dos Santos, ou de qualquer jogo que tivemos o trio Marta, Cristiane e Formiga.

Que no futuro, os saltos da Rebeca, os gols da Adriana e da Kerolin, os “waza-aris” da Bia Souza (quando, após um golpe, os critérios para um ippon, nocaute no judô, não são atingidos e o adversário cai de lado em vez de cair de costas no solo), os “flips” da Rayssa Leal (manobras de skate executadas com o giro da prancha, baseadas no ollie, que é a manobra fundamental do skate onde a skatista pula com a prancha sem usar as mãos, adicionando um “kick”, ou chute, em português) e todas as outras que virão possam ser lembrados com admiração e respeito.

Pois como a própria rainha Marta, seis vezes melhor do mundo, disse: 

“É chorar no começo, para sorrir no fim.”