Élcio Queiroz dá detalhes de relação com Ronnie Lessa e afirma ter recebido mil reais no dia do crime
“Tem dinheiro nisso aí, o que é?, teria perguntado Elcio. “Não, é pessoal”, afirmou Lessa, enquanto os dois estavam a caminho do local da execução.
“Tem dinheiro nisso aí, o que é?, teria perguntado Elcio. “Não, é pessoal”, afirmou Lessa, enquanto os dois estavam a caminho do local da execução.
Por Cley Medeiros
A Mídia NINJA teve acesso a trechos da delação premiada do ex-PM Élcio Queiroz, preso pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e Anderson Sousa. Nela, Élcio afirma que as motivações para o crime cometido junto com Ronnie Lessa foram ‘pessoais’, e que ele não conhecia Marielle nem Anderson.
De acordo com o seu relato para a Polícia Federal, Ronnie Lessa, responsável pelos disparos, afirmou que não iria receber uma quantia pelo assassinato, mas deu a Queiroz R$ 1 mil após ele conduzir o carro do autor dos disparos que mataram a vereadora Marielle e Anderson. Ronnie Lessa, policial atualmente preso e acusado pelos assassinatos, perguntou se Élcio estaria “duro” (precisando de dinheiro), e em seguida deu a quantia para o motorista do Cobalt, no dia 14 de março de 2018, horas depois de Marielle sair da Casa das Pretas pela última vez.
No depoimento de Queiroz, Lessa é apontado como um dos chefes da milícia do setor Rocha Miranda e Jorge Turco, na zona Norte do Rio de Janeiro. Além de Lessa, o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Macalé, preso nesta segunda-feira (24), integrava a mesma rede de milicianos que buscou matar Marielle desde 2017, ano em que ela assumiu o cargo de vereadora na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
A rede de contatos da milícia
Conforme o relato de Élcio, os dois se conhecem há 30 anos, e até mesmo o filho de Elcio viajou para os Estados Unidos com a família de Lessa. A relação de ‘padrinho’ começou após o pai de Élcio se tornar amigo de Lessa.
‘Ele era da Polícia Militar e eu estava entrando para a Polícia Militar na época, mas nunca trabalhamos juntos na mesma unidade. […] Nos encontramos no choque, mas nunca trabalhamos na mesma unidade’, conta Elcio. ‘Eu sou amigo da família dele, ele é amigo da minha família’.
Ainda no depoimento, Elcio afirma ter começado a emprestar dinheiro de Lessa após ter sido preso durante a Operação Guilhotina, em 2011. “A partir daí, minha fonte de renda era fazer alguns serviços ‘freelancer”, disse Elcio.
Na ocasião, a operação prendeu 37 policiais por envolvimento com tráfico de drogas e armas, milícias e exploração de jogos ilegais, como jogo do bicho e caça-níqueis.
‘Na época do crime (assassinato de Anderson e Marielle) eu já trabalhava em outra empresa de escolta, na outra transportadora, no caso, na ‘Jadlog”, explica Elcio, que confessa ter continuado a atuar nos serviços que Lessa pedia. A investigação deve apontar que Élcio cumpria obrigações da rede de milicianos que tinha Lessa como um dos manda-chuvas.
‘Ele (Lessa) me emprestava e eu pagava parceladamente também, conforme ia fazendo os serviços, muitas vezes também ele abria mão de alguma coisa ou outra, e assim sempre nossa amizade foi baseada nisso daí, independente do dinheiro, mas a gente tinha uma relação de como se fosse irmão’, afirma.
Os dois contaram com a estrutura de contatos da milícia para encobrir os rastros dos crimes, assim como o pré-meditado assassinato da vereadora Marielle Franco.
Além de forjar a produção de álibis para impedir o avanço de investigações, como o desaparecimento do celular que armazenou os contatos de comunicação entre Elcio e os supostos mandantes do assassinato, assim como o desaparecimento e troca da placa de carro utilizado e desvio de áreas com câmeras.
O carro utilizado no crime
Ao delegado, Elcio afirmou que Lessa não trocava de carro em sua rotina, mas que sempre tinha um ‘carro ruim’, ou ‘cabra’ (termo usado para definir carros com procedência duvidosa, utilizado para cometer crimes).
Com o objetivo de atuar abaixo do radar das fiscalizações, Lessa e Elcio buscaram formas de alterar o local onde esse carro seria estacionado. Elcio sabia que o carro era roubado ou com placa clonada.
‘Eu vi (o carro) pela primeira vez quando eu estava indo para o quebra-mar à tarde… (inaudível); quando estava chegando para procurar… não tinha lugar para estacionar no quebra-mar, eu procurei antes que tem um quiosque ali na Avenida do ‘Pepê’, tava procurando uma vaga, aí eu vi, antes de estacionar, eu vi o Suel (Maxwell, Macalé) sentado nesse Cobalt prata e o Lessa em pé, conversando com ele; aí eu consegui uma vaga ali, aí fui até ele; aí o Lessa já estava se despedindo dele; aí foi que o Lessa comentou comigo que era um carrinho, era o tal carro que estava sendo usado em um trabalho’, afirmou Élcio em depoimento.
Após esse dia, Élcio afirma que só chegou a ver o carro na virada do ano de 2017 para 2018, e depois no dia do crime.
Foi no Vivendas da Barra, condomínio de classe média alta na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, que Elcio e Lessa passaram o ano novo entre 2017 e 2018, e combinaram detalhes do assassinato da vereadora Marielle Franco.
Ocultação de provas
Após o crime, os dois percorreram um longo trajeto, passando pela casa da mãe de Lessa, onde foram recebidos pelo irmão do assassino, que chamou um táxi. Os dois foram para um bar, encontraram Maxwell (Macalé), que intermediou os contatos com os mandantes, de acordo com a delação.
Em seguida, voltaram para o condomínio de Lessa, onde Elcio tinha deixado o seu carro. À época, um dos moradores do condomínio era o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Foi na casa de Elcio que os três (Lessa, Maxwell e Elcio) picotaram a placa do Cobalt prata, carro utilizado no assassinato, um dia depois. Eles jogaram os pedaços ao longo da linha de trem que passa no Engenho de Dentro.
Elcio cita um homem chamado ‘Orelha’, que tinha uma agência de automóveis, e que, por isso, ‘consequentemente tinha contato com essas pessoas que têm peças de carro’, afirmou.
‘Ronnie deixou bem claro para explicar para ele que isso aí tem que sumir… não pode aparecer, não pode vender peça… não pode fazer desmanche para vender peças; preocupação era essa porque tem digital, podia achar uma cápsula, um DNA’, afirmou em depoimento.
As investigações continuam para descobrir quem foram os mandantes do assassinato de Marielle e Anderson.