Quando teremos uma COP das crianças?
Durante a COP nos Emirados Árabes a ideia é mudar essa realidade e começar a construção de uma COP sensível às infâncias, uma COP das Crianças
Por JP Amaral, gerente de Natureza do Alana
“Mais de uma em cada quatro mortes de menores de 5 anos está direta ou indiretamente relacionada com riscos ambientais. Elas são as mais afetadas e precisam fazer parte da conversa”. A COP 28 – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023, que acontece em Dubai, nos Emirados Árabes, até dia 12 de dezembro, teve seu início com um dado alarmante apresentado pelas Nações Unidas: 2023 é o ano mais quente de todos os tempos. “Simples” assim.
Os desdobramentos que a situação projeta são extremamente preocupantes e precisamos agir para que as crianças de agora e das próximas gerações não recebam como herança um planeta em condições ainda mais catastróficas. Quase metade das crianças em todo o mundo – 1 bilhão de um total de 2,2 bilhões – vivem ativamente em condições de risco climático extremamente elevado, ou seja, em áreas sujeitas a enchentes, ondas de calor e outros fenômenos severos, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
A situação é ainda mais grave quando falamos de crianças pobres, negras, moradoras de periferias, indígenas, ribeirinhas, quilombolas, com deficiência e do Sul Global. Presenciamos um momento de urgências e ameaças climáticas cruéis, avassaladoras e, desde cedo, as crianças vivem em realidades atravessadas pela poluição, fome, doenças, extinção e ansiedade.
Apesar do fato de não serem culpadas em nenhuma medida pelos efeitos nefastos do aquecimento global, as crianças são as mais afetadas e, ainda assim, não participam nem são levadas em consideração nas agendas que definirão suas vidas, incluindo as negociações da COP.
Em mais de 30 anos, desde a entrada em vigor da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, também conhecida pela sigla UNFCCC, nunca houve uma decisão centrada na proteção de crianças e adolescentes. Os desafios vão além das altas temperaturas e eventos extremos. Problemas como poluição do ar, contaminação da água, escassez de alimentos ou precariedade no saneamento e higiene em decorrência da emergência climática gerada pelo consumo e pelo modo de produção de bens e alimentos atingem as crianças mais duramente, provocando problemas que podem perdurar por toda a vida. E como a COP pode ser um ponto de inflexão contra esse prognóstico?
Durante a COP nos Emirados Árabes a ideia é mudar essa realidade e começar a construção de uma COP sensível às infâncias, uma COP das Crianças. Alinhado com organizações internacionais de referência, entidades como o Alana têm cavado espaço nas negociações e na articulação para que as ações climáticas passem a considerar as necessidades específicas das crianças e a contemplá-las de forma ampla, observando direitos e interesses.
Realizar uma COP centrada nas crianças seria uma resposta importante do mundo para garantir os direitos de crianças e adolescentes frente à crise climática, com reflexo nos compromissos de países, especialmente do Brasil, rumo à COP 30, de empresas e de fundações filantrópicas. Crianças e adolescentes já têm contribuído ativamente por ações climáticas e precisamos ouvi-las e incluí-las de fato nas decisões globais.
Inclusive, este ano, o Alana, juntamente com outras organizações parceiras, levou para o evento vozes de crianças de 13 países – Austrália, Barbados, Brasil, Cazaquistão, Egito, Emirados Árabes, Estados Unidos, Kiribati, Madagascar, Malásia, Paquistão, Sérvia e Somália –, por meio de seis filmes desenvolvidos pela agência Fbiz. No lançamento de “O que importa”, as crianças relatam como suas vidas têm sido afetadas pelas emergências climáticas, expressam suas preocupações e medos, além de cobrar ações efetivas e soluções imediatas das autoridades.
O desafio é grande já que, até o momento, nenhuma decisão tomada no âmbito da COP se concentrou na proteção de crianças e adolescentes frente à crise climática. E apenas 2,4% dos principais fundos climáticos multilaterais apoiam programas que levam essa população em conta. Mas, a expectativa é que, a partir desta COP, o cenário passe a mudar.
Pela primeira vez, cada país deverá apresentar os seus balanços e metas, demonstrando se atendem o que foi firmado em 2015, no Acordo de Paris – o Global Stocktake. Naquela ocasião, todos se comprometeram a, até a metade deste século, evitar o aumento da temperatura da Terra ou mantê-lo abaixo de 1,5°C em relação à era pré-industrial; a construir planos e ações de resiliência e adaptação; e a manter fluxos financeiros visando eliminar o uso de energia à base de petróleo.
Estamos bem longe de atingir esses objetivos. A verdade é que de 2015 para cá, não só não se reduziu o nível de emissões de gases que provocam o aquecimento da Terra, como elas cresceram. Logo, é necessário que, durante esta COP, haja uma grande “DR” global, e que produza resultados práticos. Representantes de países, organizações não governamentais e empresas devem entender se, diante dos balanços globais, e no ritmo em que estamos, será mesmo possível manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C, e o quanto deve ser investido – pelo norte e sul global – para que isso aconteça.
As delegações em eventos como a Conferência do Clima devem permitir a participação das crianças em todos os processos, como parte da delegação nacional oficial, e criar espaço e oportunidade para a participação segura e significativa dos pequenos e dos adolescentes.
Esta é uma grande oportunidade para ampliarmos de fato o papel das crianças e jovens no debate. Não se trata de uma proposição idealista com pouco poder prático. No ano passado, durante a COP 27, no Egito, o Alana conseguiu resultados significativos, com a campanha #KidsFirst, como a inclusão histórica de diversas medidas a respeito das crianças na decisão final.
Há conhecimentos e boas práticas na comunidade dos direitos da criança sobre metodologias apropriadas e eficazes para a participação significativa e acessível que poderiam ser utilizadas. A cooperação internacional com organismos relevantes poderia apoiar esse processo de aprendizagem institucional. Precisamos transformar essa realidade e nos tornarmos, imediatamente, pontes de construção para um futuro com floresta, biodiversidade vivas e condições dignas de vida para todas e todos, principalmente, as crianças.