Qual o saldo da Cúpula das Américas para a Amazônia e os Povos Indígenas?
Lideranças indígenas tiveram suas entradas negadas justificando-se que não “havia espaço para todos”.
A Cúpula das Américas encerrou nessa sexta-feira com grande decepção para a pauta ambiental, principalmente a proteção da Amazônia e os Povos Indígenas. Sônia Guajajara e Junior Hekurari Yanomami falam sobre o que se tira do evento, e as lutas que continuarão a ser travadas.
Por Laura Uyeno para Cobertura Colaborativa NINJA People’s Summit
A IX Cúpula das Américas que terminou nessa sexta-feira, 10, em Los Angeles, EUA, já vem sendo declarada como um fracasso antes mesmo do seu início. O impedimento da participação de Cuba, Nicarágua e Venezuela, que levou o México a recusar comparecer ao evento, seguido por Guatemala, Honduras, 15 países do Caribe e por fim Uruguai (cujo presidente estava com COVID-19). A não completa presença de todos os países da OEA prejudicou não só a credibilidade do evento, bem como comprometeu o acordo unânime da “Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica”, proposta que visa minar a influência chinesa no continente e retomar o papel de liderança dos Estados Unidos em assuntos econômicos de América Latina. O presidente americano Joe Biden que vinha evitando o contato com o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, dessa vez enviou o ex-senador Christopher Dodd para convencer o presidente brasileiro a comparecer no evento, evitando seu esvaziamento.
Já no início do evento problemas de organização surgiram, como lideranças indígenas, previamente inscritos para participar de atividades e com credenciais autorizadas para a Cúpula das Américas, tiveram suas entradas negadas justificando-se que não “havia espaço para todos”.
Na tão esperada coletiva para a imprensa do encontro entre Biden e Bolsonaro, os discursos foram polidos. Havia, como se pode ver anteriormente descrito, grandes interesses em uma relação bastante diplomática entre os pares. Quando entra o interesse econômico, diferenças ideológicas são reduzidas e já não há espaço para a expressão dos indígenas. Curiosa observação exatamente em um país que apesar de o governo dos EUA não admitirem que os indígenas foram vítimas de genocídio, sua população tenha diminuído de cerca de 2 milhões, no século XVI, até aproximadamente 250.000 nos dias atuais.
Joe Biden referiu que em seu país não houve preocupação histórica com a preservação de suas florestas e que vem em tentativas de reparação. Disse que o Brasil vem fazendo um bom trabalho na preservação da Amazônia e que o mundo deveria colaborar financeiramente com o Brasil na preservação da Amazônia para benefício do mundo todo. Durante o evento, Biden ofereceu 12 milhões de dólares para que Brasil, Colômbia e Peru façam investimentos na região amazônica.
Já Jair Bolsonaro queixou-se da perda de soberania com relação à Amazônia e referiu que dois terços do território brasileiro é preservado, inclusive 85% da Amazônia e elogiou a legislação brasileira que julga rigorosa. Acrescentou que o Brasil alimenta 1 bilhão de pessoas no mundo com uma agricultura de alto padrão e fala da diversidade de riquezas do território amazônico.
A tão esperada cobrança com relação à investigação do desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira na região do Vale do Javari na última segunda-feira, envolto em suspeitas de “queima de arquivo” por possíveis denúncias que vinham sendo investigadas pelo jornalista e pelo indigenista, não foi tratada no evento. Entretanto, o Ministro da Justiça Anderson Torres em encontro com o assessor de Biden para o Meio Ambiente foi cobrado com relação à celeridade e profundidade na investigação.
Conversei durante o dia de hoje com duas autoridades indígenas da região amazônica traçando um balanço da Cúpula das Américas tanto para a Amazônia, quanto para os Povos Indígenas.
Sônia Guajajara, ativista e líder indígena maranhense, coordenadora da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e pré-candidata a deputada federal por São Paulo, mostrou-se bastante indignada tanto pelos discursos distorcidos do presidente Bolsonaro, quanto pela posição praticamente isenta do presidente Joe Biden.
“Bolsonaro disse que seu governo é um exemplo mundial na questão ambiental, porém, desde que assumiu a presidência, destruiu as políticas e as instituições de preservação do Meio Ambiente. Somente nos últimos 3 anos, o desmatamento na Amazônia aumentou 56,6%, o que permite afirmar que o governo Bolsonaro é o grande inimigo da Amazônia. Precisamos derrotar Bolsonaro porque o Meio Ambiente não resistirá a mais um governo de destruição. A Amazônia clama por socorro!”, diz. “Em seu discurso preparado a Biden se vangloria de uma Amazônia preservada, mas faltaria apurar esses dados de preservação e desmatamento que claro também são mentirosos. Isso difere totalmente do seu discurso e ações de políticas públicas no dia-a-dia, em que incentiva a invasão de terras por garimpeiros, perseguição aos povos indígenas, flexibilização de leis de proteção ambiental. Diz que espera ser eleito em novembro, e que nas eleições assim como entrou vai sair por via democrática, e que será necessário apurar votos e auditar. O que também difere de suas falas no dia-a-dia sobre as urnas não serem seguras e os pedidos de volta do voto impresso”.
“O presidente estadunidense Joe Biden afirmou que “preservar a Amazônia é uma responsabilidade internacional porque o mundo se beneficia da proteção da floresta”. Eu gostaria de comunicá-lo que a garantia dos direitos indígenas e proteção dos seus territórios resguardam a proteção da Amazônia pois os números mostram que somos 5% da população mundial e responsáveis pela proteção de 83% da biodiversidade.”, alerta.
Ao colunista do UOL Chico Alves, falou sobre o valor oferecido pelo governo Biden para a região Amazônica: “A oferta irrisória de Biden de US$ 12 milhões para proteger a Amazônia brasileira, colombiana e peruana mostra o valor de Bolsonaro. É uma vergonha para os Estados Unidos oferecer essa quantia, diante da dimensão e da complexidade da região. Não se vai conseguir proteger as florestas, a Amazônia, a biodiversidade, a vida das pessoas com um valor insignificante como esse.”
Falou também a respeito da repercussão internacional do desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira: “Esse caso não é apenas sobre duas pessoas desaparecidas, significa toda essa ausência do Estado brasileiro na Amazônia, nos territórios indígenas. A impunidade e o descaso para com essa situação só reforça a permanente violência que acontece naquela área, com invasão e assassinatos. É a impunidade que municia as pessoas que praticam essa criminalidade toda, essa perseguição aos indígenas e seus aliados. Bolsonaro não tem noção da dimensão desse episódio. Dediquei todo espaço que eu tive de imprensa, neste momento, para cobrar a solução para esse desaparecimento e denunciar as violências contra os povos indígenas”.
Junior Hekurari Yanomami é presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY). Denunciante de casos de atrocidades que vêm sendo cometidas contra seu povo, Junior vive em constante ameaça contra sua vida.
A respeito das falas do presidente na Cúpula das Américas, diz: “Todos nós indígenas, como brasileiros enquanto sociedade, conhecemos bem o presidente, né? O presidente não está preocupado com a Amazônia, nem com a floresta e nem com os rios. O projeto dele é destruir a Amazônia, liberar mais mineração, incentivar invadir mais terras indígenas, que nós estamos protegendo. Nós, como povos indígenas, estamos denunciando para poder salvar a Amazônia. Então ele dizer que a prioridade do governo dele é proteger a Amazônia? Não, a gente não está vendo isso. Nós que vivemos na Amazônia, nós que vivemos na floresta, sabemos das ameaças do governo que a gente recebe. Através dos projetos que ele está lutando para convencer o Congresso Nacional a liberar, por exemplo, a tese do Marco Temporal que diz que se o STF não aprovar, ele não irá obedecer. Não é verdade o que ele está falando nos Estados Unidos”.
“O projeto do governo é extinguir a população indígena no Brasil através de medidas como a PL 191 em trâmite no Congresso Nacional. O presidente não tem respeito particularmente com os povos indígenas. O sonho dele é somente retirar os recursos que estão nas terras indígenas.”, denuncia Junior.
Sobre o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira, diz: “A responsabilidade do que aconteceu no Vale do Javari é do governo. Nós denunciamos os invasores, os representantes do Vale do Javari apresentaram documentos e denúncias do MPF pedindo ação do governo federal. Os indígenas convidaram o indigenista e jornalista para denunciar mais, já que o governo não faz o papel de proteger as terras indígenas. Caso tivessem assegurado antes a proteção da terra, não teria acontecido isso. Nós indígenas corremos muito risco, as pessoas que estão invadindo nossas terras são poderosas, têm armas pesadas (fuzis, pistolas) que militares usam. Nós somos ameaçados por esses grandes empresários e políticos que apoiam a invasão das nossas terras. Preocupante, nós corremos muito risco”, lamenta.