
Qual é o impacto de ‘Ainda Estou Aqui’ no cinema brasileiro?
A história de produções nacionais no Oscar e como vencer o prêmio muda a indústria cinematográfica do país
Por Sandra Vasconcelos
No dia 2 de março, o diretor Walter Salles subiu ao palco da 97ª cerimônia do Oscar para receber a estatueta de Melhor Filme Internacional, que nesta edição foi para o brasileiro “Ainda Estou Aqui”. Esta foi a primeira vez que um longa brasileiro recebeu três indicações ao prêmio norte-americano e venceu a categoria de filme estrangeiro.
O clima foi de Copa do Mundo! Diversos estabelecimentos ficaram lotados ao redor do país, as redes sociais foram tomadas por publicações com curiosidades, memes e informações sobre o filme, que retrata o efeito da ditadura militar brasileira no seio familiar, a partir do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e Rubens Paiva.
A vitória não só consolida a produção como um marco na cinematografia nacional, mas também abre portas para novas oportunidades e desafios no audiovisual do país. A pergunta que fica é: o que muda a partir de agora?
A história do Brasil no Oscar
A música “Rio de Janeiro”, de Ary Barroso, foi responsável pela estreia do Brasil na premiação. A composição concorreu como Melhor Canção Original, do filme norte-americano “Brazil” (1944), na 17ª edição da cerimônia. Mas o Brasil não levou! Barroso perdeu o prêmio para “Going My Way”, do filme “O Bom Pastor”.
A primeira vez que uma produção em língua portuguesa ganhou foi em 1960, quando “Orfeu Negro”, longa baseado na peça “Orfeu da Conceição”, de Vinícius de Moraes, ganhou como Melhor Filme Estrangeiro. Porém, a estatueta não foi para o Brasil, porque o longa foi uma coprodução com a França e a Itália.
Com exceção de “Ainda Estou Aqui”, quando se trata da categoria que hoje é chamada de Melhor Filme Internacional, as produções brasileiras já concorreram por quatro vezes, não levando o prêmio para casa em nenhuma delas.
A primeira foi em 1962, com “O Pagador de Promessas”; depois, em 1995, com “O Quatrilho”; em 1997, com “O Que É Isso, Companheiro?”; e por fim, em 1998, com “Central do Brasil”, filme dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Montenegro, que concorreu como Melhor Atriz no mesmo ano.
Além das indicações, uma produção brasileira já passou por um caso curioso. Em 2003, “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles, não foi indicado como Melhor Filme Estrangeiro, mas foi reconhecido pela premiação no ano seguinte nas categorias de direção, roteiro adaptado, edição e fotografia. O longa de Meirelles não levou em nenhuma das quatro indicações.
Em 2025, finalmente, “Ainda Estou Aqui” levou a estatueta de Melhor Filme Internacional. A vitória representa não somente um reconhecimento artístico, mas também um divisor de águas para a indústria cinematográfica nacional.
Soft Power e a importância do Oscar em meio a outros prêmios
Além do prêmio da Academia, o longa mais recente de Walter Salles já conquistou 49 prêmios, como o de Melhor Roteiro Adaptado no Festival de Veneza, onde estreou em setembro de 2024, e o Globo de Ouro de Melhor Atriz para Fernanda Torres. Entre as dezenas de prêmios, por que a cerimônia norte-americana parece ter um impacto tão grande? Um dos motivos se chama Soft Power.
Em entrevista à Cine Ninja, o jornalista, escritor, professor e crítico de cinema Franthiesco Ballerini explica o que significa o termo. “Soft Power é o poder de sedução, de atração, que vem da diplomacia, da ciência, da religião, do esporte e do entretenimento da arte, a cultura”. Ballerini é jornalista, crítico, professor de cinema e escritor. Ele é autor do livro “Poder Suave” (Soft Power), finalista do Prêmio Jabuti em 2018.
Logo depois, o escritor explica a relação da premiação com o Soft Power. “O conceito se refere ao poder de persuasão e atração cultural, e o Oscar é o grande farol do poder suave hollywoodiano, sendo o maior de arte e entretenimento do mundo. É a coroação, é o que dá aura de obra de arte, de entretenimento e de criatividade. Sem sombra de dúvida, a maior manifestação do Soft Power americano é o Oscar, de fato, ele tem grande influência, isso não dá para negar”, conclui Ballerini.
O jornalista opina ainda que, apesar do grau de importância, o Oscar tem perdido audiência nos últimos anos. “Essa coisa de mundializar, de dar prêmios para “Parasita” (filme sul-coreano, lançado em 2019), para filmes fora do eixo Europa e Estados Unidos, é uma maneira de manter esse poder do Oscar, sendo muito importante para eles, porque têm perdido audiência”.
Impacto no cinema brasileiro
O sucesso de “Ainda Estou Aqui” mudou a frequência com que o público assiste filmes nacionais, afirma a Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura. Segundo dados divulgados pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), em dezembro de 2024, o ano fechou com 10,1% na participação dos filmes brasileiros no total de público nas salas de cinema.
Em 2025, as produções nacionais já levaram sete milhões de pessoas ao cinema, arrecadando R$ 124,16 milhões até o dia 5 de março. Os dados são do Painel de Indicadores do Mercado de Exibição da Ancine, onde “Ainda Estou Aqui” aparece em 4º lugar no ranking de filmes — estrangeiros e nacionais — com maior público nos cinemas brasileiros. Perante as produções nacionais, o filme perde em audiência somente para “O Auto da Compadecida 2”, de Guel Arraes e Flávia Lacerda.
Além da influência na audiência, Francesco Ballerini ressalta que ganhar um Oscar valida a qualidade artística de um filme e pode abrir portas para coproduções e investimentos internacionais.
“Com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, pode vir uma leva de investidores para coproduções, tanto para os artistas que ganharam do filme brasileiro, quanto para outras produções. Dá uma visibilidade importante e eu sei, como professor de cinema, o quanto a gente fala de filmes que venceram o Oscar, entra na pauta de muitos jornais, revistas, blogs, sites do mundo inteiro”, afirma Ballerini.
O jornalista ressalta ainda que um dos limitadores do país na premiação é o idioma, mas ele afirma que isso não muda o fato do Brasil sempre ter tido ótimas produções. Ballerini fala ainda sobre um dos desafios do audiovisual brasileiro, o ‘hábito’.
“[…] Eu acho que a produção brasileira tem alguns desafios, uma delas é essa coisa do hábito do brasileiro de prestigiar mais o cinema nacional, e não ficar refém apenas de um grande filme-evento, como “Ainda Estou Aqui”, afirma Ballerini, que em seguida ressalta a quantidade de filmes que a indústria produz anualmente.
“E eu acho o grande legado dessa premiação vai ser o Brasil acordar para ver os outros cento e poucos filmes que a gente produz todo ano, que fazem tão pouca bilheteira nos cinemas. Quem sabe esse quadro de bilheteiras mude, ou mesmo no streaming”, destaca Franthiesco.

Sobre Franthiesco Ballerini
Franthiesco Ballerini é jornalista, escritor, professor e crítico de cinema, parte da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Ballerini é especializado em Comunicação Midiática pela Universidade Metodista (Umesp) e autor dos títulos “Diário de Bollywood”, “Cinema Brasileiro no Século 21”, “Jornalismo Cultural no Século 21” e “Poder Suave” (soft power), finalista do 60º Prêmio Jabuti. Atualmente, colabora com o site americano Fair Observer, onde escreve sobre o poder da cultura no mundo.